Ele disse.
Ele também disse.
" "
Ele retrucou.
Ele igualmente retrucou.
--
Ele afirmou.
Também ele afirmou.
.
Ele perguntou.
Ele igualmente perguntou.
[ ]
Estavam ambos sentados nos degraus de um desses centros comerciais meio clandestinos, mais de 10h da noite, garoa fina lambendo a cidade, uma densidade inóspita na fadiga paulistana e eles dois ali, sentados nos degraus, meio clandestinos, diante de um centro comercial fechado, sob a garoa, no meio da cidade, mais de 10h da noite, sentados em degraus meio clandestinos, pois se encontravam na mesma situação: o amor entre eles era tão ardido, tão ardido, que nenhum queria tomar para si a responsabilidade. Amar, arder, arder, amar, sempre meio clandestinos, sempre em degraus, nunca num plano, um mesmo, o deles, garoando um no outro sempre, sem banhar, sem secar, só espirrando-se. Na noite. No meio da cidade.
Daí o excesso de discurso.
Ele foi.
Ele também foi.
Os dois. Embora.
Ela era a mulher da saia rodada e florida, do sorriso no rosto, do belo buquê de gérberas cor de rosa nas mãos em pleno lusco-fusco. Era ela.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
conjugação
Eu te esqueço
Tu me esqueces
Nós nos esquecemos
-- sou a melhor aluna da classe, mas apenas finjo aprender.
Tu me esqueces
Nós nos esquecemos
-- sou a melhor aluna da classe, mas apenas finjo aprender.
Ele era apaixonante. Mas carregava um cartaz invisível, em letras garrafais, ocultas por seu charme e sua natureza despojada: "Proibido se apaixonar". A dúvida permanecia: era proibido a ele se apaixonar ou era proibido se apaixonar por ele? Eu queria ter sido anarquista, revolucionária, rebelde e mandado à merda qualquer uma das possíveis restrições.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
ainda sobre a saudade
não estava acostumada a receber saudade alheia, acho que ainda não estou, fico atordoada, envergonhadinha, mais rosada e mais pensativa. parece que não entendo por que sentem minha falta, pensam em mim nos momentos em que me ausento da vida deles, por que grudo em seus sentimentos por tempos a fio. muitos não me escrevem nem telefonam, só se deixam guiar pela saudade, enquanto eu imagino esquecimentos vários e longínquos. sou pessoa de entender silêncios, mas às vezes confundo tudo e fico pensando que me dissolvo com tremenda facilidade. daí suspiro tristezinhas e tripinhas. mas, pelo jeito, não é bem assim, não.
havia aquela saudade encardida, escondida nos fundos do armário, embolorada posto que úmida, ainda úmida, mesmo depois de tanto tempo. era um trapo de saudade, outrora cheio de frescor e ardor, outrora cheia de flores de chita e sabores, um registro apenas, não segurava mais os fios finos de meu cabelo rebelde nem minha cintura oscilante, senhora de um peito que ofegava ainda ritmado. desafiante.
saudade, meu negócio é cantar.
saudade, meu negócio é cantar.
terça-feira, 13 de outubro de 2009
A doença da unanimidade (ou I'm too sexy for myself)
Tinha pouco mais de 40 anos, garota de Ipanema, cheia de bossa e risada. Inventava uma tirada nova a cada dia, provava uma caipirinha diferente diariamente, tinha a palavra certa para cada saia-justa. E tudo ia muito bem, obrigada. Vez ou outra, ela se ressentia desses homens mal-humorados, bofes em geral com bafo, batia lá no fundo do peito uma vontade inconfessa e indigesta de um amor verdadeiro. Enquanto ele não vinha, ela estudava, fazia pós, mergulhava em Nietzsche e em Spinoza, ouvia Bethânia e um pouco de Nara Leão, curtia o Grupo Tapa pelo nome e o Galpão pela técnica, inventava dinâmicas e dinamizava os encontros dos quais participava. Era a perfeita gente fina, gente boa, que todo mundo queria na feijoada de sábado na terra da garoa, nos botecos de Santa Teresa ou, quem sabe, num restaurante do Savassi, de Beagá. Prezava suas amizades, ah, que calorosa, embora detestasse praia e embora fosse, no fundo, intransigente com os membros de seu séquito que se afastavam sem permissão. Ou pior: que passavam a integrar outro séquito.
Pois tinha uma característica quase incontrolável essa mulher que hablaba español com a desenvoltura de quem cantava Roberto Carlos desde criancinha, que falava inglês como se tivesse feito aula de dança com Sinatra (ele dava aula?), essa mulher que lia Clarice e Brecht, que falava de paz e de Iemanjá, que tinha um sotaque que nem era assim tão forte. Essa mulher sofria da doença da unanimidade, de uma necessidade urgente de adoração, precisava dos louros e dos estouros, os olhos todos vidrados em sua pessoa, devia ser sempre ela, ela, ela. Tinha esse sonho louco de ser ininterruptamente o centro das atenções. Uma superstar em senso genuíno, aquela pessoa que não precisa de passaporte em nenhum controle de imigração do mundo, porque todos – fascinados com sua garbosidade – sempre dirão: allez, allez, allez! Porque ela era, incontestavelmente, a mais legal.
A doença da unanimidade começou miúda na adolescência, passou batida na juventude, mas se espalhava, maligna e cruel, na fase adulta. Se aparecesse outra pessoa que ofuscasse seu brilho, ela logo se ouriçava e sentia a mais aguda das dores de cotovelo. Tornava-se irracional, nem refletia. Tinha de ser sempre ela, ela, ela, e só ela, ela, ela. Por isso, a fim de destruir a reputação dos demais, usava palavras pesadas e referências amargas, inventadas ou aumentadas até a deformidade. Não tinha pudores quanto à fofoca: nenhuma mulher era, no conjunto da obra, mais atraente que ela, a superstar!
Displicente quanto à doença, fingindo que era fruto de macumba ou de inveja alheia (certamente, ela se acreditava muito invejada), não se deu conta de quando apareceu numa festa, aos berros, desancando a aniversariante, essa idiota que concentrava as atenções. Ofendeu uma antiga amiga, porque se julgou ignorada numa simples mensagem de boas festas. Passou a humilhar publicamente os rapazes que não a cortejavam, os caixas de bancos e de supermercados porque não lhe faziam as justas mesuras e os motoristas que tinham carros aparentemente mais chamativos que o seu. Estava fora do controle – e só reconheceu a doença quando acordou afundada em seu próprio e imenso umbigo, suando horrores, acreditando ter sido engolida pelo centro do universo. Socorro!
Hoje ela participa de terapias em grupo e reconhece que a companheira mais magra é tão simpática quanto ela. Que a senhora de cabelo curto pode ser também tão divertida. Que há outros mais bonitos, mais viajados, mais populares, mais afinados – e que isso não tira seu charme nem diminui seu carisma. Hoje ela até vai à praia, para molhar os tornozelos e deixar-se misturar com a imensidão. Sabe que tem um espaço só seu e nem se comove mais quando vê os holofotes, as faixas de miss simpatia e as listas masculinas de as mais gostosas. Ou quando ouve “Garota de Ipanema”, que acreditava ter sido composta para ela. Passou a freqüentar o UAU!, grupo dos Uns Anônimos Unânimes!, no qual às vezes é solenemente ignorada, mas em outras é tida como a mais legal. É, suspira enquanto se olha no espelho, tem mesmo um monte de gente bacana no mundo!
Pois tinha uma característica quase incontrolável essa mulher que hablaba español com a desenvoltura de quem cantava Roberto Carlos desde criancinha, que falava inglês como se tivesse feito aula de dança com Sinatra (ele dava aula?), essa mulher que lia Clarice e Brecht, que falava de paz e de Iemanjá, que tinha um sotaque que nem era assim tão forte. Essa mulher sofria da doença da unanimidade, de uma necessidade urgente de adoração, precisava dos louros e dos estouros, os olhos todos vidrados em sua pessoa, devia ser sempre ela, ela, ela. Tinha esse sonho louco de ser ininterruptamente o centro das atenções. Uma superstar em senso genuíno, aquela pessoa que não precisa de passaporte em nenhum controle de imigração do mundo, porque todos – fascinados com sua garbosidade – sempre dirão: allez, allez, allez! Porque ela era, incontestavelmente, a mais legal.
A doença da unanimidade começou miúda na adolescência, passou batida na juventude, mas se espalhava, maligna e cruel, na fase adulta. Se aparecesse outra pessoa que ofuscasse seu brilho, ela logo se ouriçava e sentia a mais aguda das dores de cotovelo. Tornava-se irracional, nem refletia. Tinha de ser sempre ela, ela, ela, e só ela, ela, ela. Por isso, a fim de destruir a reputação dos demais, usava palavras pesadas e referências amargas, inventadas ou aumentadas até a deformidade. Não tinha pudores quanto à fofoca: nenhuma mulher era, no conjunto da obra, mais atraente que ela, a superstar!
Displicente quanto à doença, fingindo que era fruto de macumba ou de inveja alheia (certamente, ela se acreditava muito invejada), não se deu conta de quando apareceu numa festa, aos berros, desancando a aniversariante, essa idiota que concentrava as atenções. Ofendeu uma antiga amiga, porque se julgou ignorada numa simples mensagem de boas festas. Passou a humilhar publicamente os rapazes que não a cortejavam, os caixas de bancos e de supermercados porque não lhe faziam as justas mesuras e os motoristas que tinham carros aparentemente mais chamativos que o seu. Estava fora do controle – e só reconheceu a doença quando acordou afundada em seu próprio e imenso umbigo, suando horrores, acreditando ter sido engolida pelo centro do universo. Socorro!
Hoje ela participa de terapias em grupo e reconhece que a companheira mais magra é tão simpática quanto ela. Que a senhora de cabelo curto pode ser também tão divertida. Que há outros mais bonitos, mais viajados, mais populares, mais afinados – e que isso não tira seu charme nem diminui seu carisma. Hoje ela até vai à praia, para molhar os tornozelos e deixar-se misturar com a imensidão. Sabe que tem um espaço só seu e nem se comove mais quando vê os holofotes, as faixas de miss simpatia e as listas masculinas de as mais gostosas. Ou quando ouve “Garota de Ipanema”, que acreditava ter sido composta para ela. Passou a freqüentar o UAU!, grupo dos Uns Anônimos Unânimes!, no qual às vezes é solenemente ignorada, mas em outras é tida como a mais legal. É, suspira enquanto se olha no espelho, tem mesmo um monte de gente bacana no mundo!
domingo, 11 de outubro de 2009
generosidade dos nossos tempos
Beto não se importava em pagar uma rodada de cerveja aos colegas de trabalho, não rachar o estacionamento quando dava carona ou subtrair algumas dezenas de reais dos gastos de combustível da conta dos amigos que vez ou outra acompanhavam-no na ida à praia. Beto era tido como um cara generoso – e, de fato, entre os seus, não hesitava em pagar sanduíche alheio quando fazia questão de determinada companhia. Raramente deixava as namoradas abrirem as bolsas no jantar à luz de velas; claro, respeitava aquelas que faziam questão de dividir, mas delicadamente compensava com flores durante a semana. Beto também acudia os parentes, mesmo antes de lhe pedirem algo. A generosidade, mais que um gesto espontâneo, um traço de sua personalidade, era uma obrigação prazerosa para Beto. Tinha que, tinha de. Precisava, por alguma razão obscura de seu passado difícil e pontuado por privações, evitar que a gente querida se sentisse impedida de fazer algo por causa de dinheiro.
Mas, para Beto, gradativamente todas as outras relações – humanas, financeiras e até políticas – passaram a ser mediadas por dinheiro. Seria seu trabalho, dez ou mais horas diárias rodeado por cifrões e discussões sobre reais, dólares, euros, libras? Considerava injusto pagar tal quantia por um grelhado no almoço; se fosse um ensopado, ficava menos aborrecido. Os preços das coisas subiam, o combustível, o teatro, a soja, até o barbeiro, Beto chiava, mas pagava. Jamais fraudou o Imposto de Renda. Jamais desonrou seus compromissos. Dizia que o governo era refém das atrocidades especulativas, mas repetia detestar política. Tudo para Beto era pagável. Se caísse na rua, como ocorreu uma vez, sentia-se no dever de pagar ao samaritano que o acudisse, como fez ao homem que o ajudou a levantar e gentilmente recolheu os papéis de sua pasta. Quando a mãe lhe levava uma torta ou o arrozinho-da-infância, sentia o impulso de pagar-lhe. Mas, filho, faço isso por amor! Uma amiga deu-lhe umas fotos do fim de semana na praia e ele, impulsivamente, lhe pagou por isso. Certo dia, tão habituado, depois do sexo foi logo abrindo a carteira para agradecer à nova namorada por prazer tão especial. Pediu desculpas quando ela lhe bateu a porta na cara, mas não pestanejou ao pagar o porteiro que a ajudou a encontrar um táxi naquela hora.
Beto acreditava na generosidade – na dele, mas não na dos outros. Criticava essa gente interesseira que só pensava em dinheiro e não sabia mais o que era partilha. Deu quantia vultosa ao moleque, um turista também, que o acompanhou naquela bela trilha da praia carioca, durante o feriado de Corpus Christi. Não entendeu a indignação do amigo do amigo que, em pleno domingo à noite, passou em sua casa para entregar-lhe o pen drive esquecido. Será que ele achou pouco 50 reais?, perguntou-se. Um dia, uma senhora puxou papo com ele na livraria que adorava frequentar. Contou-lhe histórias de infância, motivada talvez pelo título de uma obra. Comovido, Beto quis lhe pagar; não tinha dinheiro, indagou se ela aceitava cheque ou cartão de débito. Ninguém tem obrigação de nada nessa vida, afirmava Beto, por isso cada gesto tem seu preço. Suspirava: culpa desse capitalismo selvagem que nos ronda...
Ele tinha salário de cinco dígitos, poupança e fundos de seis dígitos e nutria um certo medo das oscilações econômicas desse governo de merda. Não sei se o dinheiro vai dar, não sei... Porém, não divulgava tais preocupações íntimas, não queria apavorar os amigos, a família. Tampouco ajudava os pedintes na rua: não posso lhes dar o peixe, afirmava. Alguém precisa ensinar-lhes a pescar.
Beto era honesto, nada arrogante, não ostentava seus cifrões, rapaz simples, e, vez ou outra, quando tinha de pegar metrô, pois o carro ia para a oficina, achava injusto o preço da passagem. Solidarizava-se com os anônimos, trabalhadores como ele. Beto era querido, pois não deixava de ajudar um amigo. Beto era cidadão, pois pagava seus impostos e contas corretamente. Na somatória de tudo, diríamos, Beto é um homem dos nossos tempos. Beto tem a generosidade dos nossos tempos. Beto estranhou, dia desses, quando quis pagar a si mesmo pela bondade que o reflexo no espelho teve ao lhe sorrir, assim tão enternecido, tão espontaneamente. Só podia ser sinal dos tempos. Desses nossos tempos.
Mas, para Beto, gradativamente todas as outras relações – humanas, financeiras e até políticas – passaram a ser mediadas por dinheiro. Seria seu trabalho, dez ou mais horas diárias rodeado por cifrões e discussões sobre reais, dólares, euros, libras? Considerava injusto pagar tal quantia por um grelhado no almoço; se fosse um ensopado, ficava menos aborrecido. Os preços das coisas subiam, o combustível, o teatro, a soja, até o barbeiro, Beto chiava, mas pagava. Jamais fraudou o Imposto de Renda. Jamais desonrou seus compromissos. Dizia que o governo era refém das atrocidades especulativas, mas repetia detestar política. Tudo para Beto era pagável. Se caísse na rua, como ocorreu uma vez, sentia-se no dever de pagar ao samaritano que o acudisse, como fez ao homem que o ajudou a levantar e gentilmente recolheu os papéis de sua pasta. Quando a mãe lhe levava uma torta ou o arrozinho-da-infância, sentia o impulso de pagar-lhe. Mas, filho, faço isso por amor! Uma amiga deu-lhe umas fotos do fim de semana na praia e ele, impulsivamente, lhe pagou por isso. Certo dia, tão habituado, depois do sexo foi logo abrindo a carteira para agradecer à nova namorada por prazer tão especial. Pediu desculpas quando ela lhe bateu a porta na cara, mas não pestanejou ao pagar o porteiro que a ajudou a encontrar um táxi naquela hora.
Beto acreditava na generosidade – na dele, mas não na dos outros. Criticava essa gente interesseira que só pensava em dinheiro e não sabia mais o que era partilha. Deu quantia vultosa ao moleque, um turista também, que o acompanhou naquela bela trilha da praia carioca, durante o feriado de Corpus Christi. Não entendeu a indignação do amigo do amigo que, em pleno domingo à noite, passou em sua casa para entregar-lhe o pen drive esquecido. Será que ele achou pouco 50 reais?, perguntou-se. Um dia, uma senhora puxou papo com ele na livraria que adorava frequentar. Contou-lhe histórias de infância, motivada talvez pelo título de uma obra. Comovido, Beto quis lhe pagar; não tinha dinheiro, indagou se ela aceitava cheque ou cartão de débito. Ninguém tem obrigação de nada nessa vida, afirmava Beto, por isso cada gesto tem seu preço. Suspirava: culpa desse capitalismo selvagem que nos ronda...
Ele tinha salário de cinco dígitos, poupança e fundos de seis dígitos e nutria um certo medo das oscilações econômicas desse governo de merda. Não sei se o dinheiro vai dar, não sei... Porém, não divulgava tais preocupações íntimas, não queria apavorar os amigos, a família. Tampouco ajudava os pedintes na rua: não posso lhes dar o peixe, afirmava. Alguém precisa ensinar-lhes a pescar.
Beto era honesto, nada arrogante, não ostentava seus cifrões, rapaz simples, e, vez ou outra, quando tinha de pegar metrô, pois o carro ia para a oficina, achava injusto o preço da passagem. Solidarizava-se com os anônimos, trabalhadores como ele. Beto era querido, pois não deixava de ajudar um amigo. Beto era cidadão, pois pagava seus impostos e contas corretamente. Na somatória de tudo, diríamos, Beto é um homem dos nossos tempos. Beto tem a generosidade dos nossos tempos. Beto estranhou, dia desses, quando quis pagar a si mesmo pela bondade que o reflexo no espelho teve ao lhe sorrir, assim tão enternecido, tão espontaneamente. Só podia ser sinal dos tempos. Desses nossos tempos.
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
rebobine, por favor #2
http://www.youtube.com/watch?v=GSCHaV-goLU
("Yes, I can!", fazendo coro a Obama, agora Nobel da Paz.
Um dia eu ganho uma Palma de Ouro. I can!)
, fazia segundos, meses, séculos sem respostas suas. e a saudade doida quebrando copos, bagunçando gavetas e misturando jornais antigos com notícias de última hora. onde onde onde, pergunta, desespero, dúvida. não entendia por que você havia sumido, assim, tão enternecido de suas próprias reflexões a ponto de não me incluir mais num poema, num dilema, em seu sistema lunar ou em sua dieta microfibrosa. Dizia que era irreverente e fazia coisas velozes, eu tomava como elogio risonho, e lhe falava de seus passos difusos e de suas coxas grossas, que pareciam finas quando você tinha medo. me escreva, vai. me diz como você anda e por onde você segue, qual será o verso do minuto seguinte e como meu sorriso ainda reverbera em seu hemisfério sul. tem dias que sonho com seu suor, em outros você me toma nos braços e me acalenta com gozo e afeto. e a primavera invernal vira verão primaveril com gosto de suco de tangerina e menta...
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Vendem-se sorrisos pré-cozidos para fritar ou assar. Sorrisos de todos os jeitos, para reagir ao tempo nublado, para celebrar que o salário dá para aproveitar a “vida cultural de São Paulo”, para demonstrar constrangimento diante do orgasmo descarado da vizinha, para entreter os colegas de trabalho, para rir e rir de felicidade prozakiana, para mostrar como você é legal... Usos vários, dizem. Ainda prefiro os meus, um tanto demodés, mas distribuo a informação no caso de. Ah, último lançamento: meio sorriso com feijão.
Ainda que esteja surda ou paralisada, meu útero me lembra de que sou mulher. Não mãe em potencial, alma feminina, mocinha inteligente ou bombocados afins. Não. Me lembra estridente: m-u-l-h-e-r. Às vezes me esqueço. E, nos momentos de assexuadice, ele chacoalha dolorido as dores e dolores cá de dentro: sai. Volta, mulher. Irrita-se com as férias forçadas. Manda embora veracruzes, dulces, evas e busca de volta mulhermariamulher. Meu útero desdenha das revistas femininas, dos aparelhos de ginástica e das dietas insossas. Ele gosta de sangue, de vermelho, de presença, de voracidade, de tenacidade, de entrega. Não se cegue, ele me diz, diz não, grita, porque meu útero não é discreto. Ignora as convenções e pede vestidos, saias e sandálias, pede homem. Meu útero afirma que não importa nada disso que me aborrece, porque no fundo é ele que reluz quando. E se. Como. Para. Meu útero é meu órgão revolucionário, liberta a alma, fala de amor aos domingos e delira nas noites de lua calma. Ainda que à revelia, quando cinza, explodo em rubro uterino, veemente e faceira. Mulher, mesmo em descrédito, mulher, surpreendida.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
rebobine, por favor
* sentimentos amorosos são confusos? * a gente desgosta de um lado, mas continua gostando de outro * love is messy * ese lío que se llama amor... * amor ou paixão? * c'est la vie? c'est comme ça? * fins aviat... * love is all we need *
amigo do Léo diz: "prefiro os autodidatas. têm mais frescor e menos medo de arriscar."
http://www.youtube.com/watch?v=m-pQaLyGqX8
amigo do Léo diz: "prefiro os autodidatas. têm mais frescor e menos medo de arriscar."
http://www.youtube.com/watch?v=m-pQaLyGqX8
domingo, 4 de outubro de 2009
retrato em sépia
Quando meu sofá saiu de seu lugar de sempre, rumo à casa de uma nova dona bem longe de mim, chorei. Naquele dia, chorei mesmo. Menos pelo sofá em si, também por ele, mas a constatação do vazio na sala ecoou cá dentro. Como que se a mudança se anunciasse concreta, inadiável, de algum modo irreversível. Ora, eu já vinha me preparando há tempos para a despedida gradativa dos móveis, do espaço outrora ocupado, de um certo estilo de vida. Mas o primeiro passo, o primeiro ato, o primeiro teste me trouxeram um ar fresco e forte de pura realidade. Um susto, um corte inesperado, algum sangramento. Era e ponto. Ou melhor, foi.
Assistindo a “Caos Calmo” me dei conta: meu sofrimento fragmentado de 2009 advém de um luto. Sim, estou vivendo um luto simbólico. Porque voltei e não encontrei mais meu sofá (o metafórico). Porque voltei e reconheci o vazio deixado por ele. Porque me desapeguei totalmente dele (não sinto mais sua falta). Porque a mudança já se instalou de modo inevitável. E, porque, abismada, não encontrei palavras decentes para dizer que eu não tinha nada a ver com aquela imagem minha mantida à revelia no freezer. Que pessoas não podem ser guardadas congeladas a fim de que não mudem depois de experiências tão instigantes. Não descongelam e aí ficam iguaizinhas a antes, não. Que há coisas que desgrudam da gente no meio do caminho porque não fazem mais sentido. Outras são deixadas propositalmente, pois não se encaixam mais no presente rumo ao futuro, como o sofá. Desapegar é duro e dolorido, mas isso nos torna ainda mais próximos do que somos de fato. E o mais difícil é desapegar da gente e da imagem do outro que carregamos em nosso bem-querer.
Meu luto simbólico vem sendo povoado de respiros, por isso foi tão complicado identificá-lo. Vivi outros lutos antes: o luto pela morte de meu pai, meu luto pós-cirúrgico, meu luto pós-demissionário, o luto breve – e belamente grávido – pela morte daquela que eu era no início de grande e mítica jornada. Mas esse luto de agora é capcioso, pois vivo as perdas dos outros quanto a mim. Passo por um luto que é meu, me pertence, mas envolve também os pedaços de mim que ficaram com os outros e que são chorados por eles (mas não são mais meus). Como que se me devolvessem roupas doadas, já tão justas, a fim de que eu volte a ser quem era antes, cabendo nelas de algum jeito. Já falei disso, não é? Essa repetição faz parte do processo.
Ando num caos calmo, como o Pietro do filme. Tenho meu banco de praça e minhas viagens. Já passei pelo período mais complicado, o da raiva seguida pela depressão. Agora, aos poucos, caminho para a aceitação. Também não sou mais aquela do início do luto. Não choro mais pelo sofá – hoje eu nem teria um outro. Mas sua lembrança me conforta nessas noites esquisitas de primavera, em que às vezes o frio da ausência quer chamar mais atenção que o natural brotar das flores. Jamais poderia ter empreendido a jornada mítica com o sofá a tiracolo. Assim como não posso seguir adiante, neste momento, carregando determinada bagagem de sentimentos, relacionamentos e posturas. Que se eternizem num belo retrato em sépia.
sábado, 3 de outubro de 2009
sentindo assim, ainda, de novo, desde então, faz tempo:
http://diariodeloricapitu.blogspot.com/2009/01/cinzentos_06.html
com exceção de uns poucos, os demais já se revelam enfadados:
-- Vá embora de vez ou cale a boca, idiota.
-- Ih, de novo com esse papinho.
-- Desocupada!
-- Desculpe, estou sem tempo.
-- Triste de você que não sabe como o ano vai terminar.
-- A sombra... buh... a sombra... buh...
-- Ó, eu dou de ombros.
tic tac tic tac tic tac tic tac tic tic tic tac tac tic tac tac tac tic tic tac tac tac tac tic tac tic tac tic tac
http://diariodeloricapitu.blogspot.com/2009/01/cinzentos_06.html
com exceção de uns poucos, os demais já se revelam enfadados:
-- Vá embora de vez ou cale a boca, idiota.
-- Ih, de novo com esse papinho.
-- Desocupada!
-- Desculpe, estou sem tempo.
-- Triste de você que não sabe como o ano vai terminar.
-- A sombra... buh... a sombra... buh...
-- Ó, eu dou de ombros.
tic tac tic tac tic tac tic tac tic tic tic tac tac tic tac tac tac tic tic tac tac tac tac tic tac tic tac tic tac
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
me parecia ter algo de especial, um certo ar de personagem de canção do chico, um despudor rodriguiano, uma casualidade de filme do assays. deveras: levava jeito de promessa já cumprida. mas deslizou sem tapete em seu próprio caldo entornado e, com as luzes acesas, caiu do cavalinho de pau, manco de uma perna, ainda tão generoso.
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
estranha
Ela voltou depois de anos. Ninguém a vira exatamente partir. Partiu, assim, como se fosse estar um tempinho ali ou lá, já vinha fazendo isso, por isso ninguém notou. Ou ninguém quis notar, já que estavam todos ocupados com suas correrias cotidianas, um tanto cansados com as idas e vindas dela, não pareciam mais novidades. Além disso, suas andanças a modificavam deveras, e eles já haviam perdido a paciência de acompanhar tais mudanças. Como se não bastassem os desafios espinhosos de seus próprios passos, oras. Horas. Dias. Semanas. Meses. Anos. Seriam séculos, se a expectativa de vida não fosse um limitante.
Ela voltou depois de anos. Ninguém se deu conta da partida, a princípio. Aos poucos, uma lembrança embaçada de seu sorriso ou de suas falas inflamadas, ou ainda de seu ar de camponesa robusta, ou de seus suspiros alargados, uma lembrança assinzinha, vinda à toa, trazia saudade, um olhar naqueles que estavam online na lista de “ao redor”, uma vontadezinha de estar junto. Mas não havia tempo, nunca havia. E ela já estava longe, distante de verdade, dissolvida nas esperanças e nos sonhos acumulados rotas afora e adentro, misturada a eles.
Ela voltou depois de anos. Não buscou reconhecimento nem foi reconhecida de imediato. Não reconheceu muita coisa, mas os fragmentos de vivências antigas retornaram com uma força gigantesca e atemporal. Seus pés a levaram a caminhos antigos e já disformes. Reencontros vieram. Antigos-novos, novos-antigos. E lhe perguntavam por quê, por quê, pois mesmo com os anos as pessoas não se conformavam com as dúvidas irrespondidas, razões rachadas. Mas e eu, e eu, falavam aflitos e afoitos, descreviam o susto, a decepção, a dúvida, o conformismo. Ela se calava atenta, surpreendendo-se com o outro que era o Outro, deliciando-se com suas novidades imperceptíveis muito além dos discursos de “que fiz isso, que fiz aquilo”. A ela não lhes interessava contar o que fizera nem escutar o relato pré-cozido daqueles que a reviam. Queria desfrutar desse desconhecido que brotava em cada conhecido, ainda que lhe cobrassem: “por que não me disse nada”.
Ela voltou depois de anos. Trazia o mesmo corpo, mas tinha um filho. Como ninguém notou, ninguém soube. Voltou depois de anos com novas sabedorias. Sabia cozinhar especialidades, dançar diferentes bailes, captava imagens cotidianas com outro apuro e um afeto mais refinado. Mas ninguém notou exatamente, ninguém logrou perceber. Ela voltou depois de anos, acompanhada de novas gentes dentro de si, mais pintas, mais cicatrizes, mais azia, mais alegria. Porém, ninguém notou, só prestavam atenção no cabelo que continuava igual, nas rugas que não aumentavam – sortuda! –, nos joelhos que permaneciam meio escuros.
Você não mudou nada, disseram. Foi como se não tivesse ido.
E quando ela partiu de novo, então, deram graças a Deus por não ter que suportar um pouco mais aquela chata ingrata, provocadora, uma verdadeira estranha.
Ela voltou depois de anos. Ninguém se deu conta da partida, a princípio. Aos poucos, uma lembrança embaçada de seu sorriso ou de suas falas inflamadas, ou ainda de seu ar de camponesa robusta, ou de seus suspiros alargados, uma lembrança assinzinha, vinda à toa, trazia saudade, um olhar naqueles que estavam online na lista de “ao redor”, uma vontadezinha de estar junto. Mas não havia tempo, nunca havia. E ela já estava longe, distante de verdade, dissolvida nas esperanças e nos sonhos acumulados rotas afora e adentro, misturada a eles.
Ela voltou depois de anos. Não buscou reconhecimento nem foi reconhecida de imediato. Não reconheceu muita coisa, mas os fragmentos de vivências antigas retornaram com uma força gigantesca e atemporal. Seus pés a levaram a caminhos antigos e já disformes. Reencontros vieram. Antigos-novos, novos-antigos. E lhe perguntavam por quê, por quê, pois mesmo com os anos as pessoas não se conformavam com as dúvidas irrespondidas, razões rachadas. Mas e eu, e eu, falavam aflitos e afoitos, descreviam o susto, a decepção, a dúvida, o conformismo. Ela se calava atenta, surpreendendo-se com o outro que era o Outro, deliciando-se com suas novidades imperceptíveis muito além dos discursos de “que fiz isso, que fiz aquilo”. A ela não lhes interessava contar o que fizera nem escutar o relato pré-cozido daqueles que a reviam. Queria desfrutar desse desconhecido que brotava em cada conhecido, ainda que lhe cobrassem: “por que não me disse nada”.
Ela voltou depois de anos. Trazia o mesmo corpo, mas tinha um filho. Como ninguém notou, ninguém soube. Voltou depois de anos com novas sabedorias. Sabia cozinhar especialidades, dançar diferentes bailes, captava imagens cotidianas com outro apuro e um afeto mais refinado. Mas ninguém notou exatamente, ninguém logrou perceber. Ela voltou depois de anos, acompanhada de novas gentes dentro de si, mais pintas, mais cicatrizes, mais azia, mais alegria. Porém, ninguém notou, só prestavam atenção no cabelo que continuava igual, nas rugas que não aumentavam – sortuda! –, nos joelhos que permaneciam meio escuros.
Você não mudou nada, disseram. Foi como se não tivesse ido.
E quando ela partiu de novo, então, deram graças a Deus por não ter que suportar um pouco mais aquela chata ingrata, provocadora, uma verdadeira estranha.
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