quinta-feira, 23 de julho de 2009

Parada naquela estação

(MT, 2009)


Era um dia incrivelmente bonito: ensolarado, com algumas poucas nuvens inventando sombras e frescores e uma mescla de perfumes difusos anunciando tarde cheia de promessas. Um dia que se revelava enternecido. Um dia para uma reconciliação, um sorriso, um laço – e não para uma partida.

Mas foi quando você decidiu ir. Respirou fundo ao se espreguiçar. Na verdade, você não tinha dormido. Virara tanto na cama quanto suspirara embaixo dos lençóis, tentando dialogar com os espaços de tempo entre os segundos, para que o relógio não avançasse, e com os espaços entre nós, na tentativa de corrigir abismos. Também eu não dormira. Me forçara a sonhar acordada, imaginando uma compilação de novos verbetes que nos ajudasse a lidar com os diálogos já sem rumo. Respirou fundo. Entendi. Voltou seus olhos úmidos para os meus, já secos e inchados, tocou meu rosto. Não nos doíamos pela possibilidade de um de nós amar um outro, uma outra. Doíamos porque já não nos amávamos, porque sabíamos disso e porque, embora parecesse certo tentar remontar o quebra-cabeça de nossas emoções e querências, não tentávamos. Sua mão tocou meu rosto, meu colo, meus seios, minhas pernas, minhas costas, meus cabelos, seus lábios roçavam os meus, gozamos juntos com os olhos fixos nos olhos do outro. Impávidos. Você, então, se levantou. Vestiu-se. Lentamente juntou seus ternos, suas camisas, suas calças. Dobrava com cuidado, como nunca fizera. Eu soluçava – você buscou um copo d’água, sentou ao meu lado, segurou minha mão. Chorou. Recorríamos os mesmos recantos do quarto com nossas lembranças: a escrivaninha, a poltrona, o armário, o quadro, a luminária, nossos chinelos. Recolhi suas meias na gaveta, suas cuecas e, com delicadeza, coloquei na mala. Respirou fundo de novo. Respirei fundo em dueto. Não dissemos nada. O silêncio carregava tantas juras quanto cobranças e ambos estávamos cansados. Quando você saiu do quarto, do apartamento, fechei as janelas novamente. Puxei as cobertas, me escondi nos espaços já preenchidos no lençol, nas dobras que guardavam seu cheiro. Fechei os olhos com força, voltei a soluçar, rebobinei a manhã, a madrugada, a noite, a vida inteira. Ouvi o apito do trem, corri para a estação. Balançando os pezinhos no ar, me mantive aguardando a chegada do trem – e do outro, e do seguinte, e do que vinha depois, e do que vinha no outro dia, na outra semana, no outro mês. Você nunca veio com o trem. Você nunca voltou com o trem.

Fecho os olhos com força todas as vezes que a janela denuncia um dia ensolarado, com algumas poucas nuvens, tardes que querem trazer promessas. Sempre prolongo o sonho, inventando todas as vezes a mesma partida. Você respirou fundo. Eu pus suas meias na mala. Nos olhávamos fixamente enquanto gozávamos. Porque você nunca partiu – você desapareceu. E isso abriu um buraco tão imenso em meu gostar que sucumbi à queda. Eu preciso desta estação porque você nunca foi embora. Você, simplesmente, dissolveu-se numa tarde morna qualquer, como se jamais houvesse existido. Como se eu o tivesse inventado. Como se não tivesse havido um casal eu e você, você e eu – prolixo, imperfeito, sanguíneo.



Até hoje fico parada naquela estação, imaginando trens. Um trem que traga você – para que, finalmente, possa partir.

Um comentário:

Anônimo disse...

Como diria o rei, "se chorei ou se sofri, o importante é que emoções eu vivi".

Aninha