Epifania primeira: limpeza intestinal
Não havia premissas expectativas lingüiças sentimentais
No instante primeiro da viagem primeira do início do começo
Logo na minha chegada já uma pré-partida
Um chamado, apenas um chamado
E um sim.
Então, sim.
Cheguei. Estou. Sou. Aqui.
Olhos encantados vibrados um quase deserto
Profetas de diferentes regiões e épocas buscaram seus desertos
Monges e sábios
Príncipes e heróis
Viajantes
Os verdadeiros viajantes também vão em busca de seus desertos.
Paisagens de tons claros no contraste com o céu azul
Nenhuma semelhança com a megalópole brasileira que se vê cosmopolita
– mas não sabe nem usar fita no cabelo, pena, não saber usar fita. Nem chita.
Meus olhos cativados paravam nas oliveiras
Na imensidão das oliveiras
Nas paragens secas porém úmidas de formigações espirituais e sentimentais
Vomitei no muro, muro feio, muro mau
Muro da discórdia arrogante inoperante do poder babado e equivocado
Ah, como podem se cegar de modo inexorável e intencional?
Impuseram às minhas oliveiras o limite desse muro.
Eles, do lado de lá, apontando armas, rindo sarcásticos.
Com minha língua provei o húmus da terra que já me pertence
Que pertence aos de cá, pertencia, pertencerá
Periferia, preferiria paz a aquecer meu chá
Respirei menta, hortelã no céu azul sem chuva, sem chuva
Folhas de uva torcendo grãos de arroz
E a doçura de um queijo coberto de grãos de milho tostados e açucarados
Ainda com voz
Nos olhos das gentes dos jovens das crianças
Brotam esperança e cílios longos longuíssimos longos cílios
Suavidades que respondem como petardos e pedras
Às agressões cotidianas
Essas agressões...
Umas barulhentas, soldadescas, tanques e mandatos
Outras silenciosas.
Secretas.
Cruéis e pontiagudas, checando em check-points tempo todo
Desviando rodovias porque decidiram assumir-se inimigos e instalar-se bem ali.
Onde famílias se reuniam nos momentos de lazer.
—Fazíamos piquenique no pé daquela montanha, mas hoje já não mais – diz moça menina mulher, 23 anos, filhinha, marido preso por sete meses, jornada de 6 horas de trabalho, quase pariu no meio da estrada porque não havia soldado no check-point infeliz que os infelizes precisaram criar para se sentirem felizes e poderosos. Porcos. Infames.
Desculpa, desculpa, essa raiva é minha, porque a deles é diferente. Me sinto ocupada, violentada, abusada por aquele governo mau, o do muro, lobo mau disfarçado de vovozinha recebendo dinheiro de lobbies poderosos internacionais. Lobo lobby lobotomizando loucuras.
Ora direis... agora você vê?
Governo mau como muitos governos maus
Quem somos nós para aceitar tudo isso?
Mas aceitamos!
Aceitamos, aceitamos, aceitamos e continuamos com os saltos altos
Nós! Sapos feios e grudentos exalando ideiazinhas banais de nossa vitória-menos-régia
Nós! Trapos altos destratando destrapados atrapados a gosmas e gozos falsos
Nós! A desfilar nossas dietas e nossos umbigos pelas ruas cosmopolitas das cosmopolicies mundiais.
É bom ser cego, dizem muitos. Os piores: os cegos intencionais.
E eu?
Não quis cegar-me.
Desertifiquei-me para fluir a aqualidade toda de meu ser sobre essa terra
Essa paisagem de oliveiras e sonhos e culpas e sangue e sal
Essa paisagem tão de todos nós
Sabores e pistaches e amêndoas e sons
E mesquitas e véus nas femininas cabeças e shukran
E chaves ainda nas mãos refugiadas dos senhores e das senhoras com suas memórias sensíveis sobre um tempo que se foi e não sabemos se voltará
Epifania segunda: arroto
(aos inocentes de Gaza)
― Não suportamos mais essa ocupação!
Os choros escoam junto com o sangue pelas ruas de estilhaços
Ruas de pedaços
Troços e traços de dignidade, de identidade, de corpos humanos
De roupas e de construções
Bueiros entupidos de tantas tripas
Tripas de gente e de acordos de paz e de cessar-fogo e de promessas
E de tantas, tantas promessas
O verme de dentro esfomeado e o lobo mau dono do muro mau
Em briga constante, em ódio constante, em baba constante.
Se essa rua, se essa rua fosse minha,
Eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas de afeto e liberdade
Só para ver você brilhar –
mas o choro e o sangue inundam os caminhos.
Não há mais caminhos.
Não há mais piedade.
Foi-se o tempo, foi-se, foram-se.
Entreguem-se à morte,
Pois essa terra prometeu-se aos vermes e aos lobos maus.
Entreguem-se à morte, pessoas de boa fé!
(aos jovens soldados de Israel, boa parte deles de boa fé)
A mão que acaricia é a mesma que mata
Quem mata também morre.
E morre sem carícias.
Epifania terceira: crucificação
(Epifania?)
Bum, catapum, ratatatá.
Explode, atira, o velho estira-se no chão.
Choros, choros, dor.
Por que, meu Deus, por que nos abandonaste?
(Silêncio sepulcral. Três horas da tarde ou qualquer hora do dia e da noite. O céu se abriu. Estrondos.)
E
Em fins de 2008
E início de 2009
O mundo assistiu – não mais estupefato, não mais chocado –
Ao holocausto do século 21.
No gira-gira de uma humanidade que ainda está presa na lei de tabelião,
Holocausto com holocausto se paga, mas desta vez em outro povo,
Como um jogo de batata quente.
Centenas de mortos.
Bum, catapum, ratatatá.
Não há mais choros de criança, não se escutam mais.
― Porque já não há mais crianças.
Num dia quente de afeto e ausente do tempo das coisas e dos homens falíveis e fálicos, num lugar livre das fronteiras e dos mapas, dos domínios e da apreensão humana falha, num dia iluminado de amor e pureza, as crianças da eternidade brincavam com as borboletas e com as estrelas. E eram felizes.
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