sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Romântica inveterada

(MFV, 2007)

A manhã foi densa, dessas manhãs arrebentadas de tantos suspiros e desatinos calados. Um ônibus me levou para longe e me trouxe de lá, preenchendo de imagens banais – mas nem por isso desagradáveis – a película cotidiana que passava diante de meus olhos inseguros. Sim, estavam prestes a desabar, a cair em desatino, a revelar todos os segredos. Olhos com saudade... O que fazer numa manhã densa quando seus olhos sentem... saudade?

O coração espremido e socado, sovado, dentro de um tórax protetor, também ele saudoso. O que fazer quando todo seu corpo sente saudade?

Fora do ônibus, atravessava a rua com a delicadeza daqueles que sabem que os momentos podem ser imensamente frágeis. Cuidado. O sorriso prestes a dissolver... E aquele olhar, olhar de candura, eu diria, um olhar encantado. Pertenceu a mim. Um dia esse olhar encantado pertenceu a mim. Os momentos. O coração virando gomo de fruta. Delicadeza. Espreme, espreme que chora. Eu quase não queria avançar no espaço: sentia um respeito imenso pelo encontro de moléculas no ar, não queria separar nenhum dos casais de oxigênios, nitrogênios, gás carbônico. Meus olhos, os olhos dele, já não estávamos. Por que já não estávamos? Odeio o tempo. Hoje, agora, odeio o tempo. Amanhã... Mas a flor seguia perseverante no meu jardim. A flor dele, imberbe e selvagem, deixada à própria sorte. O coração encolhidinho, quase um feto. Não respiro. Essa densidade toda... O mundo invisível estava fazendo amor, que forte. Tudo está muito junto, muito grudado, muito abraçado. O sol com as nuvens, daí o nublado. O vento com o vapor d’água, daí a umidade. Uma borboleta com um beija-flor, como no samba da moça descalça, daí a poesia. Densidade. E saudade.

Em casa, previ um desmaio. É o amor que arrebenta na aorta, avisou o poeta, e pensei que fosse cair sufocada em mais um sofá de desesperações.
Incurável. Romântica incurável. Inveterada.
O mundo das miudezas faz amor enquanto eu engulo a saliva das impossibilidades...

Não! E sim.

Uma mulher romântica e um telefone. Nas teorias de gênero e nos filmes de Hollywood o que aconteceria? Quem se importa?
Telefonei – e danem-se as regras, os idiomas, os custos do DDI.
O coração: um gomo, um cogumelo, um coelho, um espelho, um mundo tão grande e tão cheio de gente, um universo com um trilhão de vias-lácteas.
Os números... um a um... fazendo sentido numa grande conexão de cabos e transmissões que eu nem entendo. E caminhando, feito soldados, do meu telefone até:
Hello.

Os olhos. Os olhos saudosos saltitavam por causa dos ouvidos sortudos. Esses ouvidos que recebiam a música do bem-querer.
Houve algum susto do outro lado. Um susto, uma entonação de surpresa e uma frase com tom de sorriso. Eu vi os olhos, eu os vi, eles me pertenceram por alguns segundos!

Delicadeza.

A tarde seguiu densa, os amores invisíveis não deixaram o dia de hoje, a miudeza ruidosa em orgasmos tão suaves quanto gentis, e meu coração ainda espreme, espreme que chora. Mas sou uma mulher romântica por natureza, e não posso deixar de me encantar pela poesia. Um beija-flor com uma borboleta. Ele lá, eu aqui. Um telefone. A flor imberbe, ah, florzinha. E, no silêncio da distância e dos fusos, sonhos difusos, quereres indecisos, nossos olhos admirados pelas surpresas que não hão de esgotar.

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