quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

CV

Então eu prometi mudar o disco. De agora em diante, só CDs regraváveis.
Prometi não chorar mais com música do rádio. Quem é que chora com música de rádio hoje em dia, meu Deus? Prometi também evitar lágrimas furtivas em momentos furtivos.
Prometi não me encantar mais com rapazes encantadores. De parar de olhar para a beleza não óbvia e me encantar com ela. De achar deserto bonito, tão bonito quanto o mar, justamente o mar que é um querido, meu querido. Prometi não querer mais o mar. Desistir dos peixes e dos corais.
Prometi parar de salivar por pão de queijo e broa de fubá, podem ter gordura trans, de sonhar com a torta de ricota de mamãe, engorda na certa, de parar de empilhar livros e papéis no chão, isso provoca mais bagunça, de lavar a louça assim que terminasse de comer, pois aí evito o problema de não ter mais garfos limpos.
Prometi pôr cola na cadeira e não me deixar voar. Da minha janela venta muito – e a saia de joaninhas continua firme, mas prometi doá-la. Prometi fazer ginástica metódica todos os dias, senão serei a única pessoa com barriga no mundo. Ou gordura localizada, ou celulite, porque a mulher brasileira não tem mais disso. Prometi fazer um monte de promessas.
Prometi voltar a trabalhar doze horas por dia e almejar o sucesso. Prometi competir com idiotas e inteligentes pela melhor vaga. Afinal, está meio difícil lidar com esses adjetivos que andam atribuindo a mim por aí – louca, alternativa, exótica, palhaça. Prometi não querer mais ser palhaça, então. Ou logo alguém me põe no zoológico. E parar de falar com a Márcia, com a Débora, com o Jeff, com a Ana, com o Fernando, com a Wal, com a Sonia, com o Alysson, com o Guilherme, com o Lucas, entre outros, com todas essas más companhias.
Prometi não escrever mais – só assim saio de meu autismo voluntário, socialmente perigoso, intelectualmente indelével. Prometi usar sapato sempre, quiçá de salto, para poupar as solas do pé. Prometi, portanto, me privar do prazer do pé no chão porque acham que não tenho os pés no chão. E prometi não ter mais a cabeça na lua, como aquela mesma gente do zoo exótico acha que tenho. Não olho mais para a lua cheia, então. Prometo.
Prometi gostar de cinema em shopping e de filme blockbuster porque ninguém entende meu gosto por “Still Life”, “O Sabor da Melancia”, “O Labirinto do Fauno”, “Usak”, “XXY”. Prometi parar de ler Clarice Lispector e escutar Maria Bethania, gente muito subversiva. Prometi voltar a ler a instrutiva revista semanal e achar que Deus é um delírio tal e qual o Richard Dawkins afirma apenas para meus colegas, antigos colegas, me acharem pop de novo. Porque me importo pouco em ser pop e isso parece não ser conveniente.
Prometi ler mais literatura espírita e de auto-ajuda, senão não me ajudo a socializar. Quem já leu “O Que Eu Amava”, por exemplo? Ou “Mania de Explicação”? Prometi acabar com esse blog que ninguém lê, pois (1) não tenho page views ou patrocínio e (2) ninguém deixa recados. Decidi prometer não pintar mais telas porque, pelo amor de Deus, bom senso é bom e muita gente pode acabar gostando. Prometi não chamar mais a Palestina de Palestina e voltar a me referir à região como Cisjordânia só porque vários colegas jornalistas me acham ignorante e desatualizada. Prometi também dizer que prefiro morar nos Estados Unidos a viver no México ou na Turquia, pois já estavam querendo me riscar para fora do mapa. Prometi ignorar os mapas.
Prometi ignorar também meus Ts, nos sentidos metafórico e literal.
Prometi achar que sei tudo sobre tudo e que sei o bastante, então.
Prometi voltar àquele comportamento agressivo e espinhoso da adolescência hormonal e insegura para defender as minhas idéias. Ninguém entende de paz mesmo, me falaram. E os adultos são um bando de adolescentes mantidos ilesos a fórceps e a faca cirúrgica.
Prometi xingar Carlos Drummond de Andrade pelo desserviço à sensibilidade alheia.
Prometi limar meu primeiro nome, pois há quem o ache brega. O segundo lembra nome de presidente, também acham brega, mas se eu limá-lo vou me chamar o quê? Essa promessa ainda é dúvida.
Prometi ser egoísta, pois ouvi dizer que não está com nada ser solidária.
Prometi não comer mais mamão diariamente e deixar tudo travar nos intestinos. Porque, é estranho, quanta gente prefere o apego, a retenção, o acúmulo, a prisão de ventre metafórica – talvez eu precise ser igual.


E na hora de apertar a tecla ENTER não reconheci esse ser humano prometido. Decidi mandar o senso comum à merda e teclei DELETE. Dei descarga e, ralo abaixo, desceram essas promessas tolas que quiseram me vender por módicos 50 centavos cada uma. Com a grana que poupei, comprei uma passagem aérea.
E depois ficam me perguntando sobre minha fonte de renda.

2 comentários:

Anônimo disse...

As más companhias são as melhores, ou como diria Tolstói, "as boas companhias são iguais, as más são más cada uma a sua forma"... he he he... Que bom que vc costuma quebrar umas promessas...
Beijos!!
Alysson

Anônimo disse...

Linda! Eu AMO este blog! Lu.