sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

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Eis que abri a porta
Daquele quartinho escuro
E, no meio da bagunça,
– quanta bagunça um ser humano pode juntar! –
Encontrei um pacote de cartas,
De cartas que não mandei.

Hoje em dia alguém manda cartas?
Não sei.
E olha que não sou tão velha assim. Estou
Naquele momento da vida
Que nos deixa com um pé lá e outro cá,
Ainda tão jovem mas já tão adulta
Curvada de responsabilidades
Ainda tão cheia de suor e desejos (quantos desejos).

As cartas me olharam desconfiadas,
Matutas de tudo, experientes,
Acostumadas:
Se é para nos abandonar mais uma vez
Que vá embora e nos deixe em paz.

Em paz?
Quem ficaria em paz?
Não tive coragem a princípio
De redescobri-las
Todo início
É difícil e o quarto estava escuro
Não achei as luzes, sempre entro lá e não
Encontro o interruptor
E eu estava apressada, mas curiosa e
Agitada
Medrosa –
É, eu tinha medo

Uma por uma eu li
As cartas que não mandei
Reconheci velhos sentimentos
Duvidei de certas afirmações
Transformei interrogações em vírgulas
E duvidei que eu seria o resultado
De todas aquelas cartas não-enviadas

Não poderia ser,
Mas era.
Pensava que era outra, como se
Tivesse mandado as cartas todas
Sim, vivi tanto tempo achando que eu era
Aquela que tinha mandado todas as cartas
As cartas todas, toscas ou não,
E não era.

Tinha abandonado as cartas
Um monte de certezas, um monte de dúvidas
Muita coisa a ser dita do fundo do coração
E também cobranças vazias, acusações hoje sem nexo
Tudo era tão eu
Me reconhecia tão inteiramente e
Por que fiquei tanto tempo longe
Das cartas que não mandei,
Ou por que elas não ficaram de uma vez por
todas longe de mim?

Quanto tempo
Não sei, mas
Eis que fechei a porta de um quarto
Pouco escuro,
Do mais iluminado de todos os cômodos
Naquele momento.

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