sábado, 12 de junho de 2010

manjar branco

Diana apertou a mão de Clara, que retribuiu com um sorriso. Ambas imaginavam céus e sonhos no teto branco do quarto ainda mais branco em que Clara estava internada.
Te amo.
Nem os tubos, nem as cicatrizes, nem as manchas de relações passadas e ignóbeis causavam algum tipo de repulsa em Diana.
Te amo.
Os olhos oblíquos e aguados, agora opacos, outrora vívidos, de Clara retribuíram docemente os choros e a entrega de Diana. Não precisa dizer nada. Sinta, sinta, sinta que eu sinto, sinto, sinto também.
Impossível precisar quandos, comos e porquês. Uma tinha marido; a outra, uma agitada lista de parceiros casuais. Uma vivia entre violetas e begônias, distâncias e ausências; a outra lutava contra a escuridão torpe que, de vez em muito sempre, invadia armários, gavetas, malquereres e não-fazeres. No tempo elástico dos inícios, quando o amor ocupa pequenas brechas e deixa os minúsculos indícios, já instalado em ambos os lados, Clara se aconchegou no ombro dolorido de Diana e chorou suas feridas. As visíveis e as invisíveis. Ocorreu à Diana acariciar as mãos da amiga, tocar seu rosto, sorrir triste e cúmplice. Clara suspirou profundo, aproximou seus lábios daqueles outros lábios, e em segundos ambas se olharam extremas. Corajosas, mas reticentes, carentes e decididas, lançaram-se. Lançaram-se sem pensar, apenas sentindo, sentindo, sentindo. E não tinha mais como deixar de ali estar, naquele aconchego maduro e pleno de afeto, um mundo de janelas, jardins e ar fresco, de dois seres que se compreendiam muito bem. Extremamente bem.
Diana apertou ainda mais a mão de Clara, com uma delicadeza imensa, com uma presença intensa, mas apenas fiapos de uma existência agora fugidia conseguiram captar aquele gesto desesperado e dolorido de uma mulher em plena explosão de amor. Clara já se despedia daquele quarto branco, daquele teto branco, do sabor do manjar branco que Diana preparava quando queria fazê-la sorrir.
Com calda de ameixas...
Diana encostou seu rosto no de Clara para não perder um murmúrio que fosse. Já não havia mais quase cor no rosto de traços firmes, sobrancelhas grossas, longos cílios. Com calda de ameixas – desenhou Clara no ar, com dificuldade, com sonoridade, com a discrição das formigas miúdas. Diana chorava com ternura e dor, captando qualquer movimento daqueles lábios queridos, e concordando: é claro, um manjar com calda de ameixas. Para nós duas. Inevitavelmente, uma parte dela, Diana, ficou ali, naquela tarde, naquele quarto, naquele branco todo insosso, impávido talvez, muito distante dos dias felizes. Com calda de ameixa, Clara, com muita calda de ameixa.

4 comentários:

Usui de Itamaracá disse...

Caramba, que intenso, e sensível, e feminino!

Sem puxa-saquismo... esse é um dos melhores que já li aqui em seu blog... (o post passado também mexeu bastante comigo...)

Vou frquentar-te com mais frequencia ;)

NelsonMP disse...

Na imagem (foto):
o mesmo amor, atenção e aguinha colocado na planta, deve ser colocado também com carinho naquilo que estamos está escrevendo. Assim a Luz do Espírito Santo pode estar presente em ambos.

NelsonMP disse...

... a maneira como a Luz se fixa na folha de uma planta ou numa folha escrita de papel, mostra que o mistério da fotossíntese é ainda mais profundo do que a ciência imaginava.

maria disse...

PROFUNDÍSSIMO!!!