sexta-feira, 15 de maio de 2009

A minha "Budapeste", releitura (1)

(caderno de viagem n.° 2, 2008)


Não sei bem como esse fascínio apareceu, começou ou se instalou aqui dentro. Certamente não foi nos primeiros dias, eu ainda às voltas com Partizan X Fenerbahçe e preconceitos alheios grudados em meus pensamentos. Passado o susto com tudo -- estar na Sérvia era um misto de curiosidade e auto-surpresa --, veio o enamoramento: eu queria porque queria entrar no mundo do alfabeto cirílico, compreendê-lo, decifrá-lo, devorá-lo, regurgitá-lo, desenhá-lo. E pirar com seus sons e formatos. Eu queria falar sérvio e, depois, escorregar para uma tentativa em russo, croata, bósnio. Autobuska stanica. Ja sam radio. Ko? Gde? Kada? Registrava como ouvia: velma stê liubasni. Dali mojetê da mi kajetê malo ossivom jivôtu? Delirava. "Kakoste!", dizia. "Previ put sam u Srbije. Ja sam novinarka." Oi, minha primeira vez na Sérvia, sou jornalista. Fiquei grande amiga de uma polonesa que vivia na República Checa. Voluntariamos nas montanhas próximas à fronteira com a Bulgária. Misturando seus dois idiomas, a amiga se fazia entender pelos sérvios. E resolvemos montar, as duas quixotescas, uma peça de teatro para a comunidade local. Em sérvio. "Hvala!", me agradecia a feliz platéia. Ah... Brat, sestra, kasnije... minhas adoráveis palavrinhas foram ficando para trás. Passou mês, virou ano, cabeça cheia, puxa, o português!, até ontem. Assistia a "Alexandra", filme russo do russo Sukorov, e algo se passou: COMPREENDI algumas palavras! Houve instantes em que me distraí da película, e fui a meu mundo repetindo a palavra reconhecida de significado reconhecido também, como se fosse um segredo, um mantra, um termo mágico. Experimentei novo delírio, uma rouquidão interna-interior de tanto gritar de prazer idiomático. Os créditos finais, em cirílico, me levaram a uma dimensão orgástica. Passeei com imensa satisfação pelos símbolos do meu fascínio. E decidi algo extravagante: que eu ainda aprendo esse alfabeto do caramba. Por meio do russo ou do idioma sérvio. Mas eu aprendo!

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