domingo, 27 de dezembro de 2009

Parola

(almoço em Montemurro, 2009)


Continuo passeando por esse idioma recém-aprendido, estalando de fresco nas estradas apenas construídas dentro do meu cérebro e, principalmente, de meu coração. Volta, volta, minha impressão é que estou escorregando do mundo de fantasia para o mundo de concreto esquecendo miudinho a miudinho todo aquele novo mundo que me acolheu de braços e sorrisos abertos. Volta, volta. Não quero me esquecer do condicional, do subjuntivo, mas principalmente do presente, do presente que essa língua me concedeu. Piano-piano, reformando rotas e pequenas choupanas no meu pensamento, abrindo janelas em paredes vazias. Sentimentos aos borbotões, reconhecimentos. Pertencimento, pertença. Penso num caldo, num brodo, num creme de pana, denso, no qual nado, nado, passeio, flutuo, me afogo e logo me redescubro. Canto as palavras, saltito nas cadências – um trajeto que fiz só meu além-gramáticas, além-sintaxe, além-grafias.


Hoje choro, choro dolorido e alegre, choro branco, choro azul, choro o cintilante dos lungomares visitados e tão experimentados cá dentro. Nesses pedaços de léxicos estão pedaços grandes e generosos de mim. Grandes. E de mim. Non ti dimenticarò, italiano, sei proprio mio.

Sofro de enamoramento crônico.
Ah, se eu pudesse desenamorar-me com a mesma facilidade, quando o cinza substituir o sol, quando naquele oceano não se permitirem mais sereias...

sábado, 26 de dezembro de 2009

Identità


Carrego quatro nomes e quatro histórias que, embaralhadas, me pertencem, me fazem. Me escolheram numa multidão de recém-nascidos e me batizaram, os nomes de forma dócil, as histórias de forma impiedosa, e agora sou eu e mais um monte de fagulhas de universo. Tenho de tecer, enquanto vivo, as colchas de significados perdidos, esquecidos ou celebrados. O nome. A identidade. A personalidade. O composto de células e neurônios, de seres e sentimentos. Sou feita de muitos, por isso minha sina é a inquietude. Os hebreus-palestinos fugidos. Os italianos medievais. A mítica Maryam. Os reis europeus Fernandos e Ferdinandos. Relatos de deslocamentos infinitos e inomináveis. Minha alma vaga, alma marcada de relatos mil mas leve de plumas aprendidas, vaga pelos ângulos de um mundo que se diz redondo – não há fronteiras, apenas esquinas. Meu pensamento às vezes voa para tempos imemoriais, sonhados ou antecipados, passados ou recorrentes. Não, não me pertenço. Porque não sei quem sou além desses quatro nomes e dessas quatro histórias, que carregam outras quatro, oito, dezesseis – e umas quantas vidas.

Te amo. Te amo. Te amo.
Não falei quando podia, agora solto assim, à toa, atordoada, porque não sei se um dia seus ouvidos ensurdecidos reconhecerão minha voz. Você continua aí, no calabouço de seus desalívios e desalinhos, apoiado no porão sem nem espiar a varanda, fechado.
Te amo. Te amo. Te amo.
Embora você queira estar só.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Nascita

(imediações de Belém, 2008)


Nasci em Belém, a cidade palestina das natividades, parida sob uma oliveira, num campo de refugiados, num campo de esperançados. Esperançados. Cresci entre as paisagens de Minas Gerais, rolei as pastagens, bebi chuva, quantas chuvas, e piquei formigas. Menina de lá! Virei adolescente sobre o mar, sobre o mar escorri meu sangue surpreso, sobre o mar descobri o amor. Amei o mar. O mar, o amor, amora, amargo, ramo, rosa. Vivi uma juventude povoada de esquinas, de ruas sujas, de cortiços perfumados de mofo e povoados de gente. Paulistanices. Ruas do Bexiga, ruas de bexigas, ruas bexiguentas, ruas túrgidas e tabus, concretos, gentes, calçadas, gentes, muros, ônibus e sinais. Um diploma, um trabalho, um avião. Cresci, cresci, cresci e me fiz alada, atravessei desertos, seduzi oceanos: porteña nordestina, italiana mexicana, paratiense esquisita de coração turco, muito turca, sertaneja cubana, sou palestina salvadoreña – de que Salvador? –, brasileira, paulistana tão mineira, meu Deus, crescendo, crescendo, brasileirando-me ainda mais, lato sensu, latina, latim, sou mundana, imunda, o mundo, sou. Sou muito, muitas, muitana.

Sou a pessoa mais eu mesma com a qual me deparo quando acordo. E isso me confere uma aura de solidão que dói às vezes, mas que gozo sem parar. E que desfruto sem temor, com os suspiros dos peregrinos errantes da linhagem mais obscura de Abraão, aquele, o nosso.

love is in the air

(capuccino romano com estilo, 2009)

...
(só espero que não se esqueça de pousar em mim)

domingo, 20 de dezembro de 2009

ainda era difícil para mim não me assustar com o grisalho de seus cabelos, fios portadores de histórias de toda uma vida. o entendimento justo veio quando, no meio do almoço, ele me olhou por alguns segundos que levaram horas para serem digeridos. meus olhos estavam inconscientemente fixos nos seus -- e fui pega de surpresa. o grisalho de seus cabelos ainda me assusta, sim, mas ele experimenta a mesma solidão que sinto. entendemos, ambos confusos, que ja não estaremos mais sozinhos. se quisermos, é claro. e isso é muito novo, demasiado.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Ma dai, lui mi ha detto.
Si, devo andare via, ho risposto.

C'era una luce diversa quello pommeriggio, però lui mai lo potrebbe imaginare. Anche io no sapevo che nevicava in decembre e che i giorni sarebbero stati troppo tristi sensa i nostri sentimenti di "insieme". Tutto è ormai passato quando il treno arriva.

Passato.
Si, la neve.