quinta-feira, 1 de maio de 2008

adeus

É tempo de travessia, eu sei. Travessia no sentido mais pessoal e mais Pessoa do termo. Mas não contenho as lágrimas. Olho para meu quarto bagunçado, para o meu cotidiano espalhado sobre a cama, o carpete, a mesa do computador. A estante em desordem, o armário quase ajeitado, meus espaços, meus tão reconhecidos e conhecidos espaços, e as lágrimas pedindo liberdade dos meus olhos. Queremos escorrer até a alma, me suplicam.
Fique, você poderia dizer. Você até diz. De um jeito ou de outro, escuto você falar. Mesmo que nem se dê conta. Eu também quero ficar. Mas igualmente quero ir.
Parece simples. Outros foram antes de mim: cursos longos de inglês, round-the-world trip em casal, turismo de bicicleta, amigo morando em Paris, amiga que acabou de voltar da Austrália, outra que ficou dois anos fora e eu a acompanhei ao aeroporto. Diante de todos eles, tanto você quanto eu tínhamos a certeza do retorno. Mas... e eu? Por que eu não tenho tal certeza?
O frio lá de fora parece um frio imenso e universal. Um frio que me coloca no aconchego do lar. Meu lar. Eu, você, nós, todos juntos. Mas meu bote está na margem e me espera, o bote que eu construí, no qual pus todo meu empenho e minha motivação. E agora tenho medo de subir nele. Tenho medo de me sentir só. De estar no meio da travessia, do rio, correntes, ventanias, e me sentir só. Sem você, sem ela, sem ele. Você sabe disso.
Do outro lado da margem, nenhuma expectativa. Como você atravessa um rio sem esperar nada? Não sei, mas assim ocorre. Sinto apenas que devo atravessar. Estarei à minha espera lá do outro lado. Não sei se caberei nas antigas roupas. Se o armário será ainda aquele meu armário. Se você será você, se nós nos reconheceremos de novo.
Mas há um rio. O rio tem duas margens. O rio leva ao mar.
Talvez nosso medo, o meu e o seu, seja o de que eu jamais retorne à primeira margem. Que eu me encante de tal forma que siga direto para o mar.
Anteontem machuquei o dedo, o polegar esquerdo. Fiz um corte. Saiu sangue. Pingou no chão, doeu. Carregarei a pequena cicatriz comigo. Pois então. A gente sabe que, se eu for, quando eu for, preciso ir inteira e levar meu coração. Você vai nele, é claro. Mas ele vai comigo, meu coração vai todo comigo. Por isso também choro, de saudade, de carinho, de não poder expressar meu afeto com meus braços. De olhar, desde o bote, e vê-los na margem primeira. De ter de fazer o périplo para voltar.
Por que você não fica?, uma última tentativa.
Porque, se eu não atravessar, jamais saberei quem sou de verdade! Mas, acredite, não é fácil. Não é fácil. Não quero ser só forte agora, quero ser corajosa. E permitir que venham todos os choros, todas os cansaços, todos os enjôos, todos os suores. Porque sei que vão passar.
Você vai me acompanhar, não é?

3 comentários:

Anônimo disse...

Na mesma fase. O mesmo medo, mas a mesma sensação de que devo partir. Idênticas determinação e coragem. Lembro que uma vez, aprendi sobre o incosciente coletivo, em uma aula sobre Jung. Isso desmistifica coincidências.

Anônimo disse...

Ferdinanda, em que pé está o grupo do gmail? Eu enviei uma mensagem, mas ainda não fui adicionado; vc pode colocar meu nome na lista?
iforneron@gmail.com
ou
forneron@uol.com.br

Um grande beijo!

Ibán

Mariana Ruggiero disse...

Nunca me identifiquei tanto com um texto como o seu. Todos eles. Todas as palavras. Você escreve o que vê, o que sente. Talvez por isso. . . seja tão bom. Tão fantástico.

Deixo aqui meu registro.
Abraços.
Mariana.

marianacoutinho.blogspot.com