terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Era uma vez

ao Bico


Criancei-me novamente antes de me jogar no Bocó. As águas esverdeadas não se embarreavam nem com a chuvarada que caía sem parar – porque os rios da infância nunca mudam de cor. Via jacaré no tronco lascado, via cobra na folha enrolada, via eu mesmo de sorriso no rosto, marca de pernilongo na perna e muco no nariz que bem sabia respirar. Cada salto era uma grande novidade, a aventura de abraçar as águas que queriam me ninar. Tinha perigo de sanguessuga, a garotada falava em cobra, tia Senhorinha dizia: menino, acabou de comer mingau de banana com farinha... Mas eu estava lá, bocoiando no Bocó, bocoiando-me eu também, pois na aparente bobagem de criança a gente sempre é mais que sábio. Daí todo mundo ia se secar lá na praça, o pé grosso de barro, a camisa pingando de alegria, vontade de comer jaca e jogar futebol no time do Paulão. Sabia que no outro dia de sol o ribeirão estaria lá.

Mas podia ser que não.
Porque era uma vez um projeto de barragem, dessas de gerar energia para os monstros-indústrias, que queria inundar tudo, mandar a gente embora e acabar com o Bocó. Pra sempre.

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