sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Che sarà della mia vita, chi lo sà?

(retrato de uma artista quando jovem... por mari mello, 2005)



Não sei exatamente como tudo começou – no mundo interno, invisível, eu quero dizer. Seria mais um romance de férias, restrito aos dias calientes e às noites longas numa ilha sensual e instigante. Continuaria eu mesma, com meus carinhos e meu jeitinho, meu modo tão meu de reagir e de sorrir, com meus momentos de solidão. Mas não.

Tinha tudo para ser, logo de início, o cara errado. Destoante de quaisquer expectativas. Ele deixou claro que não era príncipe nem perfeito. Anunciou seus defeitos e suas fraquezas em tom solene até. Machucado de amores frustrados de um passado nem tão longínquo, ele mostrava suas muralhas com algum orgulho. Mas abria portinhas aqui e ali e quase me implorava para entrar. Eu já estava lá dentro, sem querer e sem perceber, e me sentia acolhida. Nem segura, nem confortável. Acolhida.

Já não entendia muito do que acontecia; aceitara o pacote completo, a sensibilidade e a rudeza, a acolhida e a defesa, o ataque e o gostar, e agora lidava com alguém cujo comportamento me provocava. A razão achava defeitos, exaltava as incongruências de uma relação esquisita, quase equivocada. O coração, por sua vez, seguia caminhando nos labirintos do castelo do lado de dentro das muralhas. Não buscava um príncipe, seguia um homem como qualquer outro homem, tão atrativo para a mulher que eu era naquele momento. Meu coração o seguia, apenas. Que estranho. Tudo tão deslocado dentro de mim, embora os momentos se encaixassem numa cadeia perfeita de eventos.

A ruptura com meu modus operandi foi imensa, foi intensa. Descobri eu minhas muralhas, escondidas atrás de ciprestes e de belos caminhos de hibiscos. Desmontei as bibliotecas de consulta para meus discursos amorosos e minhas desculpas e minhas recusas e meus tudos e nadas. Fiquei assustada. Mas era o cara errado! Quem disse, razão? Eu me sentia tonta com tantas revelações.

Veio o adeus, até breve ou até nunca, a distância, o silêncio e uma reação já tão conhecida de minha parte. A frieza durou pouco, a saudade foi mais forte. E, aos pouquinhos, para não me espantar ainda mais, reconheço pedacinhos miúdos de aprendizado dentro e fora de mim. Reconheço também que sigo nos labirintos, mas revezo entre os meus e os dele. Que o que será não importa, embora eu queira reencontrá-lo para saborearmos juntos, no verão, novidades e surpresas. Continuar a operação desmonte, acabar com a operação sabotagem, lançar-me numa convivência que salutarmente recusa os caminhos mais sabidos dentro de mim.

Hoje quero aprender a carregar comigo e com carinho o vaso de vidro com as frescas flores de um gostar, que também ainda não conheço. Um presente que, aos poucos e com tato, estou aprendendo a identificar. Não é a paixão de antigamente nem uma vontade um tanto doentia de estar junto. Já não me sinto atacada por atitudes que são apenas outras e de um Outro. No comecinho da manhã, quando desperto de madrugada, às vezes me atordôo com a falta de explicações para meu sentir, meu suspirar. Tem um experimentar que é quase artístico, que é quase divino, posto que tão humano e falível.
Trata-se da entrega. E é nessa direção que quero continuar.

(Barcelona?)

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