domingo, 6 de janeiro de 2008

Paleta

Hoje o tempo amanheceu minha alma
De um jeito frio e chuvoso
Não seria novidade – há anos
O tempo, o dia, o fim do outono, a solidão,
A decepção
Um sonho calado, um acerto desajeitado
Amanhecem minha alma assim.
Depois tudo entardece – ou anoitece
Acalento
A manhã retoca a maquiagem,
Retoma os sabores, caramelo ou pimenta,
Ou depois vem o sol, o vento forte, a chuva forte
E a alma agradece,
Ajeita-se.

Mas hoje, hoje especificamente,
Minha alma chuvosa e esfriada: triste
Olhou a janela
Céu cinza, cores misturadas com preto, cores
Nítidas, mas mais escuras, puxando para o cinzento,
­­– é, o tempo não queria fazer concessões
Minha alma buscou o mundo

Janela, espelho,
Livros, palavras, quantas delas,
Sons – no rádio, aquelas canções
No guia de cinema não havia respostas
Não.
A alma ficara exigente e madura, como o
Tempo, que surpresa, o tempo amadurecer também
– você diz esse tempo aí, o tempo das coisas?
O tempo do clima? O tempo das temperaturas?
Sim, esse tempo que significa todo esse tempo,
Um tempo vivido, um tempo que organiza na agenda
Se vem sol ou se vem vento, chuva com sol, ou vento com chuva,
Um pouco mais de alegria ou de frio
E então:
O mundo...
O mundo...
O mundo...Vasto mundo, vasto, vasto, vasto
Mais vasto é meu coração?
Minha alma triste, puxando para o cinzento
– porque foi hoje o tempo que a pintou, não tem dia certo,
domingo ou terça-feira;
Deus, o tempo, a vida, o Outro, eles se falam continuamente
E decidem quem é que vai dar as cartas hoje ou amanhã e depois
– minha alma triste sonhou o mundo,
Buscou além
Quis não pertencer a nada, quis ser todas as pessoas
O mendigo, o ricaço, a atriz, o pintor, o professor
Quis ser o viajante, um caixeiro viajante,
Uma palavra viajante:
Sim, uma palavra viajante.
Quis ser cor.
Quis pintar o céu de outubro,
A grande barreira de corais,
Os tons do Xingu,
O dourado das estupas,
O branco cheio de tons dos sorrisos.
Tenho de agradecer ao tempo que amanhece as almas
E que às vezes, ou muitas vezes, ou só de vez em quando,
As esfria:
Só assim, encolhidinha, a alma recebe sua vocação:
Ser o que quiser,
mas diferente do cinza.


(meados de 2005)

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