Tinha pouco mais de 40 anos, garota de Ipanema, cheia de bossa e risada. Inventava uma tirada nova a cada dia, provava uma caipirinha diferente diariamente, tinha a palavra certa para cada saia-justa. E tudo ia muito bem, obrigada. Vez ou outra, ela se ressentia desses homens mal-humorados, bofes em geral com bafo, batia lá no fundo do peito uma vontade inconfessa e indigesta de um amor verdadeiro. Enquanto ele não vinha, ela estudava, fazia pós, mergulhava em Nietzsche e em Spinoza, ouvia Bethânia e um pouco de Nara Leão, curtia o Grupo Tapa pelo nome e o Galpão pela técnica, inventava dinâmicas e dinamizava os encontros dos quais participava. Era a perfeita gente fina, gente boa, que todo mundo queria na feijoada de sábado na terra da garoa, nos botecos de Santa Teresa ou, quem sabe, num restaurante do Savassi, de Beagá. Prezava suas amizades, ah, que calorosa, embora detestasse praia e embora fosse, no fundo, intransigente com os membros de seu séquito que se afastavam sem permissão. Ou pior: que passavam a integrar outro séquito.
Pois tinha uma característica quase incontrolável essa mulher que hablaba español com a desenvoltura de quem cantava Roberto Carlos desde criancinha, que falava inglês como se tivesse feito aula de dança com Sinatra (ele dava aula?), essa mulher que lia Clarice e Brecht, que falava de paz e de Iemanjá, que tinha um sotaque que nem era assim tão forte. Essa mulher sofria da doença da unanimidade, de uma necessidade urgente de adoração, precisava dos louros e dos estouros, os olhos todos vidrados em sua pessoa, devia ser sempre ela, ela, ela. Tinha esse sonho louco de ser ininterruptamente o centro das atenções. Uma superstar em senso genuíno, aquela pessoa que não precisa de passaporte em nenhum controle de imigração do mundo, porque todos – fascinados com sua garbosidade – sempre dirão: allez, allez, allez! Porque ela era, incontestavelmente, a mais legal.
A doença da unanimidade começou miúda na adolescência, passou batida na juventude, mas se espalhava, maligna e cruel, na fase adulta. Se aparecesse outra pessoa que ofuscasse seu brilho, ela logo se ouriçava e sentia a mais aguda das dores de cotovelo. Tornava-se irracional, nem refletia. Tinha de ser sempre ela, ela, ela, e só ela, ela, ela. Por isso, a fim de destruir a reputação dos demais, usava palavras pesadas e referências amargas, inventadas ou aumentadas até a deformidade. Não tinha pudores quanto à fofoca: nenhuma mulher era, no conjunto da obra, mais atraente que ela, a superstar!
Displicente quanto à doença, fingindo que era fruto de macumba ou de inveja alheia (certamente, ela se acreditava muito invejada), não se deu conta de quando apareceu numa festa, aos berros, desancando a aniversariante, essa idiota que concentrava as atenções. Ofendeu uma antiga amiga, porque se julgou ignorada numa simples mensagem de boas festas. Passou a humilhar publicamente os rapazes que não a cortejavam, os caixas de bancos e de supermercados porque não lhe faziam as justas mesuras e os motoristas que tinham carros aparentemente mais chamativos que o seu. Estava fora do controle – e só reconheceu a doença quando acordou afundada em seu próprio e imenso umbigo, suando horrores, acreditando ter sido engolida pelo centro do universo. Socorro!
Hoje ela participa de terapias em grupo e reconhece que a companheira mais magra é tão simpática quanto ela. Que a senhora de cabelo curto pode ser também tão divertida. Que há outros mais bonitos, mais viajados, mais populares, mais afinados – e que isso não tira seu charme nem diminui seu carisma. Hoje ela até vai à praia, para molhar os tornozelos e deixar-se misturar com a imensidão. Sabe que tem um espaço só seu e nem se comove mais quando vê os holofotes, as faixas de miss simpatia e as listas masculinas de as mais gostosas. Ou quando ouve “Garota de Ipanema”, que acreditava ter sido composta para ela. Passou a freqüentar o UAU!, grupo dos Uns Anônimos Unânimes!, no qual às vezes é solenemente ignorada, mas em outras é tida como a mais legal. É, suspira enquanto se olha no espelho, tem mesmo um monte de gente bacana no mundo!
Pois tinha uma característica quase incontrolável essa mulher que hablaba español com a desenvoltura de quem cantava Roberto Carlos desde criancinha, que falava inglês como se tivesse feito aula de dança com Sinatra (ele dava aula?), essa mulher que lia Clarice e Brecht, que falava de paz e de Iemanjá, que tinha um sotaque que nem era assim tão forte. Essa mulher sofria da doença da unanimidade, de uma necessidade urgente de adoração, precisava dos louros e dos estouros, os olhos todos vidrados em sua pessoa, devia ser sempre ela, ela, ela. Tinha esse sonho louco de ser ininterruptamente o centro das atenções. Uma superstar em senso genuíno, aquela pessoa que não precisa de passaporte em nenhum controle de imigração do mundo, porque todos – fascinados com sua garbosidade – sempre dirão: allez, allez, allez! Porque ela era, incontestavelmente, a mais legal.
A doença da unanimidade começou miúda na adolescência, passou batida na juventude, mas se espalhava, maligna e cruel, na fase adulta. Se aparecesse outra pessoa que ofuscasse seu brilho, ela logo se ouriçava e sentia a mais aguda das dores de cotovelo. Tornava-se irracional, nem refletia. Tinha de ser sempre ela, ela, ela, e só ela, ela, ela. Por isso, a fim de destruir a reputação dos demais, usava palavras pesadas e referências amargas, inventadas ou aumentadas até a deformidade. Não tinha pudores quanto à fofoca: nenhuma mulher era, no conjunto da obra, mais atraente que ela, a superstar!
Displicente quanto à doença, fingindo que era fruto de macumba ou de inveja alheia (certamente, ela se acreditava muito invejada), não se deu conta de quando apareceu numa festa, aos berros, desancando a aniversariante, essa idiota que concentrava as atenções. Ofendeu uma antiga amiga, porque se julgou ignorada numa simples mensagem de boas festas. Passou a humilhar publicamente os rapazes que não a cortejavam, os caixas de bancos e de supermercados porque não lhe faziam as justas mesuras e os motoristas que tinham carros aparentemente mais chamativos que o seu. Estava fora do controle – e só reconheceu a doença quando acordou afundada em seu próprio e imenso umbigo, suando horrores, acreditando ter sido engolida pelo centro do universo. Socorro!
Hoje ela participa de terapias em grupo e reconhece que a companheira mais magra é tão simpática quanto ela. Que a senhora de cabelo curto pode ser também tão divertida. Que há outros mais bonitos, mais viajados, mais populares, mais afinados – e que isso não tira seu charme nem diminui seu carisma. Hoje ela até vai à praia, para molhar os tornozelos e deixar-se misturar com a imensidão. Sabe que tem um espaço só seu e nem se comove mais quando vê os holofotes, as faixas de miss simpatia e as listas masculinas de as mais gostosas. Ou quando ouve “Garota de Ipanema”, que acreditava ter sido composta para ela. Passou a freqüentar o UAU!, grupo dos Uns Anônimos Unânimes!, no qual às vezes é solenemente ignorada, mas em outras é tida como a mais legal. É, suspira enquanto se olha no espelho, tem mesmo um monte de gente bacana no mundo!
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