quarta-feira, 13 de maio de 2009

Eu, menina de lá, de cá

('A Menina de Lá' roseana, do Morro da Garça)


Menina pequena, ela tinha seus companheiros imaginários. E criava histórias sem-fim, onde as fronteiras não existiam e todos os mundos do mundo faziam parte de uma mesma trajetória, a dela. Pensava em passarinhos verdes e borboletas grandes e azuis e, embora não desejasse arco-íris, sabia fazer chover às vezes. Subia em jabuticabeiras, pés de pitanga e criava experimentos com formigas no quintal da avó. Criança criação criatura... No playground paulistano, inventava brincadeiras que recebiam logo adesões. Caça ao tesouro, show de calouros, nave espacial e, no comando de uma bicicleta, imaginava travessias e longas jornadas: carregava leites de caixinha e frutas para sobreviver fantasiosos longos períodos, caminhando num esmo de rumo certo.

Menina grande, ela lia e escrevia, escrevia e lia, observava a chuva da janela com aperto no coração e sonhava beijos em rapazes quase sempre impossíveis. Sonhava asas também, caminhava sozinha por suas florestas escuras de castelos embolorados. Aprendeu as rotas quase todas e desse convívio consigo mesma surgiu uma amizade duradoura e dourada. O inóspito do externo não atemorizava tanto, só a sofria muito, mas suas invenções continuavam a inspirá-la: suspirava nos infinitos de seus cheios e acampava em seus vazios, quando a lua chegava cheia e o sol se despedia gentil.

Mulher, ela redescobriu as veredas e os buritis que intuía, porém não apalpava. A travessia virou verdade e ela mudou seu compasso na hora de atravessar o tempo. Já sem agitos ou delitos contra si mesma, já bem mais favorável às temperaturas de si e do vento, do mar e do momento, das miudezas todas. Grande, grande, enorme, se tornou mais pouso para passarinhos verdes e passou a enxergar mais borboletas, de todas as cores, especialmente as azuis.

Enamorou-se dos primeiros cílios longos em Belém, compreendeu o desapego no Nada Yoga Ashram, chorou o chão de El Mosote, fez um trajeto noturno e mítico na Sierra Nevada. E, à beira do Córrego do Onça, reconheceu sua versão para “A Terceira Margem do Rio”. Chegou à outra margem, tendo passado pelo período de ‘dúvida pedrina’, quando andar sobre as águas exige uma coragem daquelas (como a dos castelos bolorentos e profundos), sob tormentas e escuridões, e pisou chão firme no desconhecido. Madrugada, quase manhã. E agora?

“Tant sols cal que entenguis realment el significat d'aquests versos grecs... No es fàcil... Jo encara ho intento... Quan ho entenguis, estaras més tranquila ja que sense saber on, sabrás perqué hi vas”, ele surpreendeu-me.

Sense saber on, sabrás perqué hi vas.
Está quase.

(A menina já do lado de cá)

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