quarta-feira, 4 de julho de 2007

Desabafo. Dor insuportável. "Suciedad moderna".

Porque hoje estou como Pablo Neruda: cansada de ser gente. Ele disse: "Sucede que me canso de mis pies y mis uñas/ y mi pelo y mi sombra./ Sucede que me canso de ser hombre." Cansado de ser homem-sexo-masculino, homem-gente ou as duas coisas? Para mim, não importa. Somos solidários em nosso cansaço.

Não estou cansada de ser mulher. Estou cansada de ser humana.
Hoje o cansaço veio com tristeza e com vontade de chorar. Esses dias em que a gente acorda tão sensível diante do universo ao nosso redor. No nosso infinito particular. Que é um finito coletivo, afinal pertencemos nós -- eu e você -- a uma época e a um certo espaço, falamos de um lugar datado, vivemos num planeta assim e assado com tais e tais dimensões. Porque nosso íntimo é infinito, mas nosso mundo é finito.
E estou tão, tão sensível ao que me rodeia. Tudo me atinge, tudo me aflige, eu não quero ler jornal, mas as notícias me chegam mesmo assim, a todo momento, elas brotam indefinidamente. E tudo me dói, me dilacera, me espreme, me fulmina. Tudo o que é sólido desmancha no ar. E cai sobre mim, meu coração antes do resto, e eu dôo doendo de dar dó em mim mesma. Nem preciso ler jornal para presenciar cenas de malandragem, desrespeito, aproveitamento da ignorância alheia etc. Posso fugir para a Capadócia, mas a Turquia também tem seus problemas, tem seus cains, suas bestas e suas mulas-sem-cabeça. Posso pensar em me isolar no Alasca, mas impossível, onde há gente há bestialidade.
Escrevo com lágrimas. Não sei mais onde existir em paz. Tampouco sei existir desconectada, eu sou assim, assim choro e sinto dor, dor grande, dor de existir assim, dor de impotência contra um mundaréu de situações que formam esse mundo.
Não seria melhor ter nascido na Idade Média. Não.
Não seria melhor se tivesse adiado meu nascimento para 2048.

O pior é que ninguém pode me salvar, porque todos são humanos e eu estou numa autoquarentena de humanos. Hoje não estou suportando a humanidade em mim e, descontando-a, só me sobra ser fagulha, posto que, humanidade à parte, só me resta a fagulha divina que enxergo em mim.

O que fazer com essa luz minúscula e quase patética (patética não pelo lado divino, mas pelo lado eu)? Como fazer essa luz brilhar livre de anonimatos e pseudônimos, ser mais forte que a bestialidade humana? Não queria esconder a luz embaixo da cama, nem fingir que sou lápis em vez de lâmpada, bem, não posso negar que sou lápis também, mais um problema, lápis e lâmpada, como assumir que sou lápis e lâmpada, ambos patéticos, ambos frágeis diante das mazelas todas -- do câncer à canalhice calhorda encalhada ao nosso redor --, ambos doloridíssimos, sensibilizados e sensíveis ao extremo, feridos a cada segundo pelas farpas das mulas-sem-cabeça? Como ter a certeza de que não me tornarei mula-sem-cabeça também no futuro, meu Deus?

Corredores, corredores, longos corredores, curvos corredores, não há janelas, não há janelas, sufocamento corredores longos curvos sem janelas só luzinha ínfima e infinita, luz que não apaga nunca, irrisória mas eterna, uma forte essa luzinha.

Meu choro não tem mais lágrimas, só soluços, queria ter soluções, não as tenho, não há como fugir, não há porta "exit" no mundo, no planeta, no século, no universo! Não há! Porta de emergência? Não! Não há! Não queria doer tanto, por que dói tanto ser humana? Por que raios tenho de me emocionar com esses acontecimentos diários todos, no mundo inteiro? Por que uma injustiça lá na Índia vem doer aqui, em mim, pessoa anônima, minúscula, mero número de CPF e RG? O ar está pesado de pó, partículas doentias, poluição de alma, isso sim. Almas poluídas expelindo seus dejetos porcos no ar que todos respiram. Todos adoecem.

E aí,
e aí,
e aí,
descobri que meu horizonte vai acabar em menos de onze meses, pois vão construir um edifício bem na direção onde nasce o sol, onde eu vejo o sol brotar.
Por que andam acabando com os horizontes da gente?
Proibido enxergar além, ao longe?


Eu quero um horizonte!
Estou sofrendo!
Mafalda, Mafalda, me ajuda! O mundo está doente! Mafalda, de Quino, pensa. Está lendo: "No es neceseario un analisis muy profundo para ver que desde el arco y flecha... hasta los cohetes teledirigidos, es sorprendente lo mucho que ha evolucionado la técnica." E diz: "y deprimente lo poco que han cambiado las intenciones." Pois.
E mais de Mafalda vendo televisão:
"Hoy que vivimos en una sociedad moderna..."
Interrompe Mafalda:
"Suciedad moderna?"
Pai: "Sociedad moderna."
Mafalda:
"Zoociedad moderna?"

A dor segue aqui, quem pode fazer algo por ela, acho que, se você procurar aí no seu íntimo infinito particular, talvez encontre uma parecida, quem pode fazer algo?
Saramago, em "Ensaio sobre a Cegueira", "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam."

Não sei se enxergo, sou míope, só sei que tenho uma fagulha dentro de mim que não apaga mesmo com tantas lágrimas tortas e rebeldes.

Engraçado como tudo vira clichê e, por conta disso, acaba sendo desmerecido pelos que "pensam" (seja lá o que isso signifique, hoje estou insuportável insuportando o insuportável). A máquina de emburrecer e de bestializar descaracteriza as reflexões mais oportunas transformando-as em gomas de mascar entupidas de corantes. E aí ninguém mais as leva a sério, claro.

Não há analgésico que faça passar essa dor imensa que parece a dor de todo mundo e que veio parar... em mim!!! Repartam comigo, por favor, porque sou pequena e pouca para tanto.
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Quero sonhar com o horizonte! Pára, menina, de chorar por esse mundo.

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