domingo, 23 de janeiro de 2011

eles eles eles e ela?



Eles tinham o mesmo nome, ela os havia conhecido no mesmo lugar, eles eram algo como bons colegas, eles tinham gostos diferentes, a cor de seus olhos – dos três – era quase a mesma, eles até se pareciam fisicamente, um era mais alto, o outro era mais sorridente, ambos tinham fios prateados nas barbas e nos cabelos castanhos, um preferia a celebração, o outro a melancolia, os dois despertavam nela afetos diversos, fantasias alucinantes, medos-verrugas, suores contidos. Eles, aos poucos, cada um a seu modo, um mais elegante, o outro bem mais desajeitado, ambos um pouco tensos, aprendiam a cumprimentá-la com um abraço, um olhar e reticências em frases curtas, que aparentemente eram definitivas e derradeiras. Ela suspirava por ambos, às vezes mais por um, às vezes mais pelo outro, eles a confundiam, ela os confundia, os três não assimilavam nada mais além de rápidos e sinceros “não sei” ditos sem pensar. Ela e um deles eram improváveis juntos, ela e um deles eram mais que viáveis juntos, mas os três se assustavam com qualquer uma das possibilidades. Eles percorriam esquinas diferentes, mas escolhiam curvas parecidas, faziam passeios na mesma cidade impressionante que pertencia aos três e não havia parido nenhum deles. Ela vinha de longe, mas eles tinham a mesma nacionalidade, ela não sabia se também a mesma natureza, um deles havia confessado sua atração e sua inviabilidade, o outro tinha reafirmado sua rejeição e sua inviabilidade, ela já não sabia se os rejeitava, se os atraía, se os impossibilitava para si mesma, se eles se inventavam obstáculos. Melhor continuar sem saber de nada, melhor apagar esses nomes sinônimos, esses sentimentos por tanto tempo também sinônimos, melhor evitar esses caminhos que se cruzam, melhor pintar os olhos de azul, os sorrisos de cinza, os sentimentos de gelo. Melhor encher o copo de vinho e virar uma vez, ou duas, ou três, ou mais. Talvez, muitos horizontes depois, quando ela estiver num navio largado em algum dos oceanos do imenso planeta e se virar para trás, apenas para ajeitar os cabelos revirados pelo vento, cruze seu olhar com o olhar de um deles, com aquele seguiu as estrelas e deixou os cadarços para trás. Ou talvez o dono daquele olhar não seja nenhum deles, seja um outro, homônimo, com a mesma cor dos olhos, com um pouco de alegria, com um pouco de melancolia, menos tenso, menos precavido, menos impossível. Coincidência, destino, pouco importará. Ela com eles, ela sem eles, no fim das contas ela intuirá que estarão só ela e ele, aquele ele e aquela ela – os verdadeiros eles. E aquele nome tão repetido, tão repetitivo nem fará mais sentido.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

millennium mambo



Puc-puc-puc-puc-puc. Melancolia melódica. Puc-puc-puc-puc-puc. O homem de neve se dissolve com o sol. Puc-puc-puc-puc-puc. A última vez em que a gente fez amor foi triste. Já se passaram dez anos. Eu prometia a mim mesma que o deixaria quando gastasse os 5 mil que tinha no banco.

Nunca tive 5 mil na conta. Mas um dia apareceu o sol, assim casualmente, estava sozinha numa cidade desconhecida – sabia, contudo, que nos meses de inverno havia um festival de cinema, que nos meses de verão as pessoas iam à praia, que os outonos carregavam suspiros distantes, quase diminutos, e as primaveras povoavam as ruas de um certo tipo de sorriso.

Demorou muito para que eu saísse do túnel. Puc-puc-puc-puc-puc. Demorou muito para que eu abandonasse todas aquelas luzes néon, fizesse um chá, diminuísse o vinho, parasse com o cigarro, deixasse de usar secador para os cabelos, não comesse mais açúcar. Demorou muito para que eu deixasse aquele apartamento, que eu não me sentisse sem parte de mim quando estivesse longe dele, que eu aprendesse a abrir a janela e enxergasse outras paisagens. Demorou muito para que eu me desse conta que jamais alcançaria 5 mil na conta – e, por isso, não chegaria nunca a gastá-los.

Demorou muito para que eu usufruísse das batidas melancólicas da minha própria melodia sem recorrer ao ritmo dele. Puc-puc-puc-puc-puc. Tudo isso não inteiramente sozinha, havia sempre os amigos, mas por mim mesma precisava descobrir o trilho soterrado sob os escombros de uma vida que não queria mais.

Há dez anos a existência era urgente, intensa, imensa.
Agora ficou mais curta. Mas mais suave e leve também.
Puc-puc-puc-puc-puc.
Às vezes, a melodia que escuto por aí é melancólica. Até me lembro dele. Os dias de névoa combinam com a melancolia melódica que encontro aqui dentro, quando abro os braços e sinto o vento e deixo os cabelos soltos e solto a voz e saboreio cada minuto.

Puc-puc-puc-puc-puc.
Esses são meus passos, meus passos.
Livremente inspirado nas sensações despertadas por "Millennium Mambo", de Hou Hsiao Hsien).
Um espaço vazio
em meio a tantos
tantos tantos
e tantos cheios


Ausência tarântula:
agressiva, peluda
e feia.
Aquele espaço cercado
dos meus hojes e agoras
das minhas horas
das minhas demoras


Atrasos,
vácuos,
vazios


Um espaço-abismo
nos meus vãos
sempre tão-tãos

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ela ela ela e ele?


Andava, andava e encontrava, encontrava e perdia, se perdia, escorregava e caía, caía, sorvia o dia ensolarado, a luz quente, o vento trêmulo, o corpo ardente, andava, andava e via, via o mar, via as gentes, via seu reflexo nas botas, nos asfaltos, nas folhas úmidas e amassadas das calçadas anfitriãs, tão estrangeiras quanto essas fantasias vorazes que a consumiam. Consumia, consumia e cuspia, cuspia e desejava, desejava e negava, negava a negação alheia, as correias, as deles meias, as suas cheias, regurgitava faceira, disfarçava de todas as maneiras. Ao mesmo tempo, revelava-se, revelava-se e escava, escavava e descobria que quase sempre se sabotava, se sabotava e fugia, fugia e voava, voava e se decepcionava, porque se iludia, iludia e sofria, para depois frequentemente recomeçar. “A vida é assim, isso está passando comigo também, gosto de outro alguém, não gosto de você.” Tampouco gostava dele, só ansiava, ansiava e masturbava-se, no fundo se queria, a si própria completa, intensa, imensa, lançada no oceano de um outro, não aquele. Quase se equivocava de novo, rançoso e velho, velho e carcomido, fingido e substituto. Andava, andava e buscava, sorvia o dia ensolarado, a luz quente, o vento trêmulo, o corpo ardente, as construções imponentes, pequena diante, grande em frente, potente, nas largas avenidas tão cheias de histórias e de curvas e de esquinas e de gente e de reflexos e de convexos e de mundos minúsculos e complexos. Achava, achava-se, amava-se, ausente, presente, consciente, paciente. Seguia. Seguia e continuava, não desistia. Diferente. Ela. Ela. Ela.
E ele?



sexta-feira, 7 de janeiro de 2011