Quando explicaram o mundo à Mariazinha, não mencionaram que a intuição muitas vezes se choca com as convenções, com as confusões no mundo interno das pessoas e com certas verdades ressecadas que, de tão antigas, parecem até uma verruga de nascença.
Mariazinha se esqueceu de várias das explicações recebidas, como era de se esperar, e foi aprendendo o mundo na medida em que vivia. Descobriu que a dor do arranhão é diferente da dor de trincar o osso do braço direito e, mais ainda, bem diferente da dor de tirar nota baixa na escola ou passar vergonha. Quando cresceu, porém, Mariazinha se deparou com a dor das impossibilidades, uma dor extremamente mais doída e dolorida. Tendo ignorado a recomendação de só trabalhar com possibilidades e com alternativas catalogadas, foi pega de surpresa.
Sua intuição teimava em levá-la a um certo coração masculino. Porque Mariazinha, embora não se importasse muito com as convenções, era irremediavelmente atraída para dentro dos corações masculinos. Mas ninguém havia falado a ela que o fato de um coração ser masculino, exalar os cheiros masculinos e feminilizá-la ainda mais significava um dono necessariamente disponível ao feminino. Não.
A intuição de Mariazinha passou, então, a chocá-la e a chocar-se com as impossibilidades. E esses choques davam pane em seu sistema emocional. Porque agora ela só enxergava corações masculinos, independentemente do corpo que os abrigasse, das tendências e dos debates; Mariazinha não dava mais bola a blábláblás ou peitos estufados, bíceps mentais ou saldos intelectuais, e era atraída por aquilo que tais corações reluziam. E todos os corações masculinos que a chamavam estavam abertos apenas para outros corações masculinos – em qualquer acepção, qualquer que seja o significado disso. Ou fechados ao feminino dela, Mariazinha.
E tudo doía porque tudo lhe parecia inexplicável e inexato. Uma sucessão de impossibilidades, a impossibilidade-mor ainda tão dilacerante.
Pois, então, Mariazinha iniciou-se sozinha no solitário aprendizado do não-pedir, sobre o qual escritores, poetas, músicos, palhaços e peregrinos já a haviam alertado. E notou que seu próprio coração tinha uma disponibilidade itinerante, posto que ainda indeciso e jovem, posto que sedento e aventureiro.
Então, os manuais estavam certos?
Contudo, ao não pedir, ela também se distraía. Distraindo-se, ela compartilhava. Compartilhando, ela criava teias de possibilidades. Sendo possível, ela se alimentava. Alimentando-se, crescia. Crescendo, era mais e mais humana. Humanizando-se, disponibilizava-se. Disponibilizando-se, encontrava outras disponibilidades. Apurou seu olhar, seu sentir, seu intuir. A intuição, afinal, estava certa. Mas seus quereres de Mariazinha não tinham ainda entendido com plenitude a mensagem. E descobriu, então, que os caminhos eram vários, as impossibilidades apenas protegiam os encontros de queimaduras óbvias, e que há sempre corações à espera de outros corações, independentemente do gênero e das fronteiras, além de tudo.
Virou Maria. E é ela que por ali vai.
Um comentário:
Eu apenas finjo que ignoro
a longelinea rubrica
das minhas mãos
e como delas não escapo
ficam essas fotos
de Maria Fernanda
mostrando as luvas
que elas são...
Postar um comentário