sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Nascita

(imediações de Belém, 2008)


Nasci em Belém, a cidade palestina das natividades, parida sob uma oliveira, num campo de refugiados, num campo de esperançados. Esperançados. Cresci entre as paisagens de Minas Gerais, rolei as pastagens, bebi chuva, quantas chuvas, e piquei formigas. Menina de lá! Virei adolescente sobre o mar, sobre o mar escorri meu sangue surpreso, sobre o mar descobri o amor. Amei o mar. O mar, o amor, amora, amargo, ramo, rosa. Vivi uma juventude povoada de esquinas, de ruas sujas, de cortiços perfumados de mofo e povoados de gente. Paulistanices. Ruas do Bexiga, ruas de bexigas, ruas bexiguentas, ruas túrgidas e tabus, concretos, gentes, calçadas, gentes, muros, ônibus e sinais. Um diploma, um trabalho, um avião. Cresci, cresci, cresci e me fiz alada, atravessei desertos, seduzi oceanos: porteña nordestina, italiana mexicana, paratiense esquisita de coração turco, muito turca, sertaneja cubana, sou palestina salvadoreña – de que Salvador? –, brasileira, paulistana tão mineira, meu Deus, crescendo, crescendo, brasileirando-me ainda mais, lato sensu, latina, latim, sou mundana, imunda, o mundo, sou. Sou muito, muitas, muitana.

Sou a pessoa mais eu mesma com a qual me deparo quando acordo. E isso me confere uma aura de solidão que dói às vezes, mas que gozo sem parar. E que desfruto sem temor, com os suspiros dos peregrinos errantes da linhagem mais obscura de Abraão, aquele, o nosso.

Um comentário:

Charmene disse...

Adoro seu blog seus escritos,leio coisas que eu poderia ter escrito por pensar parecido...
Nasci por acaso carioca,unica brasileira numa casa de portugueses meio mouros, rodei o Brasil ate os 10 anos onde finquei raizes nas Minas Gerais. Amo o mar,amora, rosa e só vivo em paz porque onde moro passa um rio que corre para o mar... Só perto do mar me sinto feliz, como se fizesse parte dele...
Feliz 2010!
Charmene