quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

PPqqmmmęęę

PPqqmmmęęę era um desses homens contemporâneos. Boa pinta, simpático, um tanto tímido, um tanto ousado, nunca sabíamos quando disfarçava ou quando explicitava seus sentimentos – e sempre com um propósito claro. Quando lhe convinha, era um exemplo de insensibilidade. Em geral, parecia o namorado que nós gostaríamos de ter. Sabia manejar muito bem suas qualidades e também seus defeitos e usava táticas velhas, embora se considerasse antenado com as mudanças do mundo, das relações afetivas e das próprias mulheres. Costumava dizer-se feio. Combinava disponibilidade e impossibilidade como um mago que sabe o jeito mais preciso de produzir um precioso elixir. Em alguns momentos, parecia um virgem. Em outros, o ás do amor. Mas era um homem, sem dúvida. Energia sexual das boas. Daquelas que exalam, inebriam, encantam e quase nos despem. Que quase naturalmente nos despem. E PPqqmmmęęę tinha aquele jeito encantador de dizer: “<<>>”. Diríamos que ele era quase irresistível.
Excitante.
A imaginação ia longe.

ę ę ę ę ę ę ę ę ę ę <<>>... ah...

O encanto vinha do fato de que ele escrevia muito bem. PPqqmmmęęę encantava as palavras. As mulheres. As mulheres com as palavras. As palavras com as mulheres. Suas linhas pareciam laços que puxavam qualquer cintura feminina para perto. Seus parágrafos tinham vigor, bossa, quase nenhum pudor. O poder de seus textos era tão arrebatador que sempre nos sentíamos agraciadas – em vez de buquê de flores, palavras. Do vinho tinto, palavras. Do elogio, palavras. Do chamego, palavras. E os benditos sinais de pontuação eram seus aliados. Co-var-di-a!
Macho que se preza espalha-se pelo mundo. Ele se espalhava. Em mensagens belas e ternas para muitas. Para quase todas que podia.

ę ę ę ę ę ę ę ę ę ę ę ę ... ... ... ~^~ ... ah ...

PPqqmmmęęę tinha o dom. E o talento, porque ele se esmerava. Quiçá a vocação! E sabia das coisas. Dava-se sempre a conhecer antes por escrito. Iniciava uma troca de mensagens. Sabia que suas frases irradiavam perfume – lançava a isca. E, conforme a empolgação da destinatária crescia, maior o esmero na palavra certa, no tamanho exato da frase, no sinal de pontuação. Torneira aberta para as sensíveis, e-mails longos e fluidos. Concisão e objetividade para as práticas e desconfiadas. Sacanagem para as sacanas. Pulava linhas quando escrevia para as esportistas. Tirava e punha a vírgula depois do “oi” e antes do nome da destinatária como se brincasse com marionetes. Subvertia a ortografia quando queria fingir humildade. Jogava, no meio do texto, seu “<<>>” sedutor. Abusava das maiúsculas quando queria ser macho. QUERIDA! Eu REALMENTE estou adorando NOSSO papo.

ę ę ę ... ah...


Papo virtual. Nem nos dávamos conta, sonhávamos com ele falando ao nosso ouvido aquelas frases tão cheias de efeito. Completamente mulheres: a aparência nem importa. Temos tanto em comum. Acho que estou apaixonada. Líamos nas entrelinhas: estou morrendo de tesão por você. E morríamos de tesão por ele. Dia ou outro, ele não escrevia nada. O silêncio nos dilacerava, a nós, já tão adictas. Sofríamos.
Sofríamos, mas continuávamos com um baita tesão.

!!!


E então, ao chegar o momento do contato, das palavras ditas e sentidas e mastigadas e inaladas e sussurradas e cantadas e lambidas e sugadas e gozadas, ele, que já tinha a presa nas mãos, e com pressa, subitamente fingia encontrar o ombro mais amigo do mundo e, em gomos de expressões sem charme e estilisticamente tão banais, desabava choramingos sobre um amor mal-sucedido, um questão interna tão inquietante, a falta de tempo, o novo trabalho, as exigências dessa vida urbana tão sempre urgente e intransigente. PPqqmmmęęę parecia nunca levar adiante suas conquistas. Seu prazer terminava quando ele encontrava a mulher de carne e osso, já não mais a destinatária misteriosa a quem ele tinha de conquistar escrevendo. No fundo, era esse seu delírio: controlar as fantasias alheias, a imaginação alheia, por meio das palavras. Da escrita. De seu dom, talento, vocação para a ordenança quase perfeita dos parágrafos.

Às vezes, PPqqmmmęęę, à revelia, se empolgava com alguma de suas presas. Tornava-se agressivo. Era duro. Seco. Engolia palavras e cuspia palavrões simulando descaso. Escolhia as frases mais cortantes. E manipulava o silêncio de forma a punir aquela petulante que o fizera sentir. Ou imaginar. Ou fantasiar. Quem manda aqui sou eu, sua idiota.


PPqqmmmęęę já ficou manjado. Nós, quem nem nos conhecíamos, descobrimos que fomos vítimas dos mesmos truques. Das mesmas armas. Das palavras escritas dele. Das mensagens tão bem encadeadas e cativantes dele. De seu veneno verborrágico. Da perversão secreta de PPqqmmmęęę.

Nos disseram que um dia ele foi pego de surpresa.
Que chegou num encontro de amigos, todo cheio de frescor e sensualidade, desarmado e inocente, sem qualquer e-mail ou qualquer destinatária, e ali, de corpo e alma presentes, com as mãos impossibilitadas de construir laços falsos de afetos mais falsos ainda, ele foi fisgado. Ele foi fisgado pelas palavras doces e sinceras e enérgicas de uma moça – nem sabemos se ela chegou a falá-las ou se apenas as demonstrou. Ele se apaixonou perdidamente. Sofreu amargamente. Frustrou-se enfaticamente.

pdpdpd ...

Hoje PPqqmmmęęę quer nem sabe o quê. Continua escrevendo e atraindo presas, mas perdeu-se em suas próprias linhas. Achamos que ele anda acreditando nas próprias mentiras e fica se alimentando de reticências para não chorar. Agora, parece, sente medo de <<>>. Termo proibido. Quase um pecado, quase expiação.

Achamos que encontramos uma definição: PPqqmmmęęę não é um coitado nem um vilão. Nós, por exemplo, não sentimos pena. Ou saudade. Não, isso não. PPqqmmmęęę é um quase. E isso é muito triste.




P.S.: O pior é que há muitos, muitos como ele. Quanto aos demais, pior, nem sabem escrever.

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