sábado, 12 de janeiro de 2008

HISTÓRIAS PARA CRIANÇAS

Era uma vez um camelo
Era uma mulher meio moça meio matusalém
O comandante, então, disse ao mar:
Fogo e água resolveram imitar um ao outro.

E vivia no deserto de Jericó
Era uma mulher que sentia todas as coisas que estavam no dicionário – inclusive algumas que o idioma ainda não contemplava
Agora já é hora de nós partimos. Vamos.
O fogo tinha um pouco de inveja da água. A água já tinha pensado em ser fogo um dia.

Um dia ele se apaixonou por uma oliveira
Era uma mulher que enxergava além do mundo, além do muro, além do duro, além do escuro, além da escada, além da espada, além da própria espalda
O mar surpreendeu-se. Gostou da notícia. Agitou-se.
O fogo, então, molhou. A água queimou.


Que ele via ao longe, como se fosse miragem
Era uma mulher que comia comida e ar e vento e mar e impressões e digitais e contornos e preenchimentos e cores e formas e texturas
Calma, voltou a falar o comandante. A serenidade é a melhor das qualidades.
O fogo ficou transparente. A água ganhou todas as tonalidades de vermelho e amarelo e lilás que nem imaginava ser possíveis.

Era miragem?
Era uma mulher que escutava o barulhinho das nuvens branquinhas o ruidinho da espuminha do mar quando fazia espuminha e principalmente o tilintar do raiozinho do sol em contato com as coisas e os seres
O mar tentou ficar sereno. Sentiu os peixinhos. Uma gaivota lhe fez cócegas.
O fogo evaporou. Assustou-se. A água sumiu, mas, em vez de ressuscitar, na forma de vapor ou gelo, virou outra coisa. Cinzas. O fogo, depois, endureceu. Ficou chocado.

Ele ficava impressionado com a lombada cheia e delicada da oliveira Com a lombada cor verde queimado Com a delicadeza das finas pernas marrom acinzentadas da oliveira Com essas cores tão peculiares Com essa musa...
Era uma mulher que andava pouco mas se movimentava muito que voava que nadava que navegava que mergulhava que saltava que piruetava. Piruetava?
O comandante começou a ir. O mar também. Apenas os dois.
Fogo e água resolveram ser eles mesmos. Não gostaram da experiência de ser o outro: era difícil e esquisito.

Um dia o camelo resolveu ir ao encontro de sua musa
Essa mulher tinha uma coisa muito especial, no entanto, diante dessa toda aparente e grande normalidade: seu tato era muito, muito, muito sensível.
Não havia naus. Não havia tripulantes. Não havia bandeiras. Não havia slogans ou brasões.
Mas um continuava a admirar-se com o outro. E a admirar o outro.

Conforme caminhava, sob o forte sol de Jericó,
Ela nem precisava tocar concretamente e já encostava abstratamente
Apenas o comandante e o mar. Que não era seu. Não era “seu” comandante. Não era “seu” mar. Eram, apenas, comandante e mar.
Assim, o fogo decidiu ser mais fogo. Desenvolver-se como fogo.

A visão ia ficando cada vez mais nítida:
Como se fosse um poderoso ultra-som, seu tato tateava sem incomodar
Iam juntos e em silêncio. Mas podíamos ver o sorriso em ambos os rostos.
A água, por sua vez, revelou todos os seus encantos de água. Mesmo aqueles dos quais ela mesma duvidava.

Naquele vale de areias furta-cor, areias quase brancas
areias muito amarelas areias quase douradas havia apenas
E acariciava muitas vezes de longe, muito longe,
Havia uma prontidão, uma disponibilidade. Havia companheirismo.
Os dois viram que isso era bom. E, pasme!, apaixonaram-se.

Uma árvore. Uma oliveira muito velha e muito calma.
As peles. As faces. Os corpos. As costas. Os genitais. Os pés. As mãos.
Encontraram o horizonte no meio do caminho. É hora de partir, disse o comandante ao horizonte. Vamos.
Tiveram uma filhinha: a água-viva.

O camelo, a princípio, ficou bem desapontado. Depois, olhando ao redor, constatando toda a caminhada, descobriu-se num novo deserto de Jericó
Dela mesma e de todas as gentes
O horizonte espreguiçou-se. Num momento, brasileiros e australianos tiveram a impressão de receberem a mesma quantidade de luz. Vamos, então.
Água-viva tinha o jeitão da mãe, mas puxou o jeitinho de ser do pai.

Jericó havia mudado ou ele, camelo, havia mudado?
Isso era um dom ou uma provocação?
E foram os três. O comandante, o mar e o horizonte. Eram tão belos juntos que eu os chamei de “mundo”.
Na escolinha onde os pais a puseram, água-viva ficou bem amiguinha da estrela-do-mar. Foram felizes para sempre, embora de vez em quando chorassem, brigassem ou espirrassem. ;)

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