sábado, 15 de setembro de 2007

...então, como eu...

Além de tudo, prolixa.
Como se não bastasse.
E o que dizer dessa saia de retalhos?
Mas é que os coelhinhos saltitam aqui dentro e eu os vomito. Um por um, às vezes quinze ao mesmo tempo. Formando montes difusos que preciso costurar, assim, assado.
Um bolo formigueiro! Está no freezer.
O alento da louça da semana finalmente e completamente lavada e equilibrando-se no canto da pia. O chá de flores, petulante e sedutor em seu sabor, pelo amor de Deus, criando uma primavera no meu céu da boca: hibisco, rosa rubra, jasmim, crisântemo, cardamomo e canela, um jardim no meu paladar. As notícias que chegam dos amigos são as melhores possíveis. A brisa noturna e a lua em forma de sorriso. Gato de Alice, foi o que me lembrou.

Agora tudo me parece coincidência, confirmação, epifania. A pessoa que, o filme ao qual, a música no, o e-mail enviado por, aquele, aquela, ah, puxa. A lua formando sorriso para mim. Houve a senhora no ônibus na terça-feira, me contando a história do sobrinho obstinado que foi morar na Austrália há sete anos, com a cara e a coragem, e hoje está muito bem empregado em Londres. Ela me disse: você é bonita, simpática e inteligente. Confie nisso e afaste a nuvem preta que está por aí. Minha mãe me perguntou que nuvem era essa. Medo, ué. A inadequação tem seu preço. E eu, como filha de Deus, por mais valente que seja, também tenho medo. Tenho preguiça. E gula. “Eu tenho um pouco de medo, medo ainda de me entregar, pois o próximo instante é desconhecido”, nas palavras de Clarice Lispector ditas com vigor por Maria Bethânia numa das faixas de “Drama 3º. Ato”, o CD de tantos significados (ele é par do livro de Clarice, do meu, de Lóri; aliás, ‘minhas’ faixas nesse CD da Bethânia são a terceira – Texto de Antonio Bivar/ Estrela do Mar/ Meu Primeiro Amor – e a sexta – Texto de Isabel Câmara/ Como Vai Você?/ Quatro Paredes).
“Enquanto me permite o destino
Eu vou sendo os personagens
Que eu criei...”
Ah.

Medo de me entregar plenamente. “Não deixe tanta vida para depois...”
Assisti hoje ao mais recente Winterbottom, “O Preço da Coragem”, que vai estrear em breve. Trata da angústia da jornalista Mariane Pearl, esposa do também jornalista Daniel Pearl, do “The Wall Street Journal”, seqüestrado e morto no Paquistão, em 2002. Acompanhamos o drama e a tensão dela e de amigos e figuras do governo norte-americano do momento em que se confirmou o desaparecimento de Pearl até o trágico desfecho e os passos seguintes de Mariane. Gosto do diretor inglês, gosto de suas cenas superdecupadas, cruas e tão bem lapidadas, das escolhas subjetivas e ideológicas que faz na movimentação de câmera, nos enquadramentos e na inserção de imagens documentais. Há quem o acuse de manipulação, acho que ele até certo ponto manipula, sim, mas não esconde isso do público. Estão lá seus artifícios para criar um longa catártico, comover aqui, revoltar ali. Mas funciona, caramba! Essa história de autor neutro e puro e inocente quanto à própria obra não cola, não. Gosto de Winterbottom porque tem personalidade, não é um marionete de estúdio ou um morno qualquer que faz filmes quaisquer. Quando crescer, quero ser assim com a câmera.
Ah, sim. Está na listinha.
Pastéis, canto, literatura, câmera...
O filme me devolveu um pouco desse meu tesão pelo jornalismo que os anos foram diminuindo até chegar nessa quase apatia em que me encontro hoje. Está difícil buscar trabalho menos pela falta de contatos ou de oportunidades e mais pela falta de interesse de minha parte. Olho para as publicações e já não acredito mais em nada. Fico até meio enjoadinha, tenho preguiça de ler qualquer coisa. Sinto que a vida pede outras atitudes, que se trata de pura reciclagem, e a tchurma continua insistindo em fazer “produto novo” para “cliente novo”. Afe. Quem lê tanta notícia?

Casualidade ou coincidência foi ter me deparado com o filósofo, cineasta e ativista Guy Debord, que vai ganhar mostra em sua homenagem no CCBB também em outubro. Assistir ao “La Societé du Spectacle” (1973), longa-ensaio baseado em seu livro homônimo de 67, é toda uma experiência. Um dos principais pensadores da Internacional Situacionista, com novas e radicais propostas para a arte do século 20 – uma arte comprometida, revolucionária e participativa – e uma feroz crítica à sociedade do espetáculo, do consumo e do fetichismo da mercadoria. Ele monta seu filme com imagens de arquivo, de noticiários e de documentários, mas também “rouba” ou “expropria” cenas de clássicos do cinema, como “Rio Bravo” e “Por Quem os Sinos Dobram” – les films volés. A discussão é bem mais profunda do que escrevo aqui (alguém me lê? alguém chegou até aqui?). Fiquei intrigada com o que vi. Parece que faz um clique na cabeça da gente: caíram as vendas dos olhos. Eu não quero ser bolinho de massa feito em massa para ser consumido pela massa. Debord explica NA PRÁTICA o que sua teoria questiona. Ou seja, ele subverte elementos culturais e imagens já existentes, reorganizando-as com um sentido específico e determinado (ideologicamente determinado). Assim, o espectador recebe uma visão de mundo que pode crer ser “a” visão de mundo. Debord diz que o espetáculo é uma relação social entre as pessoas mediada por imagens. A sociedade do consumo e do espetáculo precisa de alguns que escolham as imagens, recortem-nas, concedam-lhe sentidos e as devolvam ao mundo como se fossem, de fato, imagens fiéis a esse mundo que retratam. Os que vêem sentem-se saciados por terem contato com o mundo que conhecem por meio de imagens. E tudo é consumo, porque há que consumir de algum jeito o que se vê. Alguém lhe conta o mundo por meio das celebridades, dos noticiários com cara de novela (realidade mostrada como ficção), com as novelas que “retratam a realidade” (ficção da vida real), dos fragmentos espetaculosos da esfera política, dos eventos bombásticos mundo afora, de corpos impossíveis e de produtos para todos os minutos do dia, etc. Você adquire esse mundo e, ao voltar para o comezinho de sua vida cotidiana e sem-graça, ufa, acha que teve emoção suficiente para aquelas 24 horas. E o espetáculo torna-se viciante, uma relação de dependência. (Voltando rapidamente a Winterbottom: ele sabe como lidar com o espetáculo e criar um elo com seu espectador por meio do uso que faz das imagens. Isso não é nem bom nem mau. Acho que a questão está mais no receptor que no emissor.)
Eu quero tocar o mundo. O mundo tem, por ora, as dimensões de minhas andanças e do meu abraço. Ponto e vírgula.

E, para terminar e eu me livrar dessa leva de coelhinhos, sigo acompanhando as desventuras de Florence e Edward em “Na Praia”. Quanto pudor, meu Deus do céu, e quantas travas. Preciso apresentar Florence à Menina Má e vice-versa. Quem sabe se ajudem. Vejamos o que pensam ou dizem:

Florence:
“Mas o que a atormentava era inexprimível, ela mal conseguia defini-lo para si mesma. (...) Num manual moderno e antecipatório, ela deparou com frases ou palavras que por pouco não lhe deram ânsia de vômito: membrana mucosa, e a sinistra e cintilante glande. (...) Quase tão freqüente era uma palavra que não lhe sugeria nada além de dor, de carne cortada por faca: penetração. (...) Sem dúvida, a imagem dos testículos de Edward, pendentes sob o pênis ingurgitado – outro termo horripilante –, era capaz de contrair seu lábio superior, e a idéia de ser tocada “lá embaixo” por alguém, mesmo por alguém que ela amasse, era tão repugnante quanto, digamos, um procedimento cirúrgico nos olhos.”

Niña Mala:
“--- Mentira, tú no quieres matarte ni matarme. Sino cacharme. No es verdad? Yo también quiero que me caches. O, si esa lisura te molesta, que me hagas el amor. (...) Se había arrancado el vestido de bailarina y tendida sobre mí me secaba moviéndose sobre mi cuerpo –, metiéndome la lengua en la boca, haciéndome tragar su saliva, atrapando mi sexo, acariciándolo con las dos manos, y, por fin, encogiéndose como una anguila sobre sí misma, llevándoselo a la boca.”

Ulalá. Que dupla.
E são dois homens, os dois escritores, descrevendo. Dois narradores masculinos – um onisciente, outro não.

Ver um homem pelado é toda uma experiência. Dependendo do estado de espírito, do homem, da ocasião e dos etecéteras, ora pende-se para a “função Florence”, ora para a “função Niña Mala”... Embora curta ser menina má quando convém, eu prefiro o jeito Lóri: “Foi então deitados no chão que se amaram tão profundamente que tiveram medo da própria grandeza deles. (...) No começo ele a tratara com delicadeza e um senso de espera como se ela fosse virgem. Mas em breve a fome de Lóri fez com que Ulisses se esquecesse de todo a gentileza, e foi com voracidade sem alegria que se amaram pela segunda vez. E como já não bastava, já que tinham esperado tanto tempo, quase em seguida eles se possuíram de novo, dessa vez com a alegria austera e silenciosa.”
Isso rende outro post, mas em outro momento. Há as cenas de sexo do cinema... Coelhinhos saciados, me voy.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

crítica da razão pura

(nota: é a razão pura quem critica, não eu quem a critico)

Pois então, acho que agora enlouqueceu de vez. Como se não bastassem as idéias malucas no plano das idéias, agora elas começaram a brotar no plano das ações. Ações malucas? E os riscos todos estão aí, as pessoas à volta parecem cada vez mais chocadas e atônitas, o voto é obrigatório, é bom fazer Papanicolau uma vez por ano, há que comer fibras e cortar o açúcar branco, o ideal é hidratar a pele duas vezes ao dia, mínimo, e essas coisas todas. E assim por diante. E o manual está aí, distribuído gratuitamente, por que não o relê? Nadar contra a corrente! Hahahaha. E agora deu para se achar artista, dona de uma criatividade que faz bem à saúde. São esses argumentos que vão salvar o mundo? Acha que sorrisos e simpatia e bochechas rosadas acabam com uma guerra? Ah, vai cantar? Ah, vai improvisar? Sei.
Improvisar? Repete. Nada de controle, então?

Vai viver de que, meu bem?
Vai fazer o que ali, meu bem?

Love is all we need? Qualé, larga esse Beatles ultrapassado.
Sumi com seu "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres" porque Clarice faz mal à cabeça, mas aí você foi ver aquele anime, "O Túmulo dos Vaga-Lumes", e pirou mais um pouco.

Olho no espelho e falo com você: "agora pirou de vez". Você escuta, se confunde, tropeça nos livros pelo chão e não dá bola. E fala: eu vou, eu vou. E volta? Vai voltar? Volta algum dia?

Sua alma está sussurrando demais, também não é assim.
E tenho dito. Cuide-se. Cuidado. Pelo menos, não ande descalça quando faz frio, tá?

Ser ou não ser

Cobertor no sofá que acompanhava o filme da noite. A xícara cujo fundo ainda suporta um fino arco de café com leite já seco, embora bebido há pouco. Roupas sobre a poltrona, sutiãs inclusive, roupas limpas tiradas do varal cuidadosamente e casualmente separadas das roupas usadas anteontem, que estão sobre uma cadeira da sala de jantar. Sacos plásticos da compra do supermercado, livros e mais livros consultados ontem ou há meses, DVDs espalhados pelo tapete, pelas cadeiras, um até sobre a geladeira. As flores. Nas orquídeas, nas begônias, numa humilde violeta, porque as demais, com preguiça, só apresentam folhagens. Uma folha amarela no lírio da paz. Uma folha branca ao lado do telefone, mas muitas outras escritas ou rabiscadas pela mesa, pelo chão. No rádio, a música pop-melada-animada que me persegue. No CD, a mesma música. No suspiro da hora do banho, idem. Essa música algumas horas antes de ele entrar no apartamento, meia-noite e meia, cheirando a charuto e tesão. Mas essa lembrança nem tem mais cheiro. Ficou apenas a música.
Dia tão claro, tão claro, mas a casa anda meio e meia escura. Faltou abrir a janela do quarto – dificuldade para alcançá-la, entre mais roupas pelo chão, lençóis e sapatos sem par. Por que tudo é tão difícil? Não há resposta evidente. Há um porta-jóias que só carrega bijuterias, queridas todas, mas bijuterias, ao lado de um quadro encostado sobre o bufê improvisado da sala de jantar. Por quê? Não se sabe. Uma garrafa de Casillero del Diablo faz companhia. Ela cheia, o Bailey’s quase vazio. As coisas não fazem sentido. A desorganização, sim, a bagunça, sim, mas as coisas – elas por elas mesmas – não fazem sentido. Tudo é tão difícil.
Suco de maracujá à tarde, café puro e forte à noite, chá de camomila pela manhã. Isso não faz sentido. E o sistema nervoso central, será que é ele?, confuso e bagunçado. Não faz sentido. Difícil, difícil organizar as coisas por aqui. Dentro e fora. No apartamento, no sistema nervoso central, no lugar de onde saem os sentimentos e as emoções e as aflições e os fermentos espirituais. Chamo de coração. Não acho meu coração dentro do meu corpo – deve estar num lugar tão ou mais estranho que a touca para banho. A touca para banho está ao lado de um prato repleto de migalhas de pão integral, de um dicionário de sinônimos e antônimos (ah, tá, isso faz sentido), de um vasinho com flores da fortuna de cor tão bonita quanto melancólica. Com essa vizinhança absurda, não me parece fácil ser touca para banho. Encontrá-la, assim, despretensiosamente. O mesmo acontece com meu coração. Não o acho. Está perdido no meio da bagunça.
Ontem, toalha amarrada na cabeça procurando o pente para o cabelo (estaria ao lado do vinho?), me senti personagem de uma história escrita por não sei quem, não sei por quê, até isso é difícil. Nada faz sentido, mas o roteiro é tão coerente. As decisões sendo tomadas de modo impetuoso e voraz. O apetite transcende a gordura abdominal: está no excesso todo esparramado pelo apartamento, pelo coração (onde quer que ele esteja), pelos pensamentos. Grávida de possibilidades.
Eu personagem-ser-humano tive um pouco de frio e medo ontem à noite, depois do filme, mesmo com o cobertor. Agora, menos medo, menos frio – calorzinho até – mas sigo com o sentimento de estar do avesso. Estou do avesso... e tudo é tão confuso. Agarro-me às coisas concretas, como as notícias de jornal, que me dizem que pertenço de carne e osso, fluidos e surtos, a esse momento presente, a essa época, à vida presente, aos homens presentes. O avesso não é a sombra. O avesso é o avesso, o outro lado, essa bagunça toda, vizinhanças que não fazem sentido, sinônimos ajuntados de um lado e antônimos também agrupados, o que torna tudo ainda mais difícil. Um quebra-cabeça sem figuras, totalmente branco (como o da mãe de Dvir no filme Exuberante Deserto), só com encaixes. E eu não sei encaixar tudo.
Um alívio: aos poucos, me libertar da fabriqueta de bolinhos, aquela produção em série de massas fofinhas e adocicadas e tão cheias de conservantes e adicionantes e bicarbonatos e gordura trans, assepticamente acondicionadas em plastiquinhos coloridos com uma pulseirinha (ou, talvez, um chip) de brinde. Mas a saída do sistema-problema-produtividade-a-todo-custo-e-remuneração-mensal me deixou meio bêbada e meio equilibrista. Com apetite voraz. Sem papel no musical superprodução. Difícil. Tenho monólogos agora, mas nem todos têm paciência para acompanhá-los. Agora sinto que cada passo seguinte é conseqüência do passo imediatamente anterior que escolho dar. E que nada acontece conforme planejamos, o que me agrada muito e me deixa corada e sorridente.
Não agüento mais perguntas que faziam sentido antes, quando eu era bolinho querendo escapar da fôrma. Ainda quero entrar em forma, mas não desse jeito. As sinapses seguem a todo vapor, daí o suco de maracujá, seguido de café, temperado com camomila. Música de novo, caramba! Mundo, mundo, faça sentido por favor, só para aquietar meu coração – por onde quer que ele ande, pois eu não tenho nem quero ter controle. Tenho medo. Medo de ficar sem dinheiro, não pelo dinheiro, nem pela necessidade de mais livros ou roupas ou CDs ou saquinhos de Sabores da Terra de inhame ou cremes para peles sensíveis. Sem dinheiro para viver com alguma dignidade e para a realização de sonhos mais prementes e mais profundos. Mas o maior medo, o medo grande, líder dos demais, é encontrar-me novamente presa a um cotidano esquemático, superficial e frio, operando no automático por oito ou mais horas diárias de submissão e massificação. Dessa vida o que levamos? Essa calcinha esgarçada que visto hoje, por exemplo, não vai comigo à transcendência. Nem esses óculos que me caíram tão bem. Então por quê? Ficam minhas pinceladas, isso sim. E meu coração, feito cinzas (onde quer que ele esteja agora), adubando flores para novas orquídeas e folhagens de plantas preguiçosas. Me pergunto por que sou assim e não há resposta. As coisas são como são e não do jeito que cada um de nós gostaria que fosse. Simples, mas difícil.
Achei um pregador de roupas ao lado dos textos de Fernando Bonassi que tenho de estudar para o próximo encontro do grupo de teatro, “Entre Paredes” é um deles, porque é verdade que tudo chora quando é hora do choro, mas eu gostei mesmo de “Falatório” tirando palavras da minha boca: “Estão falando que animação também é sinônimo de confusão.” “Estão falando dos meus sapatos, dos meus vestidos, dos meus decotes.” “Eu fiquei em silêncio. Eles é que estão falando.” Junto estava um CD dos Beatles, faixa 9: “With a Little Help of My Friends”. Quem me entende p-o-n-h-a-o-d-e-d-o-a-q-u-i, q-u-e-j-á-v-a-i-f-e-c-h-a-r. Quem não me entende mais, porque perdeu a conexão, mesmo com banda larga, por conta de pavio curto, me respeite apenas e já ficarei feliz. E lhe acenderei uma vela, e lhe cantarei uma canção durante o banho.
Claro que dá saudade, mas as vagas são sempre limitadas, mesmo que existam muitas, e isso faz sentido.
Entre o pregador e os textos, estava um fio. Um fio comprido, comprido. Um fio que não sei o que é nem de onde vem ou para onde vai. Tenho a leve impressão que me levará a meu coração.
Então agora eu vou seguir o fio, mesmo que seja difícil. E que não faça muito sentido, sentido algum.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

VÔMITO

Quem são os 40 cretinos-cains que votaram pela absolvição do calhorda-caim Calheiros? E houve seis ignorantes que se recusaram a votar. Quem são esses 46 infames?

Por que eu tenho de ajudar a pagar o salário dessa gente? Saiam daí, seus inúteis! Comparsas! Cains! O Brasil é nosso, não de vocês!

E o calhorda-caim-mor ainda comentou que sua absolvição foi fruto da democracia, ou algo assim. Por que nosso presidente-carruagem ainda o defende?

Palhaçada, palhaçada. Porcalhada, porcalhada. Canalhice, canalhice, calheirice. Porca calheirice!

Novo termo, que essa reforma na língua portuguesa brasileira (ai, meu Deus) o incorpore: CALHEIRICE – subst.: (1) defeito de fabricação típico dos políticos brasileiros, especialmente os de centro, de direita e do governo, independentemente do partido a que pertençam, que os torna corruptos contumazes, ladrões sem-vergonha, indivíduos animalescos soberbos e arrogantes; (2) característica dos cains, das bestas-sem-cabeça e dos sociopatas de luxo; (3) adesão covarde e hipócrita, por pura rabice-presa, ao cidadão Renan Calheiros, comprovadamente indigno de qualquer respeito moral e ético.


E nós? O que faremos?

sábado, 8 de setembro de 2007

entre travessuras e confissões

Me despedi de Vargas Llosa ontem à noite, entre choros e risos, um aperto no coração e uma saudade antecipada da Niña Mala, essa mulher tão autêntica tanto mais falsa, e do Ricardito, esse louco apaixonado, de sonhos medíocres e devoção desmedida, que enchia a menina má de huachaferías. Saudade das aventuras malditas da Ninã Mala pelo mundo, porque assim Llosa nos levava – a mim e a Ricardito – a passear por países e épocas e situações muito ardentes e eletrizantes. Saudade da saudade de Ricardito, em sua añoranza doentia pela menina má. Saudade da satisfação do niño bueno ao fazer amor com sua amada malvada, em sorvê-la com gosto e penetrá-la com alguma dificuldade. Saudade da boa prosa – li em espanhol – de Llosa. Namorava o livro há tempos quando ele gritou por mim em pleno aeroporto internacional da Cidade do México. Não pude me conter y me lo compré. Foi comigo a Puerto Escondido, esteve na casa do homem que não quis mais ser herói (ai, que fofo esse homem!) e agora aterrissou na bagunça desse apartamento numa São Paulo mais terna que de costume, mais limpa também, apê em que recuerdos de viagens antigas se misturam com guias das viagens futuras, roupas e meias e sacos plásticos e caixas de CDs escutados à exaustão.

Ei, toca o telefone!
Será a Niña Mala querendo falar com o Ricardo?
Será Ricardito na linha com mais uma huachafería?

Enquanto isso, sabores se misturam por aqui e por ali. Tortillas na geladeira e agora tchai té no armário! Saudade de tudo. Saudade do país da serpente emplumada, dos toritos em Veracruz, da tlacuya em Puerto Escondido, daquela piña colada bebida no restaurante mais pop de El Pachán, em Palenque, sob o céu estrelado de Chiapas, padrisimo todo, saudade da copa de viño com Paul e María mirando el lago de Michoacán e sob o céu estrelado de Pátzcuaro, saudade do telão a céu aberto em San Miguel Allende com as aventuras de Pedro Infante e curtas tão interessantes. Saudade do homem que não quis mais ser herói! Saudade daquele dia na Cineteca, vendo “Play”, sentindo “Play” (chileno, mas cabia na ocasião), saudade de outras viagens, saudade de Istambul, caramba, saudade da sensação daquela noite na Tunísia, saudade do primeiro dia – o primeiríssimo – em Roma no ano 2000, saudade de Paris no verão, saudade daquele dia em que vi “Antes do Pôr-do-Sol” no cinema pertinho do Opera House e de Circular Quay numa Sydney estrelada e morna, ui, saudade da Praia do Leão em Fernando de Noronha, saudade daquele moço no albergue do Uruguai e da gente na rambla sob mais um céu estrelado e depois laralalá, saudade da lua cheia naquela prainha minúscula e linda de Itacaré, saudade da noite dos fogos em Genebra, à beira do lago, e o fofo Ekrem de Kosovo gritando 'mamma mia', saudade de quem sente saudade de mim neste exato momento, saudade do meu Ricardito chileno de Viña del Mar (tive o meu, em dose miúda)! Cadê você, Ricardito?

Estoy volviendo una huachafita!
O “El Pasado” continua esperando que a leitura siga, Sofía e Rímini deram lugar a la niña mala y al niño bueno, mas quem me chamou foi Ian McEwan com seu “Na Praia”. Comprei de supetão hoje, apesar do flerte de meses. Essa frase me cativou: “Eram jovens, educados e ambos virgens nessa noite.” Virgens somos todos na primeira noite, na primeira vez. Também comprei de supetão “Jerusalém”, do português Gonçalo M. Tavares. Tinha lido no blog do vintanne guapito que respeito muito (leu Proust no verão e Mann no inverno... ou terá sido o contrário?), um comentário bem favorável. E aí, na Livraria Cultura, topei por acaso com um outro amigo que respeito muito e ele me disse algo como: minha obsessão no momento são os livros do português Gonçalo Tavares. “Jerusalém” é sensacional (ou algum adjetivo nesse nível). Também estou louca para conhecer a Jerusalém de verdade, a Jerusalém das três religiões, a Jerusalém da fé, da história e das histórias. Achei tudo meio coincidência, um excesso de sinais do universo para já. Voilá: então, fazendo companhia ao meu novo guia de viagem, porque la nave va de novo em breve, temos McEwan e Tavares (na contracapa, comentário de Saramago: “Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!”).

Saudade do primeiro retorno. E da primeira partida.
P.S.: E se eu contar que tive uma sessão Roberto-Carlos-Detalhes ninguém vai acreditar... Pois é, pois é. Pues sí, pues sí.
P.S. 2: SALVE TRICOLOR PAULISTA DO MEU CORAÇÃO! São Januário, excuse-moi, mas hoje foi dia de São Paulo.

Bem, bem, agora só está faltando conseguir escutar novamente “Aranjuez, mon amour”, saboreá-la como se fosse uma huachafería criada especialmente para mim por meu Ricardito imaginário (bem, ao contrário da niña mala, pues soy una niña buenísima onda, prefiro um Ricardito menos burocrático e mais ambicioso). Ouvi a interpretação de Miles Davis para “Aranjuez”. Me deixou sem fôlego de tão boa. O que essa música veio fazer na minha vida? Distraidamente, eu ali, blusinha branca, sainha marrom, chinelinho-sandália Ipanema, escutando a orquestra alemã de metais num dos recantos culturais de Querétaro, e pimba. Cooptada e captada e raptada por “Aranjuez, mon amour”. Agora estou apaixonada. Mi amor, amor mío.
Niña mala, o que você faria se estivesse no meu lugar? (Ricardito, preste atenção na resposta... pode ser uma dica ótima para você).

“Me equivocaba. Ahora sé que tu eres para mí la felicidad.”

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Corações.

Depois que todos já viram e comentaram, eu que caminhava em rotas nunca antes trilhadas por mim mesma, recém-acolhida a uma Paulicéia mais limpa e mais luminosa (ao menos, para meus olhos ternos), fui, numa dessas tardes pré-primaveris, assistir ao mais recente Resnais, “Medos Privados em Lugares Públicos”. Tinha lido alguma coisa a respeito antes de decolar. Ao aterrissar, semanas e semanas depois, obviamente não me lembrava mais de nada. Assim que o vi totalmente disponível. O que tenho a dizer? Talvez um Drummond dos mais melancólicos, um Vinícius dilacerado, um Chico dolorido, uma canção de Madredeus daquelas que dão nó no peito. Impressionante.

Momentos fugazes e fundamentais em fragmentos de vida, em um dos fragmentos que compõem cada uma daquelas vidas. Fragmentos de sentimentos em algum momento da vida. Fagulhas e chispas despertadas sob uma neve implacável, numa Paris gelada, distante e difusa. É Paris, mas não importa. Os espaços externos são bonitos: alguns coloridos, outros clean, todos limpos e corretos, mas também isso não importa muito. A grande questão, no filme, passa pelos espaços internos. Pelas veias e artérias dos personagens, por suas memórias, por seus desejos e fantasias, por suas buscas, por suas fraquezas e por suas defesas. Por seus corações, portanto. Pela solidão que cada um experimenta a seu modo, a seu próprio tempo.

A implacável neve contorna a solidão dos personagens, dando-lhes disfarces e máscaras. Estão todos muito bem, muito ativos e presentes no cotidiano que desenharam. Estão, no fundo, todos muito sozinhos, melancólicos, dilacerados e doloridos. Estão todos circulando por lugares públicos numa tentativa às vezes desesperada, outras vezes muito discreta, de ocultar seus medos privados, tão privados, tão profundos. Seria bom se esses medos ficassem ocultos também para eles mesmos, para cada um deles, mas sabemos todos que é impossível. O público sempre lembra o privado de que ele, privado, existe e está ali. Em algum instante, escapa pela janela.

Nenhum dos personagens busca a coerência. Todos são incoerentes; no privado, divergem da imagem pública que convenientemente usam. No público, não são como no mais privado deles mesmos. Humanos, enfim.

Valeu, Resnais. Filmaço. Bem dirigido, bem atuado, bem iluminado, tão visceralmente verdadeiro.
É um longa-metragem para ser visto quantas vezes o coração pedir.
De tão humano, congela e esquenta. Desconfortável, acolhe nossas dores.
Depois da partilha no lugar público que é o cinema, cada qual volta à casa para ter com seus medos privados. A sós.


P.S.: Palmas ao ator Pierre Arditi, que faz o barman Lionel numa interpretação magistral, na qual menos é mais. Sensacional!

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Da aprendizagem das velas.

Era uma menina ainda quando pediu, de presente de aniversário, uma vela. “Sim, sim, vai ter velinha em seu bolo, filha”, disse a mãe. Não, não era nada disso, e a menina teve que explicar que queria uma vela de presente, uma vela só para ela, uma vela sem hora de acabar, sem hora certa para se apagar, uma vela que brilhasse bonito e quente. Então, num dia ensolarado e feliz de fevereiro, além da boneca e do livro, a menina ganhou uma vela dessas que se usam em procissão, comprida e fina, inodora e incolor. Namorou por dias a fio a vela até arriscar-se a experimentá-la. Era um sábado. Acendeu-a com cuidado à tarde. “Não vai queimar nada, hein”, exclamou o pai. O irmão acompanhava-a, curioso, iluminado lateralmente pela luz vibrante da vela da menina. A luz, ah, essa luz. O sorriso da mãe, sua batata da perna esquerda que a menina achava linda que só. Os pés e a barrigota divertida do pai. As mãos miúdas do irmão (naqueles tempos) miúdo. A mãe de novo, a careca do pai, ela mesma no espelho, sua boneca Susi, a Narizinho da capa de seu livro do Monteiro Lobato, seu tênis furado, a bicicleta Ceci, o diário, a pasta de papel de cartas. O porteiro que veio entregar uma correspondência. Obteve a permissão dos pais para ir ao playground com a promessa de não queimar nada nem ninguém. O jardim. Os amiguinhos. Os vizinhos do quarto andar, que chegavam cheios de sacolas de supermercado. O porteiro de novo, que só dava risada. O vaso ao lado do tapete. O canto do tanque de areia. O faxineiro e sua vassoura. A velha senhora reclamona do bloco B. Mais uma vez, o irmãozinho, que não tirava os olhos da vela. Os sorrisos da criançada que a rodeava. A parede cheia de sombras – mãos transformando-se em bichos, sorrisos virando pinturas, a ciranda formada espontaneamente. E já era noite, quando o pai chamou os dois filhos. Eram ainda três quando subiram, pois a vela teimava em brilhar, presa entre os dedos da menina. Tinha se tornado um toquinho no momento em que a mãe grudou-a na pia da cozinha. Ao sair do banho, a menina encontrou apenas um punhado quente de cera. Missão cumprida, pensou, distraidamente.
A luz, ah, essa luz.
E foi a partir desse dia mágico, quando era ainda menina e mal sabia das coisas (apenas as intuía, talvez), que ela descobriu sua verdadeira vocação. Acender luz. Dar luz, dar à luz. Compartilhar luz. Luzir, iluminar-se e ser iluminada, deixar-se iluminar. Mas esse aprendizado, o da descoberta da mais profunda vocação de um ser humano, é um dos aprendizados mais difíceis. Parece maratona de intermináveis quilômetros combinada com corrida de obstáculos e estrada para o litoral cheia de curvas e declives. E haja serenidade para alcançá-lo nesse cotidiano entupido de preocupações inúteis, exigências fúteis, valores rasos e um montão, montão, montão mesmo, de pseudo-eletricistas.
Ah, a luz. Essa luz.
Sem saber, porque a vocação também vai saindo aos pouquinhos, como goteira ou torneira mal fechada, a menina já adolescente, depois jovem, em seguida adulta, seguiu acendendo velas. Iluminando cantos escuros e também, inadvertidamente, inexperiente, janelas já iluminadas (algumas esquecidas disso, mas tudo bem). Cantos escuros de pessoas queridas, cantos escuros de desconhecidos. Cantos escuros dela mesma. E quanto mais iluminava, gradativamente consciente do que se passava, mais se deixava iluminar e se surpreendia com os aposentos de seu próprio coração.
Vela nas mãos.
Deu-se conta.
Teve uma iluminação?
Pensou: epifania. Disseram-lhe: diosidade. A amiga: escutou a alma, que lindo! O moço jarocho: gracías, tu fuíste esa luz. O colega do grupo de performance: que pessoa iluminada. Jesus Cristo, via Bíblia: ninguém acende luz para deixá-la embaixo da cama. A amiga sul-coreana, lá na distante Montreal: uma vela para você se lembrar da gente. A amiga mexicana em Puebla: esse presente é para você pôr suas velinhas e enfeitar sua casa. A amiga brasileira num aniversário: espero que você goste de velas. O ex-namorado norueguês: vinho com entardecer ou vinho com velas?
A mulher-moça-menina aprendeu, então, as velas de iluminar e as velas de velejar. Combinou-as, assim, divertindo-se e saboreando-se. Descobriu as lâmpadas, os candelabros, os abajures e spots, conheceu rapaz no avião – ela para Puerto Escondido, ele para Guadalajara – que desenhava “luzes de mesa”.
A aprendizagem do velejar com velas e ventos doeu, doeu pra caramba, mas não foi em vão. A mulher que aniversariava em fevereiro envelhecia, apagando velinhas, mas rejuvenescia acendendo-as em todas as partes – especialmente, acendendo as velas invisíveis, essas que a gente mais fosca, tosca e desanimada não logra enxergar, não quer enxergar, porque pensa no dinheiro, no tempo, no poder, no rótulo, no sucesso e nos cocôs de passarinho e nas cascas de banana do caminho (em vez de desfrutar tão-somente), no chuvisco que encaracola os cabelos e na flacidez da pele (quando a da alma já escorregou até o umbigo). Essa gente que busca reluzir de ouro e pó de purpurina, mas que volta ser borrão às escondidas.
Porque a mulher-menina-de-fevereiro (peixe dentro d’água, quando no mar, quando no ar, quando entre as gentes, mas peixe quantas vezes fora d’água, ui, aprendizado de vida) sempre soube que todo ser humano nasce, pelo menos, com uma vela, uma vela imensa, tipo Círio de Páscoa. Às vezes, com pavio mais curto, mais seco, mais úmido, mais fino, mais frágil, mais grosso, menos apto, mais inapto, pouco atrativo, deveras atrativo, tímido, atirado, apressado, lento, lerdo, verde ou roxo, preto ou branco, colorido, fedido, cheiroso, curto ou comprido, silencioso ou estridente. Mas todo mundo tem um – um Círio, um pavio. Pelo menos um.
Obviamente houve dias em que a mulher sentiu-se apagada e opaca, uma noite escura num dia claro. Lógico que houve dias em que a mulher mais parecia uma fábrica de fogos de artifício, iluminando até demais, gastando energia adoidada. Mas a descoberta da luz e da vocação de acender velas sempre suavizou os tropeços e topadas, as derrapadas e as cagadas, os excessos e os insucessos. As velas viram montinhos de cera, montinhos que podem dar origem a outras velas – não mais as mesmas, outras. Então, com o aprendizado das velas, velejantes e vibrantes, velas que brilham e velas que guiam, veio também o aprendizado do desapego. Ninguém pode impedir que a vela cumpra sua missão até o fim do pavio. Mas o fim não é um fim definitivo, é sempre um recomeço, um fim para um começo de algo diferente – e não menos iluminado.
Era uma mulher que acendia velas, então. E quanto mais as acendia, como já tinha percebido na infância, mais se sentia acendida e iluminada pela luz dos outros.
E, novamente, e desta vez mais forte e mais visível, ela peregrinou para iluminar e ser iluminada. E quanta coisa bonita viu, sentiu, provou, ouviu, falou, partilhou, descobriu, sonhou, desenhou, escreveu. Porque a luz não pode morrer e nosso dever, como seres humanos, homos sientens (esqueçamos um pouco essa função “sapiens-sapiens-sapiens”), é brilhar e fazer brilhar. Porque minha luz só tem sentido se encontra a do outro, eu acredito. Como diz o poeta espanhol Antonio Machado, valemo-nos de fé poética, “não menos humana que a fé racional”, e creiamos no outro.

sábado, 7 de julho de 2007

Da despedida. Navegar é preciso, viver também.

Peregrinar (verbo sempre transcendente): Buscar a mim mesma em outras geografias, traçar a minha geografia com outras caligrafias, usando outros idiomas, tendo outras paisagens como pano de fundo. Percorrer o mundo para me encontrar, para chegar mais perto da minha essência. Ausentar-me do meu cotidiano já quase sabido de cor, deixar-me à mercê das surpresas, permitir a ruptura.

1.
O que anseio é o mergulho sensorial e espiritual no oceano infinito da civilização humana. Ver todos para chegar a mim mesma. Só me entenderei em plenitude quando tiver visto muita gente, uma amostra considerável de humanidade.

"O que faz andar a estrada? É o sonho. Para isso servem os caminhos: para nos fazerem parentes do futuro", já havia escrito Mia Couto. Construo o caminho enquanto peregrino, portanto. Às vezes, com urgência do novo; em outros momentos, deixo que a alma trace o roteiro e simplesmente o acompanho. Completamente disponível. Se tenho medo? Medinho, talvez, de voltar com as mesmas perguntas. Difícil, contudo, isso acontecer. A porosidade é tão grande que, ao longo das viagens, respondo as antigas e volto com outras, que brotaram no caminho, que surgiram com a ruptura, que se sentiram livres para vir à tona.

Depois de desbravar os contornos do novo cenário, embrenhar-me na essência dessa paisagem exuberante em si mesma posto que paisagem vívida, viva. Não só as pessoas têm alma, os países também. As nações. As monções. Captar as emoções todas desse lugar, as impressões, permitir que as sensações todas brotem, invadam, me raptem, me transformem.
Eu e o Outro.

2.
Na mochila, toda a minha brasilidade mais premente. Levo meus traços europeus, cidadã gerada, criada e crescida num país tropical, permeada por todos os sentimentos que pairam sobre e sob essa nação de comodismos e saudades, de alegrias e de religiosidades, de gingas e de falta de ação, um coração no qual cabem as florestas e o futebol, Fernandos de Noronha e Marajós, broas de fubá e pão-de-queijo, caipirinha e suco de maracujá, desigualdades e fidelidades.

Última leitura antes do embarque: "Esperando Godot em Sarajevo" (in Questão de Ênfase), de Susan Sontag, texto ratificador de meu desejo de contribuir para um mundo mais digno. O destino de agora não é Sarajevo, mas no destino -- qualquer que seja ele -- minhas esperanças e minha partilha, eu inteira, eu presente, eu na essência de minha humanidade que pode ser bonita e doce, apesar de minhas sombras, de minhas fraquezas, de minha humanice.

Estamos todos sempre à espera. De Godot? De Dom Sebastião? Da Serpente Emplumada? Da volta de Jesus Cristo? À espera de um milagre?

Fazer a hora, agora, embora na espera. Esperar não significa, para mim, trancar-me em casa e espiar pela fresta da janela.
Fluidez.
Eu, hemácia, levo meu oxigênio a um átrio do hemisfério norte, átrio este tão hemisfério sul, que parece que o coração fica sempre mudando de lugar. Acho que eu é que sempre estou mudando de lugar, apesar de eternamente enquanto dure hospedada em mim mesma, na pessoa que sou, na mulher em que me tornei.

3.
Levitarei por um mês, antes de retornar ao posto, aos posts.
Navegarei mares antes navegados, mas hoje e agora somos ambos diferentes, eu e o mar. E a terra à vista.
Às descobertas, então.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Hoje já sem o peso de carregar essa humanidade toda em mim.
Já sem o ônus de ser humana.

Algo mudou externamente ou foi meu olhar?
Não importa.

Discordo de que humanidade rime com inutilidade. Mas que caim rima com ruim, rima.
Hoje tem flor brotando da náusea. Gérberas, antúrios, orquídeas, violetas e girassóis. E borboletas. E joaninhas. E epifanias.
Em vez de mula-sem-cabeça, boi-bumbá. Boi que ressuscita. Nós, versões de fênix, que diariamente ressuscitamos. Da combustão para um novo ser.
Impossível negar as cinzas, o cinza. Entre o vermelho do fogo e o branco azulado do ressurgimento.

E, no meio de toda essa minha humanidade sufocante e transpirante, sinto ternura. E me sinto irmanada e irradiada na multidão de rostos.
Amém.

SANIDADE (ou a vida em primeira pessoa!)

Que caos que barulho que sufoco
Todo o mundo está ficando louco e eu aqui
Querendo apenas
Ufa
Respirar um pouco
Nas esquinas porcas das grandes cidades entupidas de gente que pouco
entende de vida
Eu quis respirar um pouco
Eu quis limpar
uma gota da gosma dos nossos dias desses nossos dias daqueles dias que
já se passaram e levaram tudo o que era nosso
a gota que estava nos meus olhos no meu nariz na minha boca
que entupia tudo e me deixava louca
Eu quis apenas respirar um pouco
Respirar pelos olhos pelo nariz pela boca pela alma e os cabelos
Eu quis cuspir
Eu quis gritar
Eu quis olhar de um jeito arregalado para tudo o que eu entendia ou não
entendia nada
Para tudo
o caos o barulho o sufoco todo mundo que está ficando louco
Ufa
Fazia tempo que eu não estava sendo eu mesma.

BASTIDORES (ou: eu sou o Wally que você procurava na paisagem bonita!)

Foram anos e anos de monólogo.
Histórias que eu mesma criava, interpretava, dirigia.
Entrava em cena para dialogar comigo mesma, muitas vezes
Achando que falava com alguém. Com quem?
Contracenava com personagens que eu mesma criava.
Começava e terminava histórias com igual desenvoltura.

Hoje vejo o palco semi-iluminado e sinto um vazio.
Vazio de talvez nunca ter estreado uma peça verdadeira,
De ter ensaiado tanto, tanto, mas sempre sozinha.

Quantos personagens passaram por minha vida,
Mas foram poucas as pessoas.

Quantos personagens eu já fui,
Mas quanto tinham de mim mesma?

quarta-feira, 4 de julho de 2007

EMBRULHADOS SEM PRESENTE

Não sei se são hordas de pingüins
ou liquidação ambulante de um mesmo produto
Embalagens procuram desesperadamente
por um presente que as valorize (ou que sirva como enfeite, não sabemos o que se passa na cabeça de uma embalagem linda e vazia)
Basta um vento e as árvores caem.
Basta uma chuva e as palavras e as palavras e as palavras
encharcam e se dissolvem, pobremente.
Desperdício.
A culpa sempre é do adubo, nunca da semente. Pois é.

Virá o dia em que não mais nos obrigarão a comprar manuais disso, daquilo, de redação, de antemão, de solução, de rimas e sobrevivências nas mais duras esquinas de todas as vidas e destinos e sonhos e mortes e
... estupefações.
Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas vindas de um mesmo mal!

Desabafo. Dor insuportável. "Suciedad moderna".

Porque hoje estou como Pablo Neruda: cansada de ser gente. Ele disse: "Sucede que me canso de mis pies y mis uñas/ y mi pelo y mi sombra./ Sucede que me canso de ser hombre." Cansado de ser homem-sexo-masculino, homem-gente ou as duas coisas? Para mim, não importa. Somos solidários em nosso cansaço.

Não estou cansada de ser mulher. Estou cansada de ser humana.
Hoje o cansaço veio com tristeza e com vontade de chorar. Esses dias em que a gente acorda tão sensível diante do universo ao nosso redor. No nosso infinito particular. Que é um finito coletivo, afinal pertencemos nós -- eu e você -- a uma época e a um certo espaço, falamos de um lugar datado, vivemos num planeta assim e assado com tais e tais dimensões. Porque nosso íntimo é infinito, mas nosso mundo é finito.
E estou tão, tão sensível ao que me rodeia. Tudo me atinge, tudo me aflige, eu não quero ler jornal, mas as notícias me chegam mesmo assim, a todo momento, elas brotam indefinidamente. E tudo me dói, me dilacera, me espreme, me fulmina. Tudo o que é sólido desmancha no ar. E cai sobre mim, meu coração antes do resto, e eu dôo doendo de dar dó em mim mesma. Nem preciso ler jornal para presenciar cenas de malandragem, desrespeito, aproveitamento da ignorância alheia etc. Posso fugir para a Capadócia, mas a Turquia também tem seus problemas, tem seus cains, suas bestas e suas mulas-sem-cabeça. Posso pensar em me isolar no Alasca, mas impossível, onde há gente há bestialidade.
Escrevo com lágrimas. Não sei mais onde existir em paz. Tampouco sei existir desconectada, eu sou assim, assim choro e sinto dor, dor grande, dor de existir assim, dor de impotência contra um mundaréu de situações que formam esse mundo.
Não seria melhor ter nascido na Idade Média. Não.
Não seria melhor se tivesse adiado meu nascimento para 2048.

O pior é que ninguém pode me salvar, porque todos são humanos e eu estou numa autoquarentena de humanos. Hoje não estou suportando a humanidade em mim e, descontando-a, só me sobra ser fagulha, posto que, humanidade à parte, só me resta a fagulha divina que enxergo em mim.

O que fazer com essa luz minúscula e quase patética (patética não pelo lado divino, mas pelo lado eu)? Como fazer essa luz brilhar livre de anonimatos e pseudônimos, ser mais forte que a bestialidade humana? Não queria esconder a luz embaixo da cama, nem fingir que sou lápis em vez de lâmpada, bem, não posso negar que sou lápis também, mais um problema, lápis e lâmpada, como assumir que sou lápis e lâmpada, ambos patéticos, ambos frágeis diante das mazelas todas -- do câncer à canalhice calhorda encalhada ao nosso redor --, ambos doloridíssimos, sensibilizados e sensíveis ao extremo, feridos a cada segundo pelas farpas das mulas-sem-cabeça? Como ter a certeza de que não me tornarei mula-sem-cabeça também no futuro, meu Deus?

Corredores, corredores, longos corredores, curvos corredores, não há janelas, não há janelas, sufocamento corredores longos curvos sem janelas só luzinha ínfima e infinita, luz que não apaga nunca, irrisória mas eterna, uma forte essa luzinha.

Meu choro não tem mais lágrimas, só soluços, queria ter soluções, não as tenho, não há como fugir, não há porta "exit" no mundo, no planeta, no século, no universo! Não há! Porta de emergência? Não! Não há! Não queria doer tanto, por que dói tanto ser humana? Por que raios tenho de me emocionar com esses acontecimentos diários todos, no mundo inteiro? Por que uma injustiça lá na Índia vem doer aqui, em mim, pessoa anônima, minúscula, mero número de CPF e RG? O ar está pesado de pó, partículas doentias, poluição de alma, isso sim. Almas poluídas expelindo seus dejetos porcos no ar que todos respiram. Todos adoecem.

E aí,
e aí,
e aí,
descobri que meu horizonte vai acabar em menos de onze meses, pois vão construir um edifício bem na direção onde nasce o sol, onde eu vejo o sol brotar.
Por que andam acabando com os horizontes da gente?
Proibido enxergar além, ao longe?


Eu quero um horizonte!
Estou sofrendo!
Mafalda, Mafalda, me ajuda! O mundo está doente! Mafalda, de Quino, pensa. Está lendo: "No es neceseario un analisis muy profundo para ver que desde el arco y flecha... hasta los cohetes teledirigidos, es sorprendente lo mucho que ha evolucionado la técnica." E diz: "y deprimente lo poco que han cambiado las intenciones." Pois.
E mais de Mafalda vendo televisão:
"Hoy que vivimos en una sociedad moderna..."
Interrompe Mafalda:
"Suciedad moderna?"
Pai: "Sociedad moderna."
Mafalda:
"Zoociedad moderna?"

A dor segue aqui, quem pode fazer algo por ela, acho que, se você procurar aí no seu íntimo infinito particular, talvez encontre uma parecida, quem pode fazer algo?
Saramago, em "Ensaio sobre a Cegueira", "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam."

Não sei se enxergo, sou míope, só sei que tenho uma fagulha dentro de mim que não apaga mesmo com tantas lágrimas tortas e rebeldes.

Engraçado como tudo vira clichê e, por conta disso, acaba sendo desmerecido pelos que "pensam" (seja lá o que isso signifique, hoje estou insuportável insuportando o insuportável). A máquina de emburrecer e de bestializar descaracteriza as reflexões mais oportunas transformando-as em gomas de mascar entupidas de corantes. E aí ninguém mais as leva a sério, claro.

Não há analgésico que faça passar essa dor imensa que parece a dor de todo mundo e que veio parar... em mim!!! Repartam comigo, por favor, porque sou pequena e pouca para tanto.
...
...
...
Quero sonhar com o horizonte! Pára, menina, de chorar por esse mundo.

terça-feira, 3 de julho de 2007

((parênteses 2)) – um passo minúsculo, em minúsculas, adiante

menos encolhida hoje. alarguei bem as costelas e o ar, que enchia meus pulmões e meu diafragma, ia desgrudando uma por uma assim: tac, tac, tac, tac. a dorzinha era gostosa e viciante. quero mais tac, tac, tac, tac. mantive o eixo, segurei meu centro. serenidade.
você sabe se apoiar no metatarso? é ele quem o equilibra quando você está sem eixo: nem na acomodação (ou conforto) do passado, nem na projeção (às vezes deveras fantasiosa) do futuro. aqui e agora: eixo, centro e metatarso. não fiz mais nada além de respirar. uma quase meditação. na suavidade da existência: ser e estar, aqui e agora, eu dentro e eu fora. eu.

quem sou eu? ninguém respondeu ainda. mas já há pistas brotando aqui dentro.

o imbróglio continua por aqui, mas acho que está pouco a pouco se desfazendo. hoje senti necessidade de mais paladar. saciei desejo, não negligenciei pelo menos uma das vontades: meia pizza de palmito, meia de berinjela, ambas com muita mussarela e azeitonas. bobagem? não. um respeito imenso pelo eu que está aqui e que tem fome e que não tem simplesmente fome mas vontade de. saciar demais as vontades de eu pode ser prejudicial à qualquer saúde. mas ensinar a eu que hoje pode, amanhã não pode, hoje faz sol, amanhã chove, agora é noite, depois é dia... faz-se primordial. eu, a existência é formada por ciclos, nada é propriamente infinito, só enquanto dura – e essa charada já foi matada (mas não morta, segue vivíssima) há um bom tempo. hoje, então, já que podia, já que dava, teve pizza. delícia de desejo saciado.

vários exames de ultra-sonografia, mas o imbróglio não apareceu na tela. havia um vazio deixado pela metade da tireóide que se foi, mas houve a descoberta de um segundo baço, um bacinho, que só faz companhia ao baço oficial. está lá de standy-by, just in case, sem atrapalhar os demais órgãos do time principal. me enchi de ternura pelo pequeno-grande-baço, humilde e discreto, aprendiz, presente, observador. parei de lamentar a partida incontestável e sem volta da metade da tireóide. achei que era hora de comemorar o surgimento na minha vida – a descoberta, portanto – do bacinho. falei? um se vai, outro sempre vem. nem sempre para e no mesmo lugar, mas vem. vida é assim: eterna circulação, como dentro da gente, o sangue, os líquidos todos, a comida virando fezes, como minha pizza.

tive também um privilégio que poucas mulheres têm: descobri de que lado ovulei este mês. do direito. se isso tem relação com o imbróglio ou com o desejo de pizza de palmito, não sei ainda. mas é lindo. hoje é meu lado direito que ensaia projeto de mundinho! oh! fiquei pirando, feliz por me descobrir teoricamente fértil: e se, e se, e se um bebê? bebê com 50% de mim na teoria e sabe-se lá Deus na prática? eu : 2 + 50% de outrem = bebê. mundinho. filhinho. fofura. oh!

mas volto ao imbróglio, não captado pelo ultra-som, mas tão sentido aqui-aqui-então: mais leve hoje. e foi por causa do monte de partidas de hoje pelo campeonato brasileiro, da copa américa in progress, que achei uma pista. veio do futebol. esqueça as divisões tradicionais: tricolor-tetrabra-triliber-trimundi versus Internacional, palmeiras contra américa, brasil versus chile... separo assim, ó: árbitros e bandeirinhas de um lado, jogadores e técnicos de outro. nunca vi caso de árbitro que virou jogador ou técnico, ou de jogador que virou árbitro e bandeirinha. bandeirinha pode chegar a árbitro, jogador pode chegar a técnico. certo? até aqui tudo bem? então. o fato é... eu era árbitro (ou bandeirinha, sendo modesta) e agora estou querendo ou estou em vias de ou sinto um chamado para... me tornar jogador. quiçá, no futuro, técnica. daí o drama. daí o imbróglio, parte dele talvez. parece contra a natureza, ou contra a ordem e a moral e os bons costumes, ou contra as regras talvez, ou uma piração muito grande. não há manual de instrução, Oscar ou MBA para tanto. então.

viu que é mais que uma questão afetiva, sexual, corpórea, emocional, profissional, vocacional, espiritual, mental, intelectual, racional, sentimental, sensorial, familiar?

diz respeito ao ser humano que sou, que quero ser, que continuo sendo, que virei a ser.
isso é muito, muito, muito profundo -- daí o entupimento do ralo.
e talvez tenha a ver com a idade que tenho (idade sentido lato sensu, sentido experiência de existência). aos 15, tinha minhas questões profundas, mas ainda me reconhecia como gente, nem tinha idéia do que poderia vir a ser. aos 23, só enxergava as possibilidades, eram muitas e tudo parecia viável e plausível, tinha algumas opções (ser bandeirinha para virar árbitro, um dia). aos 23, não conseguia compreender que eu, essa eu-mim-me que sempre fui e sempre estive mas estou sendo e sendo estou devagarconscientemente e pouco a pouco, embora feliz como árbitro (que começou como bandeirinha) ia querer virar jogador de futebol (ou gandula, ou torcedor).

boa essa. incluí mais possibilidades de virada. jogador/árbitro/gandula/torcedor. parece que a gente cresce aprendendo que só pode ser uma dessas coisas, afinal, cada qual com suas habilidades específicas, sua... "inteligência", seus MBAs, seus salários, seu preparo etc.

o ralo entupiu por quê?
ainda tem isso.

daí que esse meu momento não "é por causa" des petites choses, ça veut dire: o detergente que acabou, a blusa que preciso lavar, a mochila por arrumar, contas a pagar, menininho que aparece e diz oi, se vi o filme X ou o Y, saudade de fulano, tesão não-correspondido por sicrano etc.

e aí nossa postura diante da vida. tô cheia dessa história de merecimento. minha mãe, a pessoa mais fofa e amorosa que conheço, sempre tão coerente, descobriu câncer no intestino e -- merda -- talvez uma quase-multiplicação no fígado. merecia? não.
então, para mim, não existe essa história de "ah, seja feliz porque você merece". todos merecemos e não merecemos, ao mesmo tempo. isso é o que penso.

ralo entupido.
jogador, árbitro.
transcendência.

e no sono de hoje? o que vai ser? um orgasmo múltiplo?
respiro. respiro nas costelas.
tac, tac, tac.

Um ciclo que se encerra, nova janela que se abre

{esse texto, assinado pela jornalista Maria Fernanda Vomero, foi publicado no último número da Revista das Religiões, da Editora Abril, em junho ou julho de 2005. por algum motivo, o recuperei. achei o teor muito atual para meu estado de espírito-sentimento. deixei-o re-reverberar em mim-me, mimetizar o verbo-rare-deixo-feito. mesmomento-meu.}


Há alguns meses tenho me dedicado a cultivar algumas plantas em casa. Não se trata exatamente de um jardim, mas de um conjunto de vasos de violetas, orquídeas, um lírio-da-paz, entre outras flores. Quem gosta de plantas – e não apenas como arranjos decorativos passageiros – sabe que não basta apenas colocá-las em um ambiente de luz ou à meia-sombra. É preciso regá-las, podá-las, adubá-las, de vez em quando mudá-las de lugar e de vaso e por aí vai. Há também um aprendizado mais especial: saber amá-las mesmo quando estão sem flores, como poucas folhas, no período de recolhimento. Isso nem sempre é fácil, porque muitas vezes tomamos a quantidade de botões como sinal de saúde e da qualidade de nosso cuidado, o que nem sempre é verdade. Na vida, confundimos “conquistas pirotécnicas” (de altos salários ao acúmulo de bens) com empenho e competência. E há mais um ensinamento que as plantas nos dão: muitas vezes, mesmo com nossa dedicação, elas morrem. Às vezes, por não se adaptarem. Em outras tantas, por já terem cumprido seu ciclo de vida.

Quer dizer que o esforço foi em vão? Jamais. Encerrar um ciclo não é, de modo algum, sinônimo de fracasso. Senão, seríamos todos nós, seres humanos, fracassados já logo ao sair da barriga materna. Essa reflexão vale para todos os projetos que desenvolvemos. Um dia, o ciclo acaba, nos despedimos e seguimos adiante, prontos para novas semeaduras, para outros cultivos, para novos desafios.

Minha mãe sempre me disse que temos pelo menos duas opções diante da vida: deixar um rastro de luz ou ser um borrão na História. Para ficar com a primeira, é necessário arriscar, empenhar-se, lidar com começos e fins. Experimentar o mundo, transformá-lo com sua presença. No caso da segunda, basta cruzar os braços, não sair do lugar e ficar espiando a vida da janela. Qual será nossa opção?

Para terminar, despeço-me com um texto-poema do grande Ferreira Gullar: “E a história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogo, nos prostíbulos, nos colégios, nas ruínas, nos namoros de esquina. Disso quis eu fazer a minha poesia, dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz.” Um abraço, amigo leitor.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

(parênteses)

mais um dia de lua cheia e gorducha. uma noite ensolarada, com uma estrela branca bem brilhante e outra amarela, brilhando ainda mais, disfarçando-se de ponta de antena de edifício.

e eu ainda com esse imbróglio aqui no peito. não dói. pesa um pouco. hoje me deu sono, me fez errar os temperos todos de novo, me tirou o paladar, me deixou meio apagada. fico assim. assim-assim. nem feliz nem triste. nem envergonhada nem sem-vergonha. não sei o dia de amanhã, não consigo fazer planos, nem consigo mais fantasiar aquelas historinhas românticas que me ajudavam a liberar os suspiros. olho para o mundo e vejo as coisas do jeito que são. não consigo mais querer que sejam outras coisas, diferentes de sua natureza. são do jeito que são. então, pronto.
e aí cada minuto vivido é uma vitória. é um fato. é um ato. é um minuto vivido. ponto.
o ralo do meu peito entupido. só que não vaza. só fica entupido. estou entupida de mim mesma.

reconheço as emoções/descobertas que me entupiram, mas desentupir não é fácil.
estou na fronteira. se atravessar, não há mais volta. e vou para o desconhecido, um desconhecido de mim mesma. comigo na mochila. mas no desconhecido.

estou me sentindo sozinha. mas não quero colo de ninguém.
o sangue subiu todo para alimentar a região do imbróglio, desceu todo também, então a libido e a razão tiraram férias.
só-sentimento-só-sentimento-só-sentimento.

Quem sou eu, afinal? (eu pensei que um dia iria parar de me perguntar isso.)

O que eu quero?

Por que não transcendo o imbróglio? Qual é a despedida que falta?
Não desenhar a história, contá-la em terceira pessoa; e sim viver a história e vivê-la em primeira pessoa.

De novo, a vida me brinda com uma viagem para longe a fim de eu enxergar o perto. O mais perto de tudo possível: eu mesma. No fim, é o que ando fazendo. Viajo, vou longe, para me achar mais perto, para ficar ainda mais junto de mim.

Se dói algo? Dói. Bem aqui na pontinha do esterno. Essa dor é física.

Às vezes acho que o fim está próximo. Mas talvez os fins sejam sempre iminentes, todos os dias sejam dias de despedidas. Ao menos, de adeus às células mortas durante a noite. E aos cabelos que caem, já inertes, da minha cabeça. Às fibras que dispenso. Às golfadinhas de sentimentos que solto nos suspiros.

Tava mesmo precisando de um amor.
Um amor dos mais fodas. Embriagante.
Nada daqueles construtos que a gente constrói para se encaixar ou encaixar o se.
Nada de satisfação só para a cintura pélvica; a cintura escapular também quer ser agraciada. E deixemos o crânio fora dessa.
Tô tela em branco agora, à deriva, ilha à espera de barco ou barco à espera de ilha?

Antes, quero transcender. Preciso.
Laranja pela manhã, rosa à noitinha.
Remo. Bóio.

Naquele sono, ela levitou.

domingo, 1 de julho de 2007

Fiat Lux

— Acenda a luz antes que seja tarde.
De névoas e escuridão, já estou cansada.
Procuro janelas inspiradas de vistas surpreendentes
para alegrar meu coração.
Esqueça as trevas;
peça para as estrelas brilharem de manhã.
Acenda a vida antes que seja tarde.
Se for preciso, eu tenho um fósforo.

MUNDO DAS SOMBRAS. MUNDO DAS TREVAS

O jornal me faz mal. Muito mal.
(Mas a culpa não é do jornal. É das trevas que assolam o mundo. Que amolam o mundo. Que imundam o mundo. Não as trevas da noite, do breu, do big bang. As trevas da junção de bestas com bestas. As mulas sem-cabeça. Cains e cains pelos confins. Cains de classe média, cains de turbante, cains traficantes, cains crianças miúdas com arma na mão, cains políticos, cains calheiros, cains colloridos, cains donos-de-bomba, cains de gordas contas bancárias, cains em caimã, cains em busha, cains que desfilam moda empinando o peito e encurtando a coluna, ou seja, deixando de ser sapiens, cada vez menos sapiens, cainscaindocains...).

Daí eu digito a data certinha de um dia minúsculo, assim ó:
>> domingo, 1 de julho de 2007

e recolho as facadas:

“No curto período de uma semana, o País viu um garçom ser assassinado em São Paulo por um grupo de oito amigos dispostos a brigar por qualquer motivo, uma empregada doméstica ser atacada no Rio por cinco jovens que imaginavam bater em uma prostituta, uma professora de Suzano apanhar de um estudante que se sentiu rejeitado, um aposentado morrer na Bahia após ser espancado por um homem que furou a fila de um banco. Quatro crimes, uma pergunta: por quê?”
*
“Atiradores matam seis jovens em São Paulo. Só uma das vítimas tinha antecedentes criminais; moradores estranham rapidez da remoção de corpos.”
*
“Nossa sociedade está doente”, diz a professora Nancy Cardia, coordenadora-adjunta do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.
(...)
Jornal: O exemplo de cima influencia?
Nancy: A maior parte dos grupos que deveriam estar dando exemplo de comportamento às crianças e aos jovens apresentam sinais no mínimo ambivalentes do que é aceitável ou inaceitável em nossa sociedade. Quando se liga a TV e se assiste a um noticiário local e nacional, o que é que a gente vê? A expressão dos responsáveis por serem a voz e o rosto do telejornal é de desânimo. Os relatos são de transgressão em cima de transgressão. Estamos já num estágio em que, quando um dirigente nosso se comporta de maneira digna, a gente fica surpreso. Deveria até virar manchete.
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“Deputados são alvo até de processos por homicídio. Dos 513 deputados, 268 são alvo de processos no STF, quatro deles em ações de homicídio. Nenhum caso, porém, é tão grave quanto um que está em fase inicial de investigação pela polícia: Mário de Oliveira (PSC-MG) é suspeito de encomendar a morte de outro deputado, Carlos William (PTC-MG).” >>> PSC é sigla para Partido Social Cristão? Ah. E tem mais: esse tal de Mário de Oliveira está no sexto mandato (!!!!) e é presidente da Igreja do Evangelho Quadrangular. Ah. Isso tudo está no jornal.
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“Intolerância destrói estátuas de deuses afro. Em Brasília, vândalos depredam 16 esculturas de orixás instaladas em praça à beira do Lago Paranoá; artista baiano terá obras recuperadas.”
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“Hezbollah tenta dividir o Líbano. A geografia humana do Líbano está em transformação. Xiitas compram regiões inteiras. Em caso de guerra de secessão, o Hezbollah assumiria o controle sobre parte do país.”
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Náusea de novo. Hoje brotou cogumelo. Meio cogumelo, deformado e opaco, limítrofe. Um cogumelo brotou de minha náusea.
Mesmo que eu não leia jornal, as trevas continuarão persistindo.
Os cains têm se procriado com mais facilidade que os abéis, mas os abéis são só bonzinhos. Precisamos de um novo Jesus Cristo, de uma nova crucificação? Precisamos de um novo dilúvio?
Um novo dilúvio, talvez.
(Não adianta eu tomar banho para me livrar da nojeira do mundo. Ainda mais com esse ralo do box entupido. A água que me limpou se mistura à água limpa e ser humano hoje em dia nos dias de hoje nesse mundo de dia e à noite hoje é isso: andar num espaço tomado por água parada de banhos de gente boa e de gente ruim. Perfume e fedor, espuma e estrume, estrume das bestas-cains.)
Ei, Drummond, me ajuda aqui com um definição?
Taí, então, aprendiz-de-Noé:
"No céu também há uma hora melancólica/
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas/
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta/
e se responde: Não sei." (Tristeza no Céu)

Melhor eu ficar com minha tristeza porque a de Deus deve ser imensa, imensurável.

Um dia na sombra

I.
Dia desses, acordei na sombra.
Não porque eu quis. Simplesmente acordei.
Não sei se foi culpa da sopa de letrinhas ou da transposição de todo o Rio São Francisco da margem cerebral para a margem emocional e, barragens abaixo, a inundação de todo o ser. Não havia dor na sombra. Tampouco calor, porém não fazia frio.
Nada de escuro ou de escuridão. Da sombra eu via o céu e os gases todos da manhã misturando-se à poluição do dia em tons alaranjados que chegavam até a violeta mais tenra que eu tinha por perto. Havemos, sempre, de amanhecer. Mas naquele dia acordei, levantei, mas não amanheci. Fiquei alma perdida na madrugada de mim mesma.
Sob a sombra de mim mesma no mais completo meu de mim.
Acordei na sombra. Não lembro do sonho imediatamente anterior ao despertar. Fiz tudo normalmente: e por tanta normalidade nos gestos todos, nos mecânicos e nos criativos, nos orgânicos e nos alternativos, é que a sombra gritava. Não sentia autocomiseração nem a presença fantasmagórica do certo padrão de qualidade que me apavora vez ou outra. A sombra não era assustadora, sombreava e pronto – especialmente o que sobrava.
Quase uma alfombra.
Com tromba, pois saía som grave intermitente dando-me o pulso do dia, o ritmo da jornada.

II.
Era como se eu fosse bonequinho miúdo saído de filme de ficção científica controlando de um minúsculo quartinho, o quartinho dos botões, o quartinho dos fundos, toda a movimentação de um corpanzil com órgãos, com um tanque imenso de pensamentos e elucubrações, com um oceano aparentemente infinito de emoções gotejantes.
No dia imediatamente anterior, eu era o bonecão. O corpanzil. O tanque, o oceano. Naquele, o bonequinho. Nenhuma satisfação pelo “controle mecânico” daquele aparato todo. Era a função dele: funcione, então. Só.
Mas bonequinho preferiu trabalhar no modo econômico de energia, então o tanque virou tanquinho, o oceano virou oceaninho, o corpo continuou o corpo, mas comedido.

III.
Era um dia de universo de uma escala só. Sete notas, mas uma só escala. Sem dó maior. Sem sol maior. Sem si. Mi. Mim. Era eu quase em ré. Mas andava para frente. Pequeninamente, mas andava.
Dia sem pimentas, sem invenções, sem chamadas não atendidas. Dia nele mesmo e pronto.
Não tinha vontade de sorrir nem de chorar. Estava existindo e isso bastava. Não desgostava nem nada. O arroz ficou sem sal, o purê de mandioquinha ficou salgado, o peixe não assou direito, a salada de folhas feita horas antes se mostrava totalmente assada pelo limão. Não funcionou aplicar a lei das compensações: sem sal com muito sal, quase-assado com ultra-assado. O gosto não era bom, mas comi assim mesmo.
As pessoas me cansavam com sua simples presença. Não me irritavam nem me atiçavam. Me cansavam porque estavam todas muito parecidas, inspirando e expirando o mesmo ar viciado que eu também respirava, todos nós sem esboçar reações perante o não-acontecimento dos acontecimentos daquele dia, todos cheios de nós a desatar, eram nós e nós, e os nós em nós. Eu quase-sentia, porém não sentia de fato. Era só uma acomodação de não sei o quê que vem por aí.
Tinha me dado um branco: ainda é advérbio, não sei por quê pensei de supetão em preposição. Ainda, então. E então?
Algo estava muito remexido.
Algo novo tomando forma dentro e refletindo no diâmetro da cintura, na textura da pele, no olhar, à volta. Sombrinhas dentro da sombra.
Algo fundo acumulado vindo à tona.
O ralo entupiu e molhou todo o banheiro. Não exalava cheiro do ralo, ele era irredutível: a água do banho, a limpa e a usada. Mas eu não estava preparada para andar sobre as águas. Não ainda. Que direi de meu ralo interno.
À sombra, a água limpa e aquela que limpou. Algo deve ter ido embora encanamento afora, não tenho dúvida, suor limpo com suor sujo?
Nesse dia ninguém telefonou. Não houve novas mensagens em minha caixa postal telefônica ou internética.
Na sombra, longe de euforias ou depressões, fantasias ou idealizações, eu apenas observava. Não tomava parte em. Por isso, não senti pena pelo casal que dizia ser do interior e que ficara sem dinheiro para voltar para casa depois de uma consulta médica. Tinha os visto no dia anterior. Não fiz sexo por compaixão nem reconheci algum indício de tesão. Não tinha sangue flamejante no baixo ventre. Não arranjei desculpas para desculpá-lo nem culpas para culpá-lo. Não vislumbrava mais motivos para me ocupar dele. Não dei de ombros, tampouco ofereci meus ombros para carregar o que quer que fosse. Se sentia algo naquele dia, era um dor entre a cervical e a lombar. A cabeça estava um pouco pesada por fora. E o bonequinho começou a pesar por dentro.

IV.

(Silêncio)


V.
Não dá mais para voltar atrás ou voltar para trás. Ou trazer algo de lá. Não há proibições nem nada, nem houve. Fato inexorável. O chamado caminho sem volta.
Duas possibilidades, então: parar aqui, estabelecer acampamento, fechar os olhos para algumas coisas, abri-los para outras, cuidar da horta, criar um jardim, estudar a viabilidade de um pomar, considerar a hipótese de procriar, etc. Ou desentupir o ralo até o fim. Acolher, por ora, a água limpa e a água suja, o suor que sai e o que não sai, a sujeira que fica, a clareza que vem.
Não queria ter de optar por algo naquelas condições. Mas havia ainda um restante de arroz sem sal e de purê salgado, e com algum esforço resolvi, ao menos, encarar o ralo.
Tenho usado panos para secar o chão, não sei ainda quando vou enfrentar o fundão. As dores passaram, nem tive mal-estar. Espirro em alguns momentos e, naturalmente, fui sendo reintegrada à teia humana, reverberando aqui e ali.
Não ando sentindo muito, tenho estado um tanto cansada, cansada e tanto. No momento, dois chumaços de cabelo engaiolados há tanto tempo: a feminilidade e o ser-em-relação-a.
Uso havaianas cor verde-bandeira para andar no banheiro. Sobre as águas. Com toalha rosa-escuro enrolada no corpo ainda um tanto molhado.
Pensei assim: hmm, em nenhum momento precisei usar lâmpada, luz artificial. Achei que aquilo era bom. E o dia era novo, certamente, porque as sapatilhas laranjas esperavam -- hesitantes, mas alegres -- para serem usadas, a salada de vagem estava saborosa e eu acabara de brindar com amigos. Enmimesmei, mas não lá só ré dó mi fá fiquei.

Todo domingo tem pé-de-cachimbo!

Ou eu acabo com essa massa de beijinhos ou esses beijinhos todos acabam comigo.
Enquanto a dúvida persiste,

porque é da natureza da dúvida persistir,
porque é da natureza dos beijinhos serem devorados
porque é de minha natureza ter dúvidas e beijar e devorar

arrisco

>>>>> RAIO-X <<<<<

Meus amores
Meus tumores
Minhas dores
Todas as minhas cores
Espalhadas e mutantes
Em gritantes misturas combinadas
Um borrão no e-mail
Um vermelho vivo na boca
Um tom estranho no telefone
Uma mecha alegre no rosto
E suspiros entre nódulos internos,
De todos os sentimentos dessa gente toda,
E fibromialgias externas,
De todos os dilemas desse mundo imenso

Digo minhas, mas poderiam ser suas
Digo eu, mas poderia ser você
Em sua experiência cotidiana
De desdobrar-se –
ou você não se desdobra?


***

>>>>> DA METAFÍSICA DO SÉCULO 21 <<<<<

Não, não virem a folha
Nem abram o caixão

Talvez vocês não gostem
Do que podem
Do que não querem
Do que vão
Encontrar
Não gastem críticas em vão;
O defunto sabe que está defunto,
Só pediu um pouquinho de ar –
Assim como a página dois mil e seis,
Que perdeu o assunto e queria
Apenas publicamente
Ser livre para divagar

Queria.
Queria e abusou da liberdade.
“Isso tudo é lixo”, clamaram os sapienciais
que entendem e julgam.
“Existe um crivo a ser respeitado,
Uma marca, um limite, um parênteses.”
Arrancaram a folha.
“A consciência está morta, Deus foi morto,
não existem mais experiências”,
anexaram ao caixão, logo após
lacrá-lo.

E assim, naquela tarde de quarta-feira,
Na sala de persianas fechadas e muito papel,
Sem entender exatamente a situação,
Condenaram o que era morto a continuar morto
E o que estava vivo a também morrer.