domingo, 12 de setembro de 2010

fugidios

Haveria de encontrar uma epifania escondida naquele estar-ali. Estar-ali com ele. O sol continuava em seu lugar, as ruas reluziam de alegria simples de existir. No ar, misturavam-se cheiros: cigarro, fuligem, perfume, fritura, doce, poluição, suores e hálitos. Muitos hálitos. A vida seguia normalmente, às vezes esperando o sinal verde para atravessar a faixa de pedestres. Ou freando no vermelho, se estava muito acelerada.
A epifania. Onde estaria?
Houve um relampejo de algo precioso. Um relampejo apenas, em meio à floresta onde o caçador gaguejava para si mesmo a vitória de ter laçado sua mais almejada presa. A presa não se sentia presa, sentia-se livre, selvagem, dona de si. Num pequeno momento, caçador e presa foram apenas dois seres humanos unidos por um desejo de lançar-se juntos a algum voo especial. Um desejo que não se consumou.
Estar-ali.
Talvez a epifania se encontrasse justamente encravada no estar-ali, naquele momento, naquela partilha diáfana e fugidia, naquela partilha que queria a todo momento escapar daqueles dois, um tão preocupado (com a caça), outra tão despreocupada (com ser presa). O ter-estado-ali, na intensidade de todos aqueles segundos, foi o que de mais belo poderia ter acontecido àqueles dois. Sim, ela concordaria, aí residiria a epifania.
Encontrara-a, por fim!
Ele voltaria à floresta, ao caçar. Satisfeita com aquela miúda descoberta, ela velejaria além-mar.

Um comentário:

NelsonMP disse...

Ir aprendendo a tirar leite de pedras é uma das habilidades mais importantes que podemos desenvolver. Pois é se tornando sensível e capaz de resgatar a essência de cada momento, por mais inexpressivo que seja, que nos vacinamos contra as ilusões.
"Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos." Fernando Pessoa