quarta-feira, 19 de setembro de 2007

El hombre quien no quizo más ser héroe

"Gracias a la vida, que me ha dado tanto,
Me ha dado la marcha de mis pies cansados;
Con ellos anduve ciudades y charcos,
Playas y desiertos, montañas y llanos,
Y la casa tuya, tu calle y tu patio"




Foi num dia assim, meio nublado, meio poluído, meio melancólico, meio preguiçoso, parecia sábado mas podia ser domingo ou feriado, depois de umas quesadillas e de leite com aveia e banana, depois de ouvir a voz do filho do outro lado da linha, como eu amo você, depois de suspirar relembrando seus trajetos sul-americanos que tinha traçado havia uns meses, depois de relembrar a paixão argentina fadada a tango e a fado, que ele respirou fundo e decidiu não ser mais um super-herói. Ou um herói. E não mais carregar um rei na barriga. Ou falar do alto de si mesmo.

Naquele instante, todas as suas limitações e imperfeições e fraquezas e dificuldades boiavam no caldeirão de sentimentos, pensamentos, impressões e sensações que fazia ele ser ele, unicamente ele. Sentia-se minhoca tentando perfurar a terra cada vez mais fundo para caber, para se esconder, para se mover, para sobreviver, para sair, para fugir, para sentir, para, finalmente e com tanto custo, poder sorrir.

Ele havia experimentado a dor e o sofrimento. Acolheu a dor, venceu o sofrimento. Iniciou o exaustivo aprendizado do desapego. Deixou o manto vermelho e os superpoderes, o cetro e a coroa, os súditos e os púlpitos, a soberba e a arrogância. Viu-se formiga das mais miúdas correndo riscos atrás das minúsculas migalhas de pão ao lado da pia, disputando sobrevivência com a espuma do sabão, a gota perdida de café com leite, o laguinho espontâneo de água, as formigas maiores, as mãos humanas. Disputando sobrevivência com mais um montão de humanos.

Não queria disputar nada. Não queria salvar ninguém. Não queria tampouco condenar. Queria ser, liberto dos grilhões egóicos, ser ele mesmo. Anônimo, mas em sua completa identidade. Queria simplesmente poder bocejar em paz, a cada novo dia, ciente de suas possibilidades. Que eram as suas – e não alheias. Um dia poria abaixo as muralhas que o defendiam tão bem protegido. Destruiria os canhões e as masmorras. Não temeria viajantes, forasteiros e senhoritas provocadoras. Nem sua própria imagem no espelho.

Achou-se mais feio do que era, mais enfermo do que havia estado. Contudo, a alegria de ter se livrado do ônus desse heroísmo impregnado nos seres do sexo masculino, quase socialmente obrigatório, lhe devolveu a sobriedade. Diante do filho, não era o super-herói. Não era o rei exemplar. Não fingiu ser o máximo dos máximos. Assumiu, diante do garoto, toda sua humana condição de ser humano plebeu e desprovido de magias. Eu erro, filho, eu erro. Mas também acerto e isso partilho com você. Diante da moça que mal conhecia, revelou seu anonimato e seu encanto sem truques. Sua rudeza e seu medo disfarçado de distração. Não sei de nada, me custa viver, estou reaprendendo tudo. Contou que não queria mais ser super-herói e que isso talvez o fizesse indigno de um monte de coisas. Porém a moça que o conheceu e ouviu sua história discordou. Já fazia muito tempo que não conhecia alguém tão digno. (A moça, essa que topou com o homem deixara de ser herói, também andava cansada de ter de vestir – a cada dia – um personagem de contos de qualquer coisa: gata borralheira, rapunzel, branca de neve, mulher maravilha, madame bouvary, lillith... Mas essa é outra história e não vem ao caso).

O homem agora vive um dia de cada vez, com calma, e mastigando muito bem. Reaprendeu a viver sem muletas. Ele aceitou uma gatinha sem-vergonha que espalha terra dos vasos e pêlos brancos pela casa, e parece que, aos poucos, vai aprender a externar ternura. Ainda tem mania de acreditar que seu escudo é intransponível e que, quando fecha os olhos, ainda pode ser invencível. Ou inatingível. Equivoca-se, é lógico, no entanto não briga mais consigo mesmo. Segue com dificuldade de sorrir solto, com toda a espontaneidade do mundo, pois super-heróis e reis são treinados para serem sóbrios e ele ainda não venceu, de todo, tal costume. Mas seu mundo ficou mais leve – ele levita em vez de pairar acima do sol, estático e posado, – e, aos poucos, vem acumulando fãs.

Porque há muitos que se encantam com gente falha, imperfeita e humana. Mesmo que isso pareça incrível.
E é.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo texto!