domingo, 9 de março de 2008

Encontro e desencontro (ou A bela e a fera)

ELA:
O espaço vazio anda cheio de sentido. Porque, se você consultar o dicionário vívido e vivido de sinônimos, vazio pode ser nada, vazio pode ser tudo, pode nem ser, pode ser sempre. O ar brinca de esconde-esconde, os suspiros flutuam soltos e sem rédeas, e os cômodos podem receber novidades. Possibilidades. Oportunidades. A dama vermelha de vestido justo e curvilíneo passeia à vontade: libido, chama-se a chama. A alma espalha-se contente: quer fazer festa com a nova descoberta. O espaço vazio anda cheio, cheio, cheio. Porque as tralhas foram ao lixo, as caixas se acomodaram no concreto da realidade, as boas-lembranças-devidamente-armazenadas ganharam gavetas, liberdade, ganharam o tempo: letras, telas, seus olhos, sua imaginação. Então, instalou-se a imensidão. E os cheiros, e os pulsares, e os sins sussurrados lá também estão.


A PERSPECTIVA:
Nas histórias infantis o número três é mágico.
São três os pedidos dados pela fada madrinha.
Três as fadas madrinhas.
Três as baladas do sino.
Mas três é privilégio também das mulheres. Antes de tudo, das mulheres.
Três foram os encontros, portanto – o primeiro à toa, o segundo simpático, o terceiro revelador.
Mas no quarto tudo virou abóbora. O limite ultrapassou seus próprios limites. Bizarrice, pastiche, melodrama, minhocaçu.
O número quatro é traiçoeiro, embora par de pares. Pseudônimo de parada.


ELE:
Ausência como premissa primeira de expressão. Afirma criação, mas você constata fuga. Ausente de si mesmo, põe-se fora, vai-se embora de seu é, preenche o vazio de mais vazio ainda: pó, muito pó, caixas e mais caixas, tralhas e novas tralhas, negações e escuridão e máscaras. Atrás da barricada, esconde-se insone, obsessivo e paranóico. Uma arma, um cadeado e um desvio de rota. Diz a si mesmo: só assim desentorto meu coração semimorto. Não há desejos ou damas curvilíneas: há blocos de pedras com formas de homens – ou seres de falo, com rostos deformados – para a afirmação de um poder sobre o descontrole descontínuo e cruel. O corpo, confuso, confunde a ele e eles e elas. Ignorando a própria luz, mergulha nos buracos cavados pelas minhocas. Desidratado de fluidos, cheio da ausência de sins, talvez anseie os sons. Disfarça: a rima é fria e corrosiva. Pior: taxativa.


ENLACE:
Monólogo dela: Você precisa, quem sabe, de uma pequena epifania à la Caio Fernando de Abreu para juntar esses pedacinhos desconexos, seus fragmentos pontiagudos, num poema que faça sentido. Um poema que seja você e no qual você viva.

(ele não escuta)



TENDÊNCIAS OBSCURAS:
A direção da estrada não é a mesma da placa, segundo a própria placa.

(ela não percebe e segue no caminho errado: “Eu quero o risco, nem que seja a morte”, ainda inspirada em Caio Fernando Abreu)


CARTAZ:
***Danger. Get to explode.***

(ele ignora, afinal só entende italiano, guarani e grego, e acende o cigarro, de cuja fumaça não gosta)


DESENLACE:
Monólogo dele: não, não e não!
Fora daqui!
Não se aproxime!


ELES:
“A vida só é possível reinventada.” (Cecília Meirelles)
Ele: um sapo.
Ela: um avião.
Passarinho, passarão.

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