segunda-feira, 23 de março de 2009

chanson de tristesse


Quando meus pés ficaram gelados, no meio da noite, e tive sede, me senti triste. Triste porque aceito seu “egoísmo da novidade”, que suponho passageiro e compreensível, e sua necessidade de se aproximar dos discursos parecidos, dos momentos parecidos. Mas lamento que seus ouvidos tenham estado fechados para as minhas histórias. E para as histórias que recolhi quando estive lá e não cá. Que eu, pouco a pouco, venha me tornando desinteressante porque não estava nem estou na sua novidade. Porque me encontro em minha própria novidade, diferente e tão cativante quanto a sua, porém da qual você nem se esforça em participar.

A tristeza entrou no sonho. Nele, você não estava. Você havia tirado sua fotografia da cortiça na parede e vaticinado que eu só dou para os livros e não para os palcos. Por isso, você não estaria onde eu estivesse. No sono, no sono pesado e macilento, contudo, você apareceu. Estava tentando conversar comigo usando o diálogo de antes, de muitos meses atrás, como se só você estivesse experimentando as mudanças e as descobertas e eu continuasse igualzinha e idêntica àquela do passado. Acordei com um sabor azedo na boca. Você sabia que eu não era aquela de antes. Você notou, constatou. Por que então me forçava a caber naquele espaço obsoleto dentro de sua vida? Teve medo, desconfiança?


O tempo passou também para nós, o que em si não traz nenhum problema nem anuncia separação ou ruptura. Porém, você estabeleceu que eu não sei participar de sua jornada atual. Que minhas palavras não lhe servem, parecem irritantes até. Soltei um suspiro, comi uma colher de doce. Não adiantou. Dia desses, quando observava que o horizonte nem sempre é uma linha reta, meu deu uma baita saudade das perguntas que você não me fez: Qual o pôr-do-sol mais bonito que você viu? E a pimenta mais ardida? Em que grama gostou mais de estatelar-se? Qual foi o minuto que lhe passou mais devagar? E o mais rápido? E qual o olhar que lhe chamou mais atenção?

Você não quis saber. Satisfeita, talvez, com as mensagens esporádicas enviadas de lá, me deu a impressão de me punir, no cá, com um leve descaso ou com uma inexorável sentença de tempo: já passou. Seu tempo é gerundiano, está passando. Mas você me prendeu ao passado: ao meu, ao seu e ao nosso. Comecei a acinzentar-me, você ficou aliviada. Enquanto estou na toca, não lhe proponho novos desafios. Melhor assim.

Quando a cortina bateu forte contra a parede, por conta do vento ou de um despreparo mútuo de nossa parte, pensei de novo no “egoísmo da novidade”. Por si só, não é nada de mal ou de mais. Mas, quando ele delimita o espaço do outro em sua vida, oferecendo-lhe uniformes e um regulamento básico, faz chorar. Talvez ninguém esteja a princípio acostumado às mudanças, muito menos nós. Talvez porque tais mudanças sejam tão maiúsculas, respectivamente, que nos surpreendemos. Eu parei de boca aberta, coração acelerado, sinapses desconexas. Você até tentou me carregar para dentro das suas, mas dado meu ritmo outro, franziu a testa cansada e me restringiu a uma atuação inócua. Ah, sim, eu não dou para os palcos... nem para a música.


Não sei se tenho razão, nem quero a última palavra. Dispenso os rótulos “certa” e “errada”. Não filtro você no papel Melita de minhas experiências, de minhas conveniências. Não. Simplesmente a observo, agora de longe, absortas ambas. Continuo triste, no entanto. Sem entender, entendendo. Fique onde quiser ficar, aninhe-se onde melhor
lhe convier. Estarei feliz quando estiver, você sempre soube. Não é a proximidade física ou a posse que me importam. Mas, por favor, não me trate como uma desconhecida. Talvez minhas histórias sejam demasiado distantes, demasiado engajadas, vá lá, porém tente ao menos aceitar que existem – que são diferentes, vivas, amplas e edificantes. Porque são minhas. Não me restrinja a um ou dois discursos, como um CD riscado que não sai da faixa 2.


Ontem mesmo sentia o sabor de pêra com nozes. Falávamos sobre pôr-do-sol, epifanias e comunhões.
Quem é você agora?
Você também não quis saber...

2 comentários:

Débora Didonê disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Débora Didonê disse...

Às vezes me pergunto se já me senti verdadeiramente amada
E vejo verdadeiro amor como o amor por si só
Aquele que não espera, que não classifica, que não teoriza
Ele é, ele se manifesta
Mas ele também se liga à subjetividade humana. Nasce dela sem pedir licença
Ele vem, nos contagia, nos arrebata e, muita vezes, nos deixa à míngua
Não por querer nos deixar, mas porque não nos compreendemos sem ele, como se fosse parte do nosso respirar
Esse amor, esse sentimento gostoso e viciante, também vem de nós
Faz com que arrebatemos outros corações, com que viciemos outros em nós
Esse outro não quer perder teu amor. E pode se sentir à beira disso. Simplesmente, por não se compreender longe de ti
De repente, o outro se distancia, como uma espécie de defesa. O coração dele dói, a lágrima faz rolar apenas quando ele está em casa, só, imaginando-se sem ti
Não é fácil imaginar-se longe de quem amamos, por mais que acreditemos na sintonia de almas, na conversa à distância, no amor via ondas telepáticas
Às vezes parece mais fácil não tentar compreender que ficaremos longe desse amor. Ou não estamos prontos para compreender isso. Mas ele segue ali dentro, forte e intenso como sempre. Por que já sabemos o quanto ele nos faz bem (sem ponto final)