sábado, 5 de abril de 2008

~ Carta de Amor ~

"Todas as cartas de amor são ridículas."
Álvaro de Campos


Ao Homem, com prazer



Um dia importante, num ano importante, dentro do meu coração.


Você querido,


Conhece “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, de Clarice Lispector? Eu não conhecia até fins de novembro do ano retrasado. Mas ele me pediu e eu, sem saber, o buscava. Estava há uns meses sem uma leitura arrebatadora, algumas semanas sem um filme arrebatador. Li com sofreguidão, mas não rapidamente. Falava de mim, para mim. O texto me perturbava, ecoava dentro aqui dentro. Lembro-me de que, no início, suava de tanto turbilhão. De tempos em tempos, fechava o livro. Parecia que uma corrente elétrica tomava conta de mim. Erótico ao extremo. Lírico também. Pulsante. E me descobri Lóri, totalmente Lóri, uma Lóri entregue aos próprios suores e desejos, em seus passos às vezes cautelosos e suaves, em outras vezes firmes e pesados, rumo à descoberta do Outro, do prazer e do amor.


Meu olhar mudou. Meus olhos mudaram. E comecei a descobrir um Ulisses aqui, outro Ulisses ali. Não muitos, mas eles existiam! Descobri Ulisses também no meu passado; era eu quem não o enxergava. E ele passou...


Veio “Dias Selvagens”, do Wong Kar-Wai, mas eu ainda prefiro o título original que diz: dias de ser selvagem. Era isso: eu, Lóri, estava em meus dias de ser selvagem. Por que não? Por que tanto medo da entrega? Ora, para não perder essa liberdade de movimento que tanto valorizo. Mas entrega e liberdade eram antônimos?


A vida continua pulsante e os dias, selvagens. As correntes elétricas continuam me dando choques de tempos em tempos (você “presenciou” o processo). Agora, um universo de possibilidades se abre diante de mim. Preciso tocar o mundo, senti-lo até o talo, estar com gente, gentes diferentes. Então, por mais que tenha sonhos “fixos”, ainda há esse grande movimento que clama por minha presença. O mundo, a humanidade, que preciso apalpar, em que preciso pôr minhas próprias mãos. Senão, acho que jamais vou sossegar. Sou demasiado inquieta, preciso de um longo caminho para achar o que está aqui do lado. Desde criança, adoro essas provas de caça ao tesouro...


... escrevo tudo isso para dizer que está cada vez mais difícil passar, apenas. Tenho tido cada vez mais vontade de ficar. Mesmo que meu “ficar” tenha, neste momento de minha vida, o sentido de “aqui e agora”. Ou, como falam por aí, “hoje é hoje, amanhã ninguém sabe o que será”. Quero dizer: não tenho nada de seguro para oferecer, nenhuma linha narrativa seguramente longa nem promessas de fidelidade ou compromisso. Mas tenho eu mesma para entregar e um monte de janelas abertas. Para o ar circular. Para o Ulisses entrar. E um lar, “infinito enquanto dure”, para proporcionar.


E vontade de receber. De intimidade. De construir uma casinha, mesmo que pequenita, mas que possa ser lembrada por toda a vida.


Estou com saudade, tenho vontade de repeteco e meu coração anda cheio de ternura por você. Sobrevivo bem assim? Sim, sobrevivo. Mas é sempre melhor partilhar – se possível, é claro.


Então, é isso. As janelas estão abertas.
Beijo grande, tão enorme de carinho que pode virar longa-metragem. Gênero: romance.


Eu,
a Mulher (nome duplo, olhos grandes e sobrancelhas, asas e coração maior que o mundo)

2 comentários:

Anônimo disse...

Sensacional.

Anônimo disse...

Tudo na vida conta... todas as experiências somam, e somos a somatória disso. boa sorte!!! :)
beijos
aly