domingo, 8 de fevereiro de 2009

sem clichês

(MFV, 2009)


Que dificuldade muitos têm de sair da superfície de si mesmos, escondidos atrás de cascas grossas, inteligências afiadas, rótulos cintilantes, perucas divertidas, perspicácia mundana ou perfume caro!

Que preguiça tenho diante dessas pessoas. Já não me atraem mais. O discurso oco -- ainda que belo na forma -- me soa clichê. Gente cuja escuta tem um limite limítrofe (por opção própria). Não escutam a si mesmas, como escutarão os outros?

Esse medo de visitar o próprio sótão, esse medo de enfrentar os espinhos encravados em carnes já necrosadas, esse medo da dor inerente à existência... tsc, tsc. Respeito o tempo interno das gentes e das coisas -- mas me torno impaciente para esse tipo de medo. Pre-gui-ça!


*


Poderia ter sido um dia como qualquer outro, talvez tenha sido. Houve palavras reverberantes pela manhã. Constatações, reconhecimentos. Os cardumes do fundo do mar continuam passando diante de meus olhos fascinados com a profundidade. As algas que só existem lá embaixo dão cócegas, trata-se de outra experiência do oxigênio. Houve a experiência do abandono e do deixar ir pela tarde. O que é abandono de fato e o que é uma despedida incompreendida. Quando é momento de partir, quando a vez é do outro, de o outro ir. Numa sala-retangular-encarpetada. Numa partilha com outras dezesseis pessoas. Poderia ter sido no sótão. Poderia, mas foi em conjunto, para que a dor também fosse partilhada e acolhida. As concavidades também escondem cavidades; a escolha, portanto, precisa ser completa. Corajosa, para o respiro, para o escuro. Houve epifania micromiúda pela noite. "Apenas uma Vez", vindo por mão de amiga querida. Ufa, sorvi a jóia. Um filme é mais que o arcabouço estético; e muitíssimo mais ainda que um produto rentável ou não. Esse dialogou comigo com suavidade e atenção. Ouviu-me também. O amor sem clichês. Uma história em que nossas expectativas são frustradas todo o tempo. Expectativas são nossas muletas diante do inesperado, do novo, do imprevisível, no desconhecido. Nosso refúgio tosco. Nossa ansiedade disfarçada. Aquele medo querendo se passar por vovozinha.
A entrega se faz necessária sempre -- é nisso em que acredito. Para que sejamos verdadeiros...


Em tempo oportuno, leitura poética de tudo isso. No momento, digestão. E azia, porque para mim também não é fácil.
::: Apenas Uma Vez (Once), de John Carvey, 2006 :::

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