Ela era a mulher da saia rodada e florida, do sorriso no rosto, do belo buquê de gérberas cor de rosa nas mãos em pleno lusco-fusco. Era ela.
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
apóstolo
segunda-feira, 14 de maio de 2012
admirável mundo novo
quarta-feira, 21 de março de 2012
lex complex
Catatônica.
Catastrófica.
Catártica.
Tônica, strófica, ártica. Seria tudo mais simples se simplesmente fechasse a porta e arrancasse a campainha. Placa: cachorro morde tudo, especialmente vozes adultas com inflexão adolescente. Tônica. Placa: não reciclamos masculinidades rotas. Strófica. Placa: dispensamos sentimentos ressecados. Ártica. Por favor, meu bem,
Estive catatônica por toda uma temporada de caça aos bravos, aos fortes, aos viris e aos superlativos. Aos vencedores, as batatas, às perdedoras, pecados não consumados. Não me movia em direção a nenhuma onda sonora, nem abraço ao redor da cintura com direito a beijo no canto da boca. Bah. Beija. Bah. Beija. Brejo.
Vamos todos parar no brejo.
Aquela frase terminou no meio, sim.
Cata. Pega. Chama. Acorda. Tônica. Tranquei-me quando alguém foi buscar um dicionário, uma enciclopédia, uma entrada de verbetes, de desculpas, de explicações, de pontos sem “is” e sumiu. Vou ali comprar cigarros, pegar o dicionário de você. Hã-hã. Fiquei-me complicada, meu bem? Too much information for a desperate soul, darling? Oh, cariño!
Cata. Chama. Cata. Tônica. Despertei-me assim: uma voz adulta com vocabulário adulto e inflexão adulta, fazendo-me perguntas adultas e sem mencionar propostas. As mãos já estavam lá, o que dizer de...
Tônica.
Tônica: deste modo tenho estado, então. E já há algum tempo. (Atônita!)
sábado, 10 de março de 2012
solidão de menino

Pedrinho brincava com conchinhas, enquanto Ana mascava raivosamente um chiclete. O mar era ora suave e gentil (para ele), ora bruto e ruidoso (para ela).
Por que a mamãe não vai voltar?, muco e areia se misturavam no rostinho rosado, olhos grandes e escuros, o cabelo curto em desalinho, os chinelinhos molhados esquecidos lá atrás.
Porque ele não quer.
Que ele, o papai?
O papai também não vai voltar.
Mordeu a língua e sangrou. Cuspiu a goma manchada e respingou lágrimas na camiseta amarela de menina grande, com corpo em mutação. A existência queria fazê-la crescer à força, ela resistia, furiosa e indócil.
O castelinho de conchinhas subia, subia. Fazia fresco naquele meio de tarde, meio de semana, meio de vida, meio do nada: interrupção, elo perdido, página em branco no meio das folhas de um livro de letras miúdas, incompreensíveis. Dois perdidos numa tarde suja.
A mamãe foi para o mesmo lugar onde está o papai?
Não.
Ninguém escolhe a hora de crescer: a gente simplesmente cresce. Chega o dia em que, subitamente, a inocência se esvai. Assim, sem mais. Ontem, o mar era infinito e a areia, macia. Os minutos passavam indiferentes, e os problemas se resumiam ao gosto da sopa ou a hora de dormir. Hoje, o mar termina ali, a areia incomoda os pés e os olhos, tudo urge e os ombros doem de tanta responsabilidade.
Mas onde está a mamãe?
Com Deus.
Agora havia um segundo castelinho de conchinhas e uma frágil ponte de palitos de sorvete unindo os dois edifícios. O mar parecia avançar, a tarde parecia avançar, o tempo parecia ter abocanhado um bocado de vida. Da vida de ambos.
Quem é Deus?
Deus é o criador do universo, o senhor de todas as coisas, o chefe dos seres vivos e não vivos, quem apaga e acende a luz do mundo.
Ele é mau?
Sei lá, Pedrinho.
Acho que ele é mau, porque não deixa a mamãe voltar.
O garotinho, naquele instante, envelheceu um milênio. Olhou absorto para os desenhos que as ondas formaram na beirada da areia. Apertou os olhos para definir melhor os contornos das águas.
É. Ela não vai voltar.
Outro chiclete na boca, os dentes quase trincando de desespero, lágrimas inundando a camiseta amarela de menina grande, consciente de que já é grande. Era imensa. Maior que aquele oceano ali na frente. Pedrinho destruiu o segundo castelo de conchinhas. Quebrou os palitos de sorvete ao meio. Franzia a testa.
O papai está onde?
Papai. Palavra brega para ouvidos adolescentes. O cheiro de gelatina que vinha da cozinha. E agora, Aninha? De que sabor é? Aninha, que cabia no abraço daquele homem sorridente e descabelado, com camisas quadriculadas e bermudas de listas. Morango? Ai, papai, não sei. Acho que é de gelatina amarela. Qual fruta, Aninha? Maracujá! Um abraço. Pipoca com pimenta. Chega de pimenta, Aninha. Mas o papai pôs pimenta também, eu quero igual! Canta de novo, papai, canta de novo! Paquepaquepaquetá, pucopucopucolá!
Na puta que o pariu.
Que é puta?
Para de fazer pergunta.
Ela cuspiu o chiclete, ele chutou o castelo de conchinhas remanescente. Um silêncio solene de mais de um minuto. Nem piu, nem paz. E, então, o mar estalou: chuá. E ambos choraram alto. Ela furiosamente, ele convulsivamente. Tarde vermelha, estômago revirado, lembranças aos borbotões. Ah, solidão. A solidão experimentada às seis da tarde, aos cinco anos de idade, aos treze anos de idade, à beira-mar. Na ponta do precipício: isso, para vocês, é viver.
Por que ele foi embora?
Porque ele é um idiota.
Mas ele está com Deus também?
Não. Ele está na merda.
Fala a verdade! Onde está o papai?
Ele foi embora, Pedrinho. Ele não quis saber da gente. Nem de mim, de você, nem da mamãe. Esquece ele, caramba.
Os bracinhos ao longo do corpo, os pezinhos descalços e úmidos, o peito úmido, os olhos grandes e escuros e vermelhos e transbordantes, o desespero nuns quantos metros de altura, desolação, a boquinha aberta cheia de gritos doídos. As pernas ainda indecisas se de criança ou de adulta, a camiseta amarela de menina grande que não conseguia esconder os seios nascentes, o short molhado de mar e de sangue, um sangue intrometido que não tinha que estar ali naquele momento, naquele dia, naquela pessoa, naquele pedaço de universo.
Você está machucada.
Anos-luz. Algum professor tinha falado em anos-luz. A sabedoria em anos-luz.
Pois é. Estou machucada, sim.
Pedrinho foi até Ana e lhe estendeu os bracinhos. A irmã o acolheu num abraço terno e soluçante. Assim ficaram, até despontar a primeira estrela no céu.
Seu machucado dói?
Um pouquinho.
Tá ficando escuro.
A gente ficou sozinho, então?
Ficamos. Mas eu estarei sempre com você e você estará sempre comigo.
Eu sei, mas Deus não vai deixar a mamãe voltar.
Não.
Como é o nome disso?
Disso o quê?
Que a gente sente.
Agora, se fosse possível, queria aumentar o barulho do mar. Escuridão, abismo, sótão, nadez? As conchinhas dos castelos destruídos fazem crec, crec. Anoitece.
Solidão, Pedrinho. Isso se chama solidão.
quarta-feira, 7 de março de 2012
você e ela

Quando ela entrou no cinema, um ar entre distraído e melancólico, você foi logo pensando: essa é só para comer. Olhou a regata justa, avaliou os seios interessantes, a cintura que denunciava alguma gordurinha localizada, observou a saia que escondia o quadril nem grande nem estreito. Não gostei dessas pernas, você foi taxativo. Não gostei desse cabelo, você acrescentou. Ela estava na fila para comprar a entrada, mas você já concluía que seria impossível para ela gostar de algum daqueles filmes em cartaz. Muito arrogante para o filme italiano, provavelmente ignorante para o francês; despistada demais para o indie estadunidense, ingênua para o chinês. E certamente orgulhosa para o brasileiro, com sua protagonista linda, que a mataria de inveja. Tudo isso você pensou, ali, sentado no café, à espera da abertura da sala. Quando ela se aproximou da vitrine dos livros, igualmente à espera, você logo vaticinou: vai buscar um Paulo Coelho, vai dar com os burros n’água. Ou vai fazer o tipo que lê, folheando um Paul Auster ou um Stéphane Hessel. Saiu dali com um livro de Wislawa Szymborska e um molesquine, e você logo imaginou: presente para algum idiota que ela queira seduzir.
Ela se dirigiu para a mesma sala que você – a do filme francês – e você estranhou o fato de ela não ter comprado um saco de pipoca e uma latinha de refrigerante. Deve ser do tipo que faz ruído quando impera o silêncio, era o que você tinha intuído, mas deixará o celular ligado para que o alarme de nova mensagem soe no meio do longa-metragem. Nada soou. Você achou que ela fosse escolher uma das fileiras do alto e, insolente, estender os pés sobre a poltrona da frente, mas ela sentou muito alinhada, próxima à tela e mais à esquerda. Talvez ela saia no meio do filme – ou para ir ao banheiro, ou porque não está entendendo nada –, você disse a si mesmo, porém isso não aconteceu. Ela ficou ali, até o último crédito, enxugando alguma lágrima perdida (como você) e escutando a canção até o fim (como você), talvez se lembrando de alguma história recente, de desencontro ou ruptura, ou de outros filmes franceses vistos ao lado de um antigo amor (como você).
Quando ela se sentou no café, você se indignou: ela deve ser uma adicta à cafeína. E, embora não tivesse vontade de beber nada, sentou-se também, quase escondido na mesinha do canto. Esperou que ela bebesse coca-cola, ou um capuccino, ou espresso com chantilly, que comesse um petit gateau ou algo muito doce, a fim de comprovar sua teoria de que era uma mulher bastante previsível, mas ela pediu apenas um suco de maracujá. (E você, uma água com gás.) Não gostei desses lábios, você voltou ao ataque, muito observador. Nem de seu pescoço. Você fantasiou como seria fazer amor com essa mulher e sentiu-se mareado: deve ser frígida, ou mal-cheirosa, ou disforme, concluiu. Ficou intrigado com o olhar perdido e triste dela e com o fato de ela folhear assim, despretensiosamente, o livro de Szymborska. Não deve estar entendendo nada dos versos, considerou você, nem da vida. Você a achava cada vez mais feia e mais asquerosa, porém entre pernas algo intumescia. Você a imaginava abominável e cruel, contudo seu coração acelerava cada vez mais. Essa mulher deve detestar abraços, você soluçou.
Quando ela se levantou para pagar, você estava seguro: pedante, ela vai usar o cartão de crédito. Mas ela estendeu uma cédula de pequeno valor, e você engoliu seco o argumento seguinte, ainda em elaboração. Ela deve ter uma voz estridente, um sotaque enjoativo, os dentes amarelos e mau hálito, você tinha certeza. E, para comprovar sua indomável opinião, aproximou-se. Ela fingirá não me conhecer, ela se ofenderá com a minha abordagem, ela vai virar as costas e sair correndo, tudo isso – e em fração de segundos – você pensou. Mas ela pareceu surpreender-se com sua presença ali, de carne e osso, na frente dela, e, com um sorriso tímido e uma voz adorável, os olhos baixos, as mãos suadas, perguntou como você estava. Você não sabia o que dizer. Você não disse nada. A garganta estava seca, você todo tremia, a respiração ofegante. Você pediu um abraço, ela assustada abriu os braços, você suportou apenas uns quantos segundos até desvencilhar-se e sair correndo.
Foi a segunda vez em que você saiu correndo diante daquela mulher.
A anterior, você queria borrar de suas lembranças, mas não conseguia. Foi no dia seguinte a uma noite mágica, depois de ter saído com ela, conversado com ela, se descoberto encantado por ela e dormido com ela. Envergonhado de si mesmo, inseguro quanto ao que ela poderia achar de um cara como você, você saiu correndo. Desapareceu. Não ligou, não escreveu, não deu notícias. Tentava, escondido e calado, saber mais dela por meio das redes sociais – mas a amizade virtual entre ambos foi desfeita algumas semanas mais tarde. Você sabia que ela gostava daquele cinema; dos diretores daqueles filmes – fora ela quem lhe apresentara o cineasta francês, por exemplo; você sabia que ela gostava muito de você. E, ainda assim, você saiu correndo pela segunda vez.
segunda-feira, 5 de março de 2012
alto
Y, porque quiso soñar, voló lo más alto que pudo. Y, porque voló alto, no pudo más volver. En aquella mañana, muy temprano, logró alcanzar la ventanilla más alta de la torre medieval; su naturaleza de pájaro ocultaba su esencia casi humana: sí – confiaba – había algo allá a su espera; sí – el pequeño corazoncito pulsaba – había algo allá que buscaba. No se sabe cuanto tiempo tardó hasta que se diera cuenta de la trampa: la ventanilla se estrechaba hacia adentro, impidiendo la salida. Tampoco se sabe si el hermoso pájaro se desesperó. Si cantó la música más dulce que conocía, si murió de sed, de hambre o de saudade. Si en algún momento tuvo la certeza de que por fin volaría hacia la eternidad. A veces, alguien visita la habitación secreta de la torre; observa el piano roto y cubierto por una capa de polvo, las dos o tres sillas cojas de una o dos piernas, trozos de un papel amarillo casi deshecho y ya pegado al suelo. Allá, al costado, dónde llegan los rayos del sol, están los restos del pájaro – pero él ya no está, seguramente no. Y, porque quiso soñar, voló lo más alto que pudo. Y, porque voló alto, no pudo más volver. Y, porque no pudo más volver, ha empezado a soñar.
domingo, 4 de março de 2012
di (gress-gest) ões

Viajo porque te amo, volto porque preciso. Não sei se te amo. Tu não estiveste sempre onde dizias estar. Mas viajei. Viajei e te encontrei, encontrei quem dizias que eras, mas não sei se de fato te reconhecias em quem ali estavas. Voltei por precisão. Não sei se precisava voltar. Me sentia frágil por ti. Te sentia frágil por mim. Nem sempre gosto do retorno: quando viajo, quando volto. Nem sempre gosto do amor: por ti ou por mim. Te amo porque viajo, preciso de ti porque volto. Quando estou fora, te vejo mais próximo. Quando chego de volta, te quero porque estás distante. Mas não sei quem és quando não estás em quem dizes ser. Tampouco reconheço o lugar ao qual retorno, sempre muda, tudo muda, especialmente eu. Mas tu também. Viajo porque preciso, volto porque te amo: que difícil confissão, mas confesso. Uso todas as letras, abuso das palavras, te digo a ti e te repito. Os porquês são complicados e confusos; não preciso, quero. Não sei se viajo, me movo. Te amo assim, mas talvez só pudesse gostar de ti. Preciso porque te amo, volto porque viajo. Deste modo é mais claro e mais fácil, só não sei se mais verdadeiro. Voltei a te amar, preciso viajar. Preciso te amar, voltei a viajar. Descompassos. Já sabes: existes tu, existo eu. Quem sabe, então. Até que enfim.
sábado, 3 de março de 2012
distopia
um tijolinho,
dois tijolinhos...
não acendeu a vela quando o barco virou no mar, não acendeu seu próprio corpo quando parecia murchar, não acendeu os sonhos quando o colar de contas espalhou-se pela ruela.
uma pérola,
duas pérolas...
não acendeu a voz quando foi calada, não acendeu os joelhos quando equilibrava fardos, não acendeu o amor quando lhe ofereceram rancor.
disque outra vez, esse número não existe, mas use os mesmos algarismos.
não se acendeu quando não foi olhada.
não se acendeu quando foi esquecida num banco de concreto numa cidade às moscas, trocada por uma imagem de álbum de figurinhas sob a turgidez de certezas inócuas.
cuidado: frágil.
não acendeu suspiros quando o ar se tornou espesso, não acendeu maçãs quando teve fome, não acendeu lágrimas quando pecou.
por volta das quatro da manhã, a chuva explodiu quente e ríspida sobre os incautos perdidos deslocados maravilhados estúpidos bêbados e românticos. pés afogados, amizades imberbes atropeladas na faixa de pedestres por uma humanidade muito machucada.
não acendeu a mulher. não acendeu o homem.
e aquele palco ficou em branco, passou em branco, sem cortinas e sem história.
ridiculamente aceso.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Gaze

He laughed.
— Sorry. You’re saying…
Hands, arms, lips, eyes: her sources of continuous messages. Everything so intense, for sure. Everything so confused. She was that kind of superlative girl.
— Never mind.
She’d already drunk three or four glasses of wine. He kept strongly his receipt: one bottle of water for every dose of alcohol. This was his way to keep his sobriety. Oh, his sobriety… Who cares about being sober? His inner universe was already a constant post-tsunami world, full of hurricanes of sensations and very fast brainstormings. But he never got lost in himself: it was amazing how he was able to manage the clues from himself even without thinking so much about, just listening to that whispered music that came from his soul. By the way, he carried a certain old-fashioned purity conjugated with an accurate feeling for capturing others’ pieces of soul. Emotional intelligence, right?
— For God’s sake!
— What?
— You don’t pay attention to me, do you?
— Sorry. You’re saying…
Her lips were very red at that moment. They seemed to shine – and this, besides distracting him, started to disturb him. He couldn't understand properly what she was saying, the real subjects of that bizarre conversation. He was surrounded by noise while she was just gleaming: from her lips to her eyes. Even the (fifth?) glass on your hands shined.
— Never mind.
— Please, repeat…
She looked at him with tenderness, not sure if she should keep talking and talking, inventing keys to try to get into his world. More than catching his attention, she seemed to be interested in touching his heart somehow. A mere caprice? No, she didn’t feel like that, but recognized that could be almost impossible. An ocean. A decade. Bottles of water and wine. Words. Idioms. Phrasal verbs and jokes. A table. Friends, friends, many people. All of that had become into a huge wall between them. Actually she started to feel tired. Emotional tiredness?
— Sorry.
— ?
— It’s time for me to go.
— Because of something I said?
(He meant: “something I didn’t say”).
— Perhaps because of something I did.
(She meant: “something I didn’t do”).
It’ll take time for both to understand what was going on over there more than that simple wordplay. Maybe it’ll be late when they realize that, maybe it won’t. Anyway, both remember how they gazed at each other that night. And how it was magic.
domingo, 13 de novembro de 2011
continuous
Maybe.
Maybe I should have tried once more.
Maybe.
Maybe tonight would be not so cold, no so tough.
Maybe.
Maybe I could have found a bottle with a message:
“Maybe.”
Then everything would have been simpler and clearer.
Then I would have felt sure and safe.
Then tonight would have been an evening of glasses of wine, smiles and bodies.
But all of that wouldn’t have been my life.
It would have been yours. Others’. Someone else’s.
Me, I am on the verge. About to.
No “more maybes” at all, sorry for that.
I keep going and going on: present continuous. Continuous.
sou

Sim, sou aquela com quem você passeou de mãos dadas na madrugada fresca e risonha de agosto. Aquela com quem você não. Aquela que você não. Aquela que não. Enquanto eu sim. Algo, de algum modo (e eu ainda suspiro), sim.
Sou aquela que lhe convidou para um café ou um vinho se você não estivesse tão entretido com cafés e vinhos. Aquela cujo apelido você nem lembra; apenas olha os nomes na agenda e escolhe o primeiro. Meu primeiro nome. O nome com o qual não me apresentei a você. Oh, não: sou aquela, mas não sou esta a quem você busca. Não esse primeiro nome. Um nome oco.
Fui quem lhe. Quem se. Fui quando e onde e continuo a ir porque. Se você me deixasse terminar as frases, sem me aprisionar em pontos suspensivos que jamais se retêm, até poderia tornar-me alguém que. Mas sem, como?
Sou aquela que você desejou enquanto via um filme do Lars Von Trier. Aquela que você desnudou enquanto escutava Leonard Cohen. A que penetrou enquanto lia Roberto Bolaño. Aquela que, enjoado e confuso, cuspiu fora numa tarde qualquer de uma data irrelevante sem nem prestar atenção se a janela estava aberta ou se a umidade relativa do ar era maior ou menor que sua covardia.
Sim, sou aquela que agora lhe observa em silêncio e com algo de pena. Aquela que lhe diria: há um resto de molho no canto de seu lábio, um resto de muco no canto de seu nariz, um resto de lágrima nos seus olhos já nada sublimes. Prefiro, no entanto, mordiscar umas bolachinhas enquanto quase rapto a paisagem que velozmente se dissolve.
Salto:
aquela, não, sou eu.
— feliz ano-novo.
sábado, 6 de agosto de 2011
corpaço, compasso
Agora, existe à revelia do que penso, do que quero, até do que sinto. Autônomo, reage inclemente às vibrações alheias. Intumesce, reverbera. Reconhece umidades, cheiros e vontades segundas – equivocando-se às vezes, gozando outras tantas. Meu corpo não partilha todos os seus amigos comigo; há momentos em que me assusto quando me dou conta de que há alguém a meu lado, me olhando simplesmente, numa tentativa quase sempre infrutífera de apreender minha alma por meio de meus poros. Porque nem sempre estamos de acordo, eu e meu corpo, sobre quem realmente temos de deixar entrar.
Meu corpo começa a aprender quando diminuir o compasso e aumentar a escuta. Nessas horas, a alma se aninha, a razão se aproxima, e me sinto inteira e presente.
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Paredes verdes
Manchava conscientemente aquelas paredes verdes com o ardor de uma fanática buscando o instante máximo, o orgasmo anímico, a resposta para as inquietudes filosóficas que vieram à tona com a rosa dos ventos, dos tempos, dos inventos.
Quantas, quantas, quanto, quanto, só de exclamar eu já me cansava afetivamente.
Pausa: ele me liga, histérico, descrevendo a atormentada noite de ontem, os vizinhos bêbados, a ex-mulher rançosa, o torpor familiar, a desalinhada entrevista de emprego. Histérico justifica-se pela negativa que não chega a me dar. Porque eu não digo nada, apenas comento: as paredes já não estão verdes. E ele: falo com você depois.
Havia fome, havia desejo, havia raiva, havia ainda os ecos daquela ausência inclementemente vivida em todos os recôncavos desse corpo que não para de me pertencer mais, mais, mais e mais. Havia haver, havia minha existência explodindo ansiosa e febril por meio das pinceladas sujas e puras daquele grito silencioso e inconcluso nas paredes verdes.
Para que, para que, para quando, para quando, só de exclamar eu já me respondia.
Pausa: um tomate rola abrupto de uma prateleira da geladeira e, fascinado com a gravidade, lança-se ao chão. Por um momento, esqueço as paredes, as sedes, as redes de salvação, e admiro aquele vermelho insólito e intacto me olhando, espantado, desde os baixos do móvel da cozinha. Se esse vermelho me amasse, minhas feridas não necessitariam desinfetante.
Ainda sinto a presença de todos os fantasmas nas esquinas e nos bancos dessa cidade, prestes a saírem por alguma porta e pedirem uma cerveja justamente naquele bar a que vou. Ainda sinto a presença de minha morte doída e oculta, pública e íntima na mesma medida, uma espécie de expiação e crucificação. Ainda dilacero o esquecimento ligeiro deles, seu desdém, sua leveza superficial e banal, e os lanço com saliva e tinta nas paredes verdes, pincelando, pincelando, pincelando até que os poros de concreto sangrem. Sangrem lembranças, sangrem perdões, sangrem ranhuras.
Pausa: o cheiro me enlouquece, eu cheiro tudo, a tinta, meu ranço, minha saudade, minhas esperanças, as parcas explicações que passaram por baixo da porta, o cheiro do almoço do vizinho, o cheiro da roupa lavada da vizinha, o cheiro da histeria telefônica dele, o cheiro do egoísmo torpe do outro ele, o cheiro da merda alheia, o cheiro do perfume alheio. Eu cheiro minha fé, minha tão pequena e grande fé, cheiro minha humanidade, cheiro o sangue que escorre de minhas gengivas e também o que limpa meu útero, cheiro o clamor que brota de minhas entranhas e de minhas intimidades, cheiro meu medo e minha coragem.
Cheiro o verde dessas paredes, cheiro o branco que as invade, sinto enjoo, sinto vontade de chorar todas as chuvas dessa parte do mundo, sinto amor, muito amor.
Que aqui se registre que meus sentidos estão em pleno funcionamento.
E que esse verde agora sujo das paredes, esse verde imperfeito, arranhado de branco e de dúvidas, esse verde feito humano, mulher e brasileiro, esse verde agora deixa essas paredes e vem habitar o vácuo, preenchendo a solidão que habita meu ser e faz brotar cravos onde deviam nascer sorrisos.
Que aqui se registre esse dia de verão em que o verde corrompido daquelas paredes verdes se transformou em mim mesma. No dia em que.
Era já noite e liguei o ventilador para me perdoar de meus pecados e secar meus molhados, encharcados, entupidos à luz das estrelas e da paz.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
é assim que a gente existe
Uma lembrança empoeirada: aquele senhor que vendia camisetas na frente da Plaza de Toros, em Madri. Segundo ele, antigamente os homens, marinheiros, tinham uma mulher em cada porto. Hoje a situação se inverteu; são as mulheres, voadoras, que têm um homem em cada aeroporto. Que oráculo esse senhor da Plaza de Toros! E ela nem lhe comprou uma camiseta. Ela não havia entendido o prenúncio. Ou se tratava de um anúncio?
Aumentou o volume do aparelho de som, que tocava o CD mais romântico que ela tinha por ali. A ansiedade havia diminuído. Solução mágica essa – escrever. Escrever para ninguém ler, nem ela mesma naquele momento. O personagem Forrest Gump havia conquistado um Oscar por correr, correr e correr. Atravessar os Estados Unidos correndo. Ela escrevia, escrevia e escrevia para se percorrer. Ganharia, talvez, o capuccino gelado pelo qual salivava. Isso, menina bonita, bom trabalho. Sobreviveu a mais uma prova da existência. Ultrapassou os limites da realidade nua e crua para o sonho nu e cru. Que é quase uma realidade agora. O volume quase chegava ao máximo. O vento sumira. O tempo passava, incoerente. Como o tempo passa se eu não me movo? Quando se deu conta disso, há anos, de que o tempo passava independentemente de qualquer imobilidade, de que o tempo era o único a ter o privilégio de jamais ser imobilizado, desiludiu-se. Quer dizer que a sociedade capitalista disse, ao menos, uma verdade para a gente? Que tempo vale ouro, que tempo é dinheiro, que a gente precisa produzir senão perde tempo, que perda de tempo é suspirar ou não trabalhar, que inútil é quem não aproveita o tempo, que o tempo voa. Bem, as mulheres também voam, falou o senhorzinho da Plaza de Toros.
E ela embarcou no vento, sem achar nada.
terça-feira, 12 de julho de 2011
micro trend: maybe this is 'something'
llama
quarta-feira, 1 de junho de 2011
intermitente
La pequeña grande destrucción de que he participado quizás no haya durado más que una hora. Ataques vehementes de un lado hacia otro, disparos agudos y precisos. Una bomba cargada de distopia. El anuncio de la guerra ya había sido dado días antes; los dos lados sabían que todo iba terminar en sangre, pero era difícil creer cuando el cielo estaba todavía azul, sin nubes, y el aire dispersaba cariño. Habían sido semanas de una delicada tesitura de compañerismo y confianza. Pero el mensaje vino de nuevo, corto y mordaz. Me parecía todo en tono de broma, intenté un desastroso acuerdo de paz, no puse mucha confianza de que el fin estaba al costado y expuse mi corazón. Empezaba a aprender, por fin, a deletrear: a-m... Me equivoqué; soy una pésima estratega de guerra. Pésima.
Todavía me encuentro aturdida. Miro alrededor y solo veo huecos, pensamientos quemados, fragmentos sucios de abrazos partidos, huellas inconclusas. Ole feo, siento sed, escucho la tierra ardiendo por dentro, con un dolor por ahora insoportable. Tal vez no sea posible plantar en los próximos tiempos, tampoco se pondrá una carpa, una hamaca, un huerto.
Tiempos antes, uno de eses viejos combatientes de otras épocas había pasado por aquí hablando de la necesidad de una ‘voluntad de hierro’: en contra la desolación, mi reina, que no te pierdas a tú misma. ¡Ánimos!
Soy una víctima-villana de guerra: una herida inmensa, manos sin uñas, pies despellejados, sentimientos destrozados, cara desfigurada. Busco ahora justamente esa chispa que me hará ver que la vida es seguramente más testaruda que nuestros miedos y vanidades.
Voluntad de hierro, mi reina. De hierro!
domingo, 15 de maio de 2011
Señal de los tiempos
Caminábamos consecuentes y cuidadosos, limpios y decentes. Casi no mojábamos nuestros zapatos en la resaca de las esquinas. No ofendíamos el léxico ni el manual de buenas costumbres. No provocábamos la gente que salía del metro o que aguardaba, con algún enfado, a su autobús. Sin embargo, no esperábamos que el semáforo se volviera verde a nosotros; pero tampoco avanzábamos límites. Estaba muy claro: yo termino aquí, tú empiezas ahí, no nos confundamos.
Era noche y caminábamos.
Yo buscaba alguna obscenidad, alguna pequeña tragedia oculta en la noche amena, alguna herida aún abierta. Pero era todo de una ligereza tan grande, tan fresca, tan deshumana que me aturdía. Las calles extrañas olían a una superficialidad premeditada y artificial, las vitrinas de las tiendas, las ventanas de los restaurantes, la gente en ropa de sábado, los coches en alta velocidad: todo parecía reflejar el esqueleto de una alegría que ya no estaba.
Parecíamos contentos.
Caminábamos por rutas ya agotadas de tantos recorridos. Rutas sin novedades. Rutas dibujadas de antemano. Y él me hablaba aburrido: ¿que es viajar sino recorrer rutas que ya están hechas?
Caminábamos porque todavía no era hora. No era hora de coger el tren, no era hora de despedirnos, no era hora de alimentar la joven y testaruda amistad que insistía en mantenernos ahí, andando lado a lado.
Pues lo que me hacen los viajes, yo decía en silencio, entrelíneas y con los ojos desprotegidos, es la descubierta misma de un pasaje que nadie ve y que te conduce a un camino salvaje y desvergonzado. Es la descubierta misma de un paisaje que te desorienta, te disturba, te saca de las líneas tan precisas de tus cuadernos de notas. [Él no me escuchaba, era noche, caminábamos, todavía no era hora de coger el tren]. Los viajes verdaderos, yo masticaba como si fuera una zanahoria infinita, nhac, nhac, nhac, te transforman en otro tú. Tienes, a cada viaje verdadero, que botar fuera los espejos y los calcetines que usabas inmediatamente antes. Viajar de verdad no es evitar las rutas que otros ya hicieron, sino evitar nuestras propias rutas, aquellas que ya conocemos hasta de ojos cerrados y bostezos al acaso.
Pero él no me escuchaba.
Era noche, se hizo tarde, llegó la hora del tren y, para captar algo de alma en aquella noche tan cálida y tan ausente de su naturaleza de noche, para captar algo de su alma, le cogí la mano y le di un beso.
Las calles seguían raras y mojadas. Las sombras ocultas por las luces de los edificios me miraron con fastidio y desconfianza. ¿Qué haces? Él me dio las espaldas. Yo había perdido algunos gramas de cariño: ‘todo lo que es sólido se deshace en el aire’.
La plaza era bonita por la noche y sonaba a película.
Busqué una ruta conocida. No había. Busqué una ruta dibujada. No sabía.
Fue entonces, en aquel momento, que ha empezado mi verdadera aventura. Era noche, ahí estaba. Caminando. Con la alegría espontánea de aquellos que saben que un día, en un minuto o en mil años, llegarán al mar.
sábado, 12 de março de 2011
each other
(First scene: Exit of Metro Verdaguer towards Passeig Sant Joan. Sunday afternoon. He reads a book sitting on a garden seat.)
— Excuse me, is it you?
— Sorry?
— Is it you?
— No, definitely I am not. I’m not waiting for someone.
(…)
(Second scene: still at Passeig Sant Joan. Sunday afternoon. She’s sitting next to him on another garden seat. He keeps reading, she writes on a small moleskine).
— Sorry, are you waiting for someone?
— Yes, I am.
— Is he or she coming?
— It’s 'he'.
— Is he coming?
— I don’t know… Actually I thought he was already here.
(…)
(Third scene: Sunday evening. They are still sitting one next to the other one.)
— Listen…
— Yes?
— Let me introduce myself: Pablo.
(She smiles.)
— Hi, Pablo. Nice to meet you. I am Fernanda.
— Portuguese?
— Brazilian. You...?
― I’m from here, I’m Catalan.
They start to chat. They talk about so many things… They find coincidences in their way of thinking, they got excited about their differences, they decide to walk around and share a bottle of wine.
(Fourth scene: another Sunday afternoon. They are sitting together at the same seat at Passeig Sant Joan.)
— For you.
(Silence. Birds are heard nearby).
— So… it was me.
— Yes, but we figure it out just now.
(He smiles.)
— Yes, now we know it.
Then they kiss each other.
They kiss again.
They continue kissing each other.
They remain there, they don’t run away, they don't.
Whatever it is the “great end” of this short story, it doesn't matter. In fact they were especially happy at that moment – and it’s all about that.
It's all about that. Definetely.
sábado, 5 de março de 2011
TARÔ

O decote é apenas um convite.
O homem não é apenas etéreo: ele tem uma ereção.
Os lábios. Os lábios dela estão vermelhos, tintos, veementes.
As mãos. Dele. As pernas. Dela.
Ventanias nos ventres.
Vozes, gritos, sussurros, músicas.
A mistura ferve, ferve, ferve. Borbulha, borbulha, borbulha.
Algo se passa ali: algo cai no caldeirão. Não se sabe se é suor, se é gozo, se é saliva. De um deles, de ambos.
Aquele dia você me viu de vermelho e intuiu de onde venho, de que sou feita. Aquele dia lhe ocorreu a imagem do encontro da bruxa com o Homem. Aquele dia você riu, um tanto bêbado, um tanto pícaro – indecente, eu diria. Ah, o amor? E gargalhou. Eu vestia vermelho e me alimentava de vinho. Vinho e açúcar, açúcar e espinhos.
Pois é, há aí algo relacionado com amor. Ou com as paixões, o desejo. Tudo ficou evidente naquele dia... Naquele!
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Ressurreição
"... porque se seu mundo não fosse humano ela seria um bicho." (Clarice Lispector)
O dia em que você viu meus excrementos quase chorei. Corri para dentro do sótão de mim mesma e lá fiquei por horas, evitando comer, evitando abrir as janelas, evitando dissolver-me. Tentei purificar-me desesperadamente, sorvendo os tímidos e aquosos raios lunares que teimavam em invadir minha momentânea escuridão. Os dias seguintes foram densos de vergonhas e suores. Cavei caminhos subterrâneos apertados para me movimentar pela vida e evitar olhar nos meus próprios olhos e nos olhos alheios. Dormi mal, não suportei sentir os ruídos que vinham de minhas entranhas. Pois, diante de você, expus espontaneamente minhas mais íntimas fragilidades, restos daquilo que fui e não consegui digerir apropriadamente. Evacuei discursos, gritos, galhos, gomas, temores e sofrimentos perdidos, passados, confundidos, apodrecidos. Você viu meu avesso – e o avesso de meu avesso: meu recomeço. Se minha nudez havia deixado de ser pudica há muito tempo – as ranhuras do desejo que tiram os poros do lugar, você me dizia –, eu deixei de ser pura no momento em que excretei. Pequei e confessei, ainda que tenha me custado reconhecer minha sujeira, minha humanidade pastosa, os joelhos escuros, as unhas manchadas. Se houvesse vomitado, se houvesse regurgitado... teria sido mais higiênico e aceitável, mas não verdadeiro e inteiro. Chorei de verdade quando me senti no deserto, sedenta e faminta, em jejum completo, lambendo a areia das pedras, mendigando minha própria saliva e dor, sozinha e desamparada. Fugida das constatações de mim mesma, de minha imagem refletida em vidros, lagos e vidas. Mas o desamparo foi passageiro, porque você não foi uma miragem: a firmeza e doçura de suas palavras me abraçaram longa e ternamente por minutos plenos de planos. Vem, você falou, vem para a varanda. Vem, você repetiu, acolhe seu adubo, meu adubo, nossas fraquezas e as raízes de nossa perseverança. Fui broto abrindo os braços dentro da semente de casca fina naquele instante: toquei os grãos de terra, toquei a seiva do amor. Ressuscitei gente.
Hoje produzo leite, leite e fervor, fervor e calor. Nutro os frutos nossos – sem mais receios de excretar o que é excesso, quando é preciso.