E, então, naquele dia, mais precisamente naquela manhã, ela lançou uma garrafa ao mar. O que não sabia ela era que, também precisamente naquela manhã, ele pensava nela e igualmente pensava em lançar-lhe uma garrafa ao mar. Mas achou a idéia exagerada, talvez exacerbada, ou irrefletida. E lançou-se apenas ao mar, a si mesmo, sem a garrafa.
Muito tempo passou. O lampejo daquela manhã tornou-se um vaga-lume que brilhava de vez em quando na bagunça de roupas e cacarecos espalhados dela.
Muito tempo.
Ele, lançado ao mar, com braçadas alcançou outro continente, outra gente, outras.
Ela seguiu escrevendo cartas de amor, verdadeiras ou fictícias, com ou sem destinatários, e continuou enchendo garrafas. Vidrada no mar.
Tempo.
O que é o tempo diante da própria infinidade de infinitudes que compõem a eternidade, a saudade e os sonhos?
Naquela manhã, houve um momento de conexão entre aquelas almas. Uma ligação em pulso ritmado e lembrança em compasso, o telefone tocou três vezes dentro de cada um deles e, quando atenderam, pensaram no outro. Sem qualquer explicação racional. Ela jogou a garrafa. Ele, a si mesmo.
O que são as fronteiras se os rios transformam-se em nuvens, as nuvens tornam-se chuvas e as chuvas alimentam os rios que correm ao mar?
E, então, a garrafa chegou até ele, e ele quis saber dela, responder-lhe, dizer-lhe coisas, e ele não sabia mais se a acharia ou não. Naquela data, mais precisamente – e embora pareça uma contradição – naquela noite em que ele lançou sua garrafa ao céu, ela achou o vaga-lume. Pensou nele. Na garrafa. No quanto tempo. Vislumbrou o rio, a nuvem, a chuva e o mar.
Coincidência?
Ele recolhe retalhos de sua colcha de passados para compreender a própria origem.
Ela recolhe os cacarecos para abrir-se caminho e, no impulso, alçar vôo para compor seu futuro.
Encontrar-se-ão? Ele a ele, ela a ela, ele a ela, ela a ele?
Que bonito, inesperadamente, achar a garrafa. Abri-la. Descobrir-se ali.
Quando o céu está límpido. O pensamento está limpo. E a alma, serena.
Ri-o-da-qui, cho-ve-de-lá.
O presente está naquelas garrafas que hoje bóiam no mar.
2 comentários:
Queria uma amiga assim, como você.
Jogue uma garrafa ao mar.
Talvez... jogue-se também ao mar.
O problema, acho, é que a gente pondera demais e arrisca de menos.
Beijos amigos.
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