sexta-feira, 22 de junho de 2007

Eu quero ser uma slava! (Ou como uma mulher-criança-palhaço se comove)

Acabei de sair de um sonho, ao vivo, com cores, em que pude tocar e no qual fui tocada, espiritualmente tocada, emocionalmente acariciada, sentimentalmente ninada (logo mais embarcarei em outro, o sonho dos sonos dos justos, daqueles que fazem figuração em filmes e ficam o dia inteiro em pé por causa de uma cena pequenina e passageira que, sabe-se lá Deus e o diretor e o cara da montagem, se entrará no longa-metragem ou não. De todo modo, Lóri começou sua longuíssima jornada, uma jornada de looooonga metragem, metragenzíssima, rumo à Palma de Ouro, hahaha, sem perder o bom humor ou a cara de pau ou até a modéstia. Hahaha. Ei, duvidou e quer apostar?)

O sonho sonhado e acontecido aconteceu naquele lugar feio e frio e artificial que é o Citibank Hall, em Moema, Sampa ‘Citi’. Para comprovar que, a despeito de toda a feiúra e frieza e artificialidade de nossa vida contemporânea, o sonho acontece, sim, pode ser bonito, sim, é envolvente, sim, pode ser sonhado coletivamente, sim. Foi um sonho repleto, repleto de sins. Uma sucessão de momentos oníricos, suspíricos, surpreendentes e comoventes.

O nome da criança: porque se tratou de uma criança. Uma criançona, uma criança brincalhona e ainda inocente, sem elaborações alquímicas de como mentir para o papai ou barganhar as vontades diante de mamãe. Uma criança em espírito de criança e corpo de show, com um nariz vermelho gigante, pés imensos e olhos de lince. O nome da criança, então: “Snowshow”, da trupe do palhaço russo Slava Polunin. A gente sententendendo antes de entender racionalmente. E isso é magnífico.

Sabe aqueles sonhos que a gente sonha quando criança, especialmente quando sonhamos acordados? Ou aqueles quase-sonhos que imaginávamos momentinhos antes de dormir na infância tenra e temperada com baunilha e palmadas? Ou nossos sonhos de agora, mas sonhos de agora desprovidos de elaborações intelectuais, receios diversos, arrogâncias inúmeras e peso, muito peso? (Como há gente pesada nesse mundo. Mesmo com bom humor, comida light e balança em descenso, a pessoa pesa pesando tanto que eu às vezes – se é uma pessoa amiga – preciso dar uma volta no quarteirão para recuperar o ar e as costas e espairecer!).

Voltemos aos sonhos, ei, não distraia. Conseguiu (re)imaginá-los?

Da expectativa ao riso, do riso ao suspiro, do suspiro à comoção (quase dor), da comoção (quase dor) à expectativa de novo e do novo. E o novo sempre vem. E é muito, muito belo.

O mais sensacional do espetáculo dos palhaços russos, além de toda a autenticidade da atuação – sem palavras e com um trabalho corporal e cênico de provocar o êxtase – é conseguir incluir a platéia no sonho. Quer dizer, pouco a pouco, o show leva a platéia a acreditar: esse é o nosso sonho, porque é mesmo. Mas depois, pouco a pouco também, a gente entra no sonho! Experimentamos um retorno àquele estado de infância-infância, de ternura, baunilha, xixi na cama de vez em quando e farinha láctea.

A delicadeza de certos números é impressionante.
Não, palhaço não é instrumento de risadinhas mecânicas e ocas. Ha-ha-ha (pra desencargar a consciência e descarregar algum elemento fétido que apavora a cabeçorra naquele dia). Não. Clown vai além do humorzinho diminutivo e da esquete cômica: clown é a experiência profunda de autenticidade pelas vias do humor, do ridículo e da disponibilidade, é um estado de abertura total para a vida, uma conexão com seu eu mais puro e mais íntimo, mais criança, mais sapeca, mais espertamente ingênuo. É por isso que eu quero ser palhaça. E, quem sabe, uma palhaça na linha slava.

Teve riso e aperto no coração nesse meu sonho que muita gente também sonhou junto. Ainda vejo as bolas coloridas saltando sobre nossas cabeças e o bilhetinho da amada rasgado que virou tempestade de neve e nos cobriu de estrelas no fim. Snow. Mas não snow de gelo, e sim de quentura, de coração quase dia de sol sem tanto calor.

E tudo no seu tempo. E com seu tônus. E com seu tamanho. E com sua densidade. Slaslaslaslaslaslasla... islas, no, somos continentes!

Eu quero a pureza da resposta das crianças.
É a vida, é a vida, e é bonita!


P.S.: Leveza devia ser ensinada dentro de casa.
P.S. 2: Descobri que muita gente não tem tempo para as descobertas da vida. Na verdade, tempo virou desculpa. As pessoas, na verdade, têm medo. Medo de um monte de coisa, especialmente de terem de viver de verdade. Tsc, tsc.
P.S. 3: O Slava’s Snowshow parece uma continuação cênica e clownesca do livro da Adriana Falcão, “Mania de Explicação”. Sim, ele de novo! Um livro de criança que me arrebatou, vejam só. Ah! Ah! Ahhhhh!

Um comentário:

Anônimo disse...

Claro que um livro de criança tem que a arrebatar, afinal existe uma bela criança dentro dessa moça que se veste de palhaço para alegrar o mundo! :))
Beijos