domingo, 1 de julho de 2007

MUNDO DAS SOMBRAS. MUNDO DAS TREVAS

O jornal me faz mal. Muito mal.
(Mas a culpa não é do jornal. É das trevas que assolam o mundo. Que amolam o mundo. Que imundam o mundo. Não as trevas da noite, do breu, do big bang. As trevas da junção de bestas com bestas. As mulas sem-cabeça. Cains e cains pelos confins. Cains de classe média, cains de turbante, cains traficantes, cains crianças miúdas com arma na mão, cains políticos, cains calheiros, cains colloridos, cains donos-de-bomba, cains de gordas contas bancárias, cains em caimã, cains em busha, cains que desfilam moda empinando o peito e encurtando a coluna, ou seja, deixando de ser sapiens, cada vez menos sapiens, cainscaindocains...).

Daí eu digito a data certinha de um dia minúsculo, assim ó:
>> domingo, 1 de julho de 2007

e recolho as facadas:

“No curto período de uma semana, o País viu um garçom ser assassinado em São Paulo por um grupo de oito amigos dispostos a brigar por qualquer motivo, uma empregada doméstica ser atacada no Rio por cinco jovens que imaginavam bater em uma prostituta, uma professora de Suzano apanhar de um estudante que se sentiu rejeitado, um aposentado morrer na Bahia após ser espancado por um homem que furou a fila de um banco. Quatro crimes, uma pergunta: por quê?”
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“Atiradores matam seis jovens em São Paulo. Só uma das vítimas tinha antecedentes criminais; moradores estranham rapidez da remoção de corpos.”
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“Nossa sociedade está doente”, diz a professora Nancy Cardia, coordenadora-adjunta do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.
(...)
Jornal: O exemplo de cima influencia?
Nancy: A maior parte dos grupos que deveriam estar dando exemplo de comportamento às crianças e aos jovens apresentam sinais no mínimo ambivalentes do que é aceitável ou inaceitável em nossa sociedade. Quando se liga a TV e se assiste a um noticiário local e nacional, o que é que a gente vê? A expressão dos responsáveis por serem a voz e o rosto do telejornal é de desânimo. Os relatos são de transgressão em cima de transgressão. Estamos já num estágio em que, quando um dirigente nosso se comporta de maneira digna, a gente fica surpreso. Deveria até virar manchete.
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“Deputados são alvo até de processos por homicídio. Dos 513 deputados, 268 são alvo de processos no STF, quatro deles em ações de homicídio. Nenhum caso, porém, é tão grave quanto um que está em fase inicial de investigação pela polícia: Mário de Oliveira (PSC-MG) é suspeito de encomendar a morte de outro deputado, Carlos William (PTC-MG).” >>> PSC é sigla para Partido Social Cristão? Ah. E tem mais: esse tal de Mário de Oliveira está no sexto mandato (!!!!) e é presidente da Igreja do Evangelho Quadrangular. Ah. Isso tudo está no jornal.
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“Intolerância destrói estátuas de deuses afro. Em Brasília, vândalos depredam 16 esculturas de orixás instaladas em praça à beira do Lago Paranoá; artista baiano terá obras recuperadas.”
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“Hezbollah tenta dividir o Líbano. A geografia humana do Líbano está em transformação. Xiitas compram regiões inteiras. Em caso de guerra de secessão, o Hezbollah assumiria o controle sobre parte do país.”
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Náusea de novo. Hoje brotou cogumelo. Meio cogumelo, deformado e opaco, limítrofe. Um cogumelo brotou de minha náusea.
Mesmo que eu não leia jornal, as trevas continuarão persistindo.
Os cains têm se procriado com mais facilidade que os abéis, mas os abéis são só bonzinhos. Precisamos de um novo Jesus Cristo, de uma nova crucificação? Precisamos de um novo dilúvio?
Um novo dilúvio, talvez.
(Não adianta eu tomar banho para me livrar da nojeira do mundo. Ainda mais com esse ralo do box entupido. A água que me limpou se mistura à água limpa e ser humano hoje em dia nos dias de hoje nesse mundo de dia e à noite hoje é isso: andar num espaço tomado por água parada de banhos de gente boa e de gente ruim. Perfume e fedor, espuma e estrume, estrume das bestas-cains.)
Ei, Drummond, me ajuda aqui com um definição?
Taí, então, aprendiz-de-Noé:
"No céu também há uma hora melancólica/
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas/
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta/
e se responde: Não sei." (Tristeza no Céu)

Melhor eu ficar com minha tristeza porque a de Deus deve ser imensa, imensurável.

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