domingo, 6 de abril de 2008

>> >> >> Garrafas >> >> ao mar >> >> >>

(MF, 2007)


E, então, naquele dia, mais precisamente naquela manhã, ela lançou uma garrafa ao mar. O que não sabia ela era que, também precisamente naquela manhã, ele pensava nela e igualmente pensava em lançar-lhe uma garrafa ao mar. Mas achou a idéia exagerada, talvez exacerbada, ou irrefletida. E lançou-se apenas ao mar, a si mesmo, sem a garrafa.



Muito tempo passou. O lampejo daquela manhã tornou-se um vaga-lume que brilhava de vez em quando na bagunça de roupas e cacarecos espalhados dela.




Muito tempo.
Ele, lançado ao mar, com braçadas alcançou outro continente, outra gente, outras.
Ela seguiu escrevendo cartas de amor, verdadeiras ou fictícias, com ou sem destinatários, e continuou enchendo garrafas. Vidrada no mar.




Tempo.
O que é o tempo diante da própria infinidade de infinitudes que compõem a eternidade, a saudade e os sonhos?




Naquela manhã, houve um momento de conexão entre aquelas almas. Uma ligação em pulso ritmado e lembrança em compasso, o telefone tocou três vezes dentro de cada um deles e, quando atenderam, pensaram no outro. Sem qualquer explicação racional. Ela jogou a garrafa. Ele, a si mesmo.



O que são as fronteiras se os rios transformam-se em nuvens, as nuvens tornam-se chuvas e as chuvas alimentam os rios que correm ao mar?




E, então, a garrafa chegou até ele, e ele quis saber dela, responder-lhe, dizer-lhe coisas, e ele não sabia mais se a acharia ou não. Naquela data, mais precisamente – e embora pareça uma contradição – naquela noite em que ele lançou sua garrafa ao céu, ela achou o vaga-lume. Pensou nele. Na garrafa. No quanto tempo. Vislumbrou o rio, a nuvem, a chuva e o mar.



Coincidência?
Ele recolhe retalhos de sua colcha de passados para compreender a própria origem.
Ela recolhe os cacarecos para abrir-se caminho e, no impulso, alçar vôo para compor seu futuro.
Encontrar-se-ão? Ele a ele, ela a ela, ele a ela, ela a ele?


Que bonito, inesperadamente, achar a garrafa. Abri-la. Descobrir-se ali.
Quando o céu está límpido. O pensamento está limpo. E a alma, serena.


Ri-o-da-qui, cho-ve-de-lá.


O presente está naquelas garrafas que hoje bóiam no mar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Queria uma amiga assim, como você.

SRTA. LÓRI CAPITU disse...

Jogue uma garrafa ao mar.
Talvez... jogue-se também ao mar.

O problema, acho, é que a gente pondera demais e arrisca de menos.
Beijos amigos.