sábado, 16 de janeiro de 2010

Banco de praça


Ele veio passear em meus pensamentos de novo, enquanto eu comia um purê cremoso-grudento de mandioquinha e abobrinhas cozidas à moda crocante. Nada de mais a comida, mas ele estava lindo e bem-humorado e atiçava meu paladar com um despudor travesso. Vestia camisa branca e jeans, seus óculos de aros escuros, mas se eu quisesse logo apareceria mais esportivo, com camiseta de cor pouco importante e calça preta impermeável como na última vez que nos vimos.

Ele permaneceu em minhas recordações por longos meses, sentado num banco de praça batendo papo com os transeuntes, falando ao celular ou rabiscando ideias fugidias e deliciosamente marotas. Às vezes, eu ria sem saber – e ria dessas invencionices dele, escondidas entre neurônios e células sanguíneas. Eu quase nem sabia que ele estava lá, entre uma fantasia e outra, a não ser quando na vida cotidiana chegava alguma mensagem sua que logo o trazia para a borda dos meus pensamentos. Audacioso, ele não se contentava com a praça, lançava-se logo ao mar de meus desejos, abrindo ondas e descobrindo rios navegáveis onde eu já não mais me lembrava. Era um malabarista, um blasfemador. De um instante para outro, já estava na minha pele, nos meus lábios, nos meus ouvidos, no meu suor.

Na última vez que nos vimos, ele baixou a guarda, assumiu-se frágil e curioso diante de mim, a mulher. Escancarou as portas. Convidou-me para um último encontro, que tal beber alguma coisa, conversar, nos conhecermos melhor. E usou aquele “vai” de fim de frase, clemente, pedinte, quase se arrastando discursivamente aos pés de meu veredicto. “Me liga, vai.” Ele lá, exposto, doce, inteiramente revelado. Um sorriso, o olhar provocador, a cabeça inclinada. Recuei, aflita. Um homem, afinal. E me recolhi à preguiça da não-descoberta.

Acho que ele me perdoou e logo veio se instalar no bendito banco de praça das minhas recordações. Mesmo quando eu o esqueço, aturdida com alguma outra aparição masculina no cotidiano de fato, ou quando ele desaparece, quem sabe imerso em suas inúmeras atividades de pai-secretário executivo de instituto-filho-meio estrangeiro-meio brasileiro, quem sabe passeando de mãos dadas com alguma outra garota ou levando uma mulher desejada para ver um por-do-sol, ainda assim, nos encontramos sorrateiramente na tal praça, eu com nariz de palhaço, sem disfarçar o meu ridículo, ele com o sotaque ainda mais afetado que é para ficar sem graça de imediato. Comemos tapioca, rindo, e nos lambuzamos com um maltado. E assim nos entendemos, rolamos em purês de mandioquinha e de pequenos riscos, falamos abobrinhas, recolhemos nossas sabedorias e nossas ingenuidades um no outro.

É bonito estarmos juntos sem que estejamos necessariamente – é bonito sabê-lo. Partilhamos poesias espontâneas porque viramos trovadores um diante do outro. E cacheados, os dois. Distraída com a quase-possibilidade de revê-lo, às vezes me perco no encanto que sinto. E rapidamente me desfaço de expectativas ou planos, obstruo as rotas de fuga, apago os sinais de saída. Quero a descoberta. Porque sempre haverá aquele banco de praça, porque sei que ele existe e sua existência já me deixa mais feliz. Ele, o homem.

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