Era um menino. Não, era um homem. Era um homem-menino, então. Naquela idade já tão cheia de responsabilidades e deveres, exigências no trabalho, expectativas familiares, um certo pensamento de: “hora de fixar meu olhar em alguma mulher ou”, um misto de medo e desejo de comprometer-se, idade de vestir terno e gravata, cuidar de negócios, lidar com as decisões dos outros. Naquela idade ainda tão cheia de frescor, em que o cheiro das possibilidades inebria corpo e espírito, provocando sensações diversas e caminhos diferentes de expressão. Naquela idade em que tomar decisões sérias e um tanto definitivas (decisões podem ser definitivas?) provoca verborragia e desconversa. Todos os sonhos são sonhados juntos, mas certos traquejos ainda fazem falta. Um homem que enxergava pássaros. Um menino que enxergava ninhos. Um ser humano sensível que enxergava pessoas.
O homem-menino experimentava a flauta. A dança dos dervixes. As estripulias sérias do clown. Experimentava os lábios e as coxas estrangeiras. Experimentava a amizade profunda com o amigo, que às vezes queria compartilhar a cama e segurava sua mão. Experimentava a amizade profunda com a amiga, por quem se sentia hipnoticamente atraído mas sem qualquer intenção sexual. Às vezes parecia surtar, dançando alucinadamente pela casa, fazendo caretas. Em outros momentos, se punha triste, encolhido e quieto. Era doce e atraente. Um tanto confuso e sonhador. Achava-se meio maluco. Tinha mais vontades do que espaço para elas dentro de si.
Um dia precisou escolher um caminho. Queria poder conciliar tudo dentro de si e carregar a enorme bagagem ao longo da jornada. Ainda não tinha sido apresentado ao momento da vida adulta em que escolher é preciso. Se A, então não B. Se B, então não A nem C. Ouvia vozes internas, julgamentos pontiagudos e ferinos. Dedos apontados para seu rosto, escutava vozes imaginárias do pai, da mãe, dos avós, pode ou não pode. Por mais que dissesse: é preciso deixar ir, é preciso deixar ir, ele não sabia (ainda) como deixar ir. Doía muito – ele não tinha medo da dor, mas não a entendia. A bagagem não podia ser tão pesada, ele aos poucos se dava conta, e cuidadosamente começou a separar os sentimentos, as lembranças, os desejos. As pessoas e os momentos. A gente não pode carregar tudo para sempre.
O homem-menino ainda ensaia sua primeira grande escolha. Olha com carinho e afeto para o que terá de deixar livre. O homem-menino enxerga passarinhos e ninhos. E sabe que, um dia, eles sempre se reencontram. Os pássaros encontram seus ninhos, os ninhos chamam seus pássaros. Quando é para ser.
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