sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

no país dos espelhos


Fase do rodo.
Puxa água daqui, puxa água de lá. Mais rápido até que a disposição do ralo em engolir as disposições antigas e a poeira de outros sentimentos goela abaixo.

As marcas estavam no piso-chão-fundo-do-momento-presente.
Não mais quartos escuros e recantos sob uma sombra feroz do si-mesma. Tudo ficara demasiado grande, grandioso ou engrandecido, enorme, imenso – até o si-mesma. Então, nem quartos nem recantos. Agora era até mais poético, posto que mais profundo; mais intenso, posto que largo e tridimensional. Saíra do delimitado, fora à paisagem. Encontrava-se no vale, no mais vertical de seu vale, no mais abaixo, na altitude mais ínfima. Estava no charco. No charco de seu vale verde. Rodeada de montanhas que iria escalar ou que já havia escalado. Cercada por leves borboletas às voltas com o daqui a pouco. Atolada até os joelhos, até os cotovelos ou até os cabelos, quando agachava-se. E precisava deslizar, de tempos em momentos.

O instante exato de assimilar um dos mais delicados e fundamentais aprendizados da jornada mítica da heroína que já era: no fluxo impermanente e transcendente da existência, as imensidões daqueles que haviam cruzado a fronteira teriam inevitavelmente montanhas e vales. E isso não significava nada além disso: estava na borra do café, num dia de domingo, de natividade, de lua cheia, de maré alta e gutural. Quanto mais denso o charco, mais admirável a trilha de subida à montanha.

Era, portanto, momento de paciente espera, esperança. Momento de identificar, no berçário do mangue, os brotos com raízes, os sem raízes, os sorrisos e as sabedorias-girinos. Descubro-me anfíbia, além de humana-alada. Uma anfíbia alada, totalmente humana. Que vive na água, na terra, no ar. Os heróis – sem nenhuma arrogância, sem nenhuma modéstia – têm mil faces, intuiu Campbell mítico. Diariamente descubro uma, reencontro outra, assisto dolorida à ecdise de uma mais.

Um vale, um charco, oxigênio abundante mas rarefeito naquele momento. E grande, grande, grande, tudo é muito amplo e tão universal, único e divino. A angústia do viver, disse Rilke, é o momento do estar-em-Deus mais evidente e palpitante. Deixar-se nEle. Porque somos nada, sou nada, ainda que heroína, heróica. Sou um tudo muito miúdo atolado num charco dentro de um laaaaaaaaaaaaargo vale.

Confiança.
Paciência.
Perseverança.
O rodo. E continuemos escorregando ralo adentro as desnecessidades e os trapos dos aprisionamentos egóicos.
Briluz.


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