quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Noites cariocas

Iria trabalhar comigo, me disseram. Ótimo, pensei, preciso de ajuda. Uma certa curiosidade libidinosa de minha parte, eu que tenho esses descompassos hormonais de tempos em tempos e considero todos possíveis até que se prove o contrário. Acredito, portanto, no infinito de possibilidades. Curiosa, sabia que ele já estava na empresa, trabalhando em outro local. Chamei amiga que o conhecia: me conte quem ele é. Uma semana antes, então, eu estava de azul. Sempre acho que fico bem de azul. Ele? Não me lembro. Mas me lembro de quando eu o vi. Bonito, hein? Olhos claros. Cabelos negros. E o sotaque. Shhhhhhh.
Você vai trabalhar comigo! Ah, é? Prepare-se, hein? O lacônico diálogo não caiu bem. Sem problemas. A gente compensa na próxima oportunidade.
O início foi suave, com simpatia de ambas as partes. A proximidade estabelecida pelo trabalho, o encanto do sotaque, a beleza dos olhos e o charme criaram um ambiente intenso e divertido. Gostava de estar com ele, e ele me ajudava muito. Quebrava galho. Varava noite. Dava opinião. Contava histórias. Descobrimos muitos pontos em comum – ambos perdemos o pai. Ambos gostávamos muito de escrever. Ambos devorávamos livros. Ambos éramos o que éramos. Ponto em descomum: ele tinha namorada. Claro. Eu, não. Na época, estava quase visitando o poço de mim mesma. São momentos distintos: um é o do poço, outro é o da sombra. Pode acontecer de o poço estar na sombra. O meu estava na beira, por isso me salvei. Mas, antes, caí. E essa queda lenta rumo ao fundo me continha em vários aspectos. Ok, existia uma outra garota. Ok, eu consigo gostar dele como amigo. Ah, sim, e como meu assistente.
Um dia, telefonei de manhã cedo para checar uma dúvida e a namorada atendeu.
Um dia, num evento, conheci pessoalmente a namorada. Não me comoveu. Nós duas éramos atletas de modalidades distintas. Não fiquei deprimida ou esnobe, não iríamos competir por nada. Eu ainda estava caindo no poço.
Terminamos o trabalho. Tirei férias, ele me encomendou um livro em alemão. Na volta, novidades. Antes de ele contá-las, alguém já me havia adiantado: você não sabe com quem ele ficou. Com uma amiga minha, amiga querida, dessas que a gente respeita pra caramba. Parece que ensaiaram um namoro. Eu dei o livro, com carinho. Boa sorte, desejei. Ele pareceu sem-graça.
Passou algum tempo, um ano, talvez. O contato arrefeceu, embora tenhamos tido alguns bons papos no meio do caminho. Não me lembro bem de como aconteceu. Era uma festa, num bar, e sobramos os dois e mais alguns três ou quatro quase bêbados. Ele me beijou. Eu o beijei. Nos beijamos. Surpresa.
O inesperado é doce e suspirento, porque abre uma janela e escancara as cortinas. Porque me lembra do infinito de possibilidades. Porque me pega desprevenida e me faz mais bonita.
Outra vez, semanas depois, meu aniversário, outro bar. Amigos na mesa, cerveja e espetinhos, ele aparece com um buquê de flores na mão. Amigos acham lindo, eu acho maravilhoso. Passamos a noite juntos, fomos ao cinema no dia seguinte. Ensaiamos um namoro. Era gostoso e terno. Porém, morno. Arrefeceu.
Hoje me resta um carinho e uma saudade. Não sei mais quase nada, minhas mensagens já não o alcançam e não tenho idéia de onde anda. As últimas notícias davam conta de que tinha uma namorada, de que escrevia um livro, de que estava bem. Minhas últimas notícias soaram déjà vu: estou indo viajar.
Às vezes, quando me lembro do mar em todos os seus figurinos – de Fernando de Noronha ao Caribe, do Pacífico ao Mediterrâneo –, às vezes me lembro também de seus olhos. E do barulho das ondas: shhhhhhh.

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