domingo, 8 de março de 2009

Numa tarde dessas

(MFV, 2009)


Era uma dessas tardes de outono paulistanas, em que o coração às vezes para indeciso entre um suspiro e um abafado grito de solidão. Eu buscava, nos livros expostos do balcão da livraria, companheiros de aventuras para as noites em claro ou as manhãs tristes. Algo faltava em minha vida naquele momento e, quando meus olhos se desviaram para as prateleiras, constatei o que queria: alguém como ele. Que me observava, curioso e reticente. Acompanhado, mas interessado. “Você por aqui?”

Foi um reencontro depois de anos. Fazia tempo que não nos víamos e, por mero capricho do destino, estávamos os dois ali, entre livros e leitores, narradores silenciosos e personagens vivos. Trocamos sorrisos e palavras e nos despedimos sem qualquer convite, número de telefone alheio, plano de ir ao cinema. Segredamos apenas, com o olhar, o desejo recíproco de estarmos juntos uma vez mais, assim, casualmente.

O destino esteve ao nosso favor em muitos outros momentos, unindo-nos na fila do cinema, na entrada do museu, na locadora de vídeo e algumas outras vezes naquela mesma livraria. Víamos os mesmos filmes, ainda que nem sempre juntos, e encontrávamos sintonia nos livros que nos faziam companhia e nas músicas que nos perseguiam. O tempo havia conquistado outra dimensão, e a própria cidade se manifestava encantada com nossas peripécias. Porém, quando quisemos escapar daquela distração sobre a qual fala Clarice Lispector (“por não estarem distraídos...”), algo saiu fora dos eixos. O contato se tornou áspero, as manhãs voltaram a ser tristes, ainda mais tristes, e as noites em claro carregaram choros e desesperos. Os lugares perderam sua magia, e São Paulo virou um conjunto de ruas, prédios e esquinas desesperançadas.

Tempos depois, quase-outono de novo, o coração às voltas com a dor da despedida, fui à livraria – ampliada, menos ninho de afetos, mais intempérie coletiva – em busca de um companheiro de viagem: um guia, um romance, uma biografia, um CD. Entre uma estante e outra, um susto: vislumbrei um rosto conhecido. Era ele, sozinho, taciturno, entretido com um livro qualquer. Por um segundo, fiquei indecisa entre me aproximar ou não. Mas, reluzente na prateleira, outra Clarisse, a Abujamra, sussurrou: “Excesso”. E nunca mais eu soube dele.

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