terça-feira, 3 de julho de 2007

Um ciclo que se encerra, nova janela que se abre

{esse texto, assinado pela jornalista Maria Fernanda Vomero, foi publicado no último número da Revista das Religiões, da Editora Abril, em junho ou julho de 2005. por algum motivo, o recuperei. achei o teor muito atual para meu estado de espírito-sentimento. deixei-o re-reverberar em mim-me, mimetizar o verbo-rare-deixo-feito. mesmomento-meu.}


Há alguns meses tenho me dedicado a cultivar algumas plantas em casa. Não se trata exatamente de um jardim, mas de um conjunto de vasos de violetas, orquídeas, um lírio-da-paz, entre outras flores. Quem gosta de plantas – e não apenas como arranjos decorativos passageiros – sabe que não basta apenas colocá-las em um ambiente de luz ou à meia-sombra. É preciso regá-las, podá-las, adubá-las, de vez em quando mudá-las de lugar e de vaso e por aí vai. Há também um aprendizado mais especial: saber amá-las mesmo quando estão sem flores, como poucas folhas, no período de recolhimento. Isso nem sempre é fácil, porque muitas vezes tomamos a quantidade de botões como sinal de saúde e da qualidade de nosso cuidado, o que nem sempre é verdade. Na vida, confundimos “conquistas pirotécnicas” (de altos salários ao acúmulo de bens) com empenho e competência. E há mais um ensinamento que as plantas nos dão: muitas vezes, mesmo com nossa dedicação, elas morrem. Às vezes, por não se adaptarem. Em outras tantas, por já terem cumprido seu ciclo de vida.

Quer dizer que o esforço foi em vão? Jamais. Encerrar um ciclo não é, de modo algum, sinônimo de fracasso. Senão, seríamos todos nós, seres humanos, fracassados já logo ao sair da barriga materna. Essa reflexão vale para todos os projetos que desenvolvemos. Um dia, o ciclo acaba, nos despedimos e seguimos adiante, prontos para novas semeaduras, para outros cultivos, para novos desafios.

Minha mãe sempre me disse que temos pelo menos duas opções diante da vida: deixar um rastro de luz ou ser um borrão na História. Para ficar com a primeira, é necessário arriscar, empenhar-se, lidar com começos e fins. Experimentar o mundo, transformá-lo com sua presença. No caso da segunda, basta cruzar os braços, não sair do lugar e ficar espiando a vida da janela. Qual será nossa opção?

Para terminar, despeço-me com um texto-poema do grande Ferreira Gullar: “E a história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogo, nos prostíbulos, nos colégios, nas ruínas, nos namoros de esquina. Disso quis eu fazer a minha poesia, dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz.” Um abraço, amigo leitor.

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