Foi por um acaso maroto,
Desses que soam como invenção.
Era como se eu passasse diante
Do meu próprio reflexo.
Era eu, era ele,
Éramos nós tão parecidos.
Crônica de Caio Fernando Abreu:
Pequenas epifanias.
Depois, foi como se ocupássemos
Cada qual seu posto na ponta do dia
Manhã e noite, ele sim, eu não,
Tão diferentes e impossíveis,
mas sempre em sintonia.
Filme de Julio Medem:
Amantes do Círculo Polar.
Névoa furacão tempestade estiagem
Tempo veio, tempo foi,
Futuro do pretérito, pretérito imperfeito
Presente ausente
Nós dois
Conto de Clarice Lispector:
Tentação.
E, por fim,
Há que se terminar a história
Mesmo que ela não tenha propriamente um fim
Ante até contra de para perante
Conosco ou sem nós?
Concordo com Manuel Bandeira.
Amar é mesmo um verbo
Para lá de intransitivo.
Ela era a mulher da saia rodada e florida, do sorriso no rosto, do belo buquê de gérberas cor de rosa nas mãos em pleno lusco-fusco. Era ela.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
terça-feira, 22 de janeiro de 2008
INCONFIDÊNCIA À MINEIRA
Andei te procurando, ele disse.
Procurando onde? Como? Ela não havia sentido.
Sabia que iríamos nos encontrar.
Ela não sabia nada disso. Duvidava que ele soubesse. Nem tinha certeza se queria. Mesmo. Ele, ela.
A cidade de casas históricas e ruas com mais histórias ainda. Burburinho e chá da tarde, festival de cinema, sol e chuva, casamentos de viúva. Ele e ela ali, parados, numa esquina dessas que contam causos.
Custou meu namoro, ele disse com sorriso de canto de boca e picardia no olhar.
Ela não havia ouvido o início da frase. Custava quanto seu namoro? Custou lágrimas, lágrimas custam, custou para acabar, isso sim. Se fosse antes, se tivesse sido antes, eram outros os tempos verbais e os sujeitos.
Voltou para ficar?, ele perguntou.
Quê? Essas indagações são minhas e não suas. Não tinha certeza se tinha ido de fato, ou se só ensaiara ir. Não sabia se era uma pipa, que alcança o horizonte mas tem de voltar porque sua natureza de pipa não a deixa ir, ou uma nuvem, que evapora e chove em lugares diferentes. Um pássaro de vários ninhos, uma parcela de mar. Ou se ela ainda era a ela dele.
E ele a beijou. Um instante sem reação por parte dela.
E ela o beijou de volta. E estavam os dois, reencontrados, beijando-se.
A história terminou, acho.
Mas não disse.
Preciso ir.
Disse.
Na esquina dos causos, ruas com história, casarões históricos, pão de queijo, artesanato, cinema, maria-fumaça.
Espera.
Ela não sabia se tinha ouvido ou se tinha imaginado. Se ele era ele mesmo, se era outro, se era ainda, quem ele era para essa ela.
Será que vamos nos reencontrar?
Naquele dia, achou-se nuvem e não pipa. Nuvem evapora e voa. Não soube o que pensar, assim fantasiou. Lembrou-se de Clarice Lispector: por não estarem distraídos. Distraiu-se, então, distraída.
Procurando onde? Como? Ela não havia sentido.
Sabia que iríamos nos encontrar.
Ela não sabia nada disso. Duvidava que ele soubesse. Nem tinha certeza se queria. Mesmo. Ele, ela.
A cidade de casas históricas e ruas com mais histórias ainda. Burburinho e chá da tarde, festival de cinema, sol e chuva, casamentos de viúva. Ele e ela ali, parados, numa esquina dessas que contam causos.
Custou meu namoro, ele disse com sorriso de canto de boca e picardia no olhar.
Ela não havia ouvido o início da frase. Custava quanto seu namoro? Custou lágrimas, lágrimas custam, custou para acabar, isso sim. Se fosse antes, se tivesse sido antes, eram outros os tempos verbais e os sujeitos.
Voltou para ficar?, ele perguntou.
Quê? Essas indagações são minhas e não suas. Não tinha certeza se tinha ido de fato, ou se só ensaiara ir. Não sabia se era uma pipa, que alcança o horizonte mas tem de voltar porque sua natureza de pipa não a deixa ir, ou uma nuvem, que evapora e chove em lugares diferentes. Um pássaro de vários ninhos, uma parcela de mar. Ou se ela ainda era a ela dele.
E ele a beijou. Um instante sem reação por parte dela.
E ela o beijou de volta. E estavam os dois, reencontrados, beijando-se.
A história terminou, acho.
Mas não disse.
Preciso ir.
Disse.
Na esquina dos causos, ruas com história, casarões históricos, pão de queijo, artesanato, cinema, maria-fumaça.
Espera.
Ela não sabia se tinha ouvido ou se tinha imaginado. Se ele era ele mesmo, se era outro, se era ainda, quem ele era para essa ela.
Será que vamos nos reencontrar?
Naquele dia, achou-se nuvem e não pipa. Nuvem evapora e voa. Não soube o que pensar, assim fantasiou. Lembrou-se de Clarice Lispector: por não estarem distraídos. Distraiu-se, então, distraída.
Ninhos
Era um menino. Não, era um homem. Era um homem-menino, então. Naquela idade já tão cheia de responsabilidades e deveres, exigências no trabalho, expectativas familiares, um certo pensamento de: “hora de fixar meu olhar em alguma mulher ou”, um misto de medo e desejo de comprometer-se, idade de vestir terno e gravata, cuidar de negócios, lidar com as decisões dos outros. Naquela idade ainda tão cheia de frescor, em que o cheiro das possibilidades inebria corpo e espírito, provocando sensações diversas e caminhos diferentes de expressão. Naquela idade em que tomar decisões sérias e um tanto definitivas (decisões podem ser definitivas?) provoca verborragia e desconversa. Todos os sonhos são sonhados juntos, mas certos traquejos ainda fazem falta. Um homem que enxergava pássaros. Um menino que enxergava ninhos. Um ser humano sensível que enxergava pessoas.
O homem-menino experimentava a flauta. A dança dos dervixes. As estripulias sérias do clown. Experimentava os lábios e as coxas estrangeiras. Experimentava a amizade profunda com o amigo, que às vezes queria compartilhar a cama e segurava sua mão. Experimentava a amizade profunda com a amiga, por quem se sentia hipnoticamente atraído mas sem qualquer intenção sexual. Às vezes parecia surtar, dançando alucinadamente pela casa, fazendo caretas. Em outros momentos, se punha triste, encolhido e quieto. Era doce e atraente. Um tanto confuso e sonhador. Achava-se meio maluco. Tinha mais vontades do que espaço para elas dentro de si.
Um dia precisou escolher um caminho. Queria poder conciliar tudo dentro de si e carregar a enorme bagagem ao longo da jornada. Ainda não tinha sido apresentado ao momento da vida adulta em que escolher é preciso. Se A, então não B. Se B, então não A nem C. Ouvia vozes internas, julgamentos pontiagudos e ferinos. Dedos apontados para seu rosto, escutava vozes imaginárias do pai, da mãe, dos avós, pode ou não pode. Por mais que dissesse: é preciso deixar ir, é preciso deixar ir, ele não sabia (ainda) como deixar ir. Doía muito – ele não tinha medo da dor, mas não a entendia. A bagagem não podia ser tão pesada, ele aos poucos se dava conta, e cuidadosamente começou a separar os sentimentos, as lembranças, os desejos. As pessoas e os momentos. A gente não pode carregar tudo para sempre.
O homem-menino ainda ensaia sua primeira grande escolha. Olha com carinho e afeto para o que terá de deixar livre. O homem-menino enxerga passarinhos e ninhos. E sabe que, um dia, eles sempre se reencontram. Os pássaros encontram seus ninhos, os ninhos chamam seus pássaros. Quando é para ser.
O homem-menino experimentava a flauta. A dança dos dervixes. As estripulias sérias do clown. Experimentava os lábios e as coxas estrangeiras. Experimentava a amizade profunda com o amigo, que às vezes queria compartilhar a cama e segurava sua mão. Experimentava a amizade profunda com a amiga, por quem se sentia hipnoticamente atraído mas sem qualquer intenção sexual. Às vezes parecia surtar, dançando alucinadamente pela casa, fazendo caretas. Em outros momentos, se punha triste, encolhido e quieto. Era doce e atraente. Um tanto confuso e sonhador. Achava-se meio maluco. Tinha mais vontades do que espaço para elas dentro de si.
Um dia precisou escolher um caminho. Queria poder conciliar tudo dentro de si e carregar a enorme bagagem ao longo da jornada. Ainda não tinha sido apresentado ao momento da vida adulta em que escolher é preciso. Se A, então não B. Se B, então não A nem C. Ouvia vozes internas, julgamentos pontiagudos e ferinos. Dedos apontados para seu rosto, escutava vozes imaginárias do pai, da mãe, dos avós, pode ou não pode. Por mais que dissesse: é preciso deixar ir, é preciso deixar ir, ele não sabia (ainda) como deixar ir. Doía muito – ele não tinha medo da dor, mas não a entendia. A bagagem não podia ser tão pesada, ele aos poucos se dava conta, e cuidadosamente começou a separar os sentimentos, as lembranças, os desejos. As pessoas e os momentos. A gente não pode carregar tudo para sempre.
O homem-menino ainda ensaia sua primeira grande escolha. Olha com carinho e afeto para o que terá de deixar livre. O homem-menino enxerga passarinhos e ninhos. E sabe que, um dia, eles sempre se reencontram. Os pássaros encontram seus ninhos, os ninhos chamam seus pássaros. Quando é para ser.
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
Não, não, não
Não me venha teorizar sobre o desejo
“Algo que vá além da necessidade e
expresse uma demanda que preencha
o vazio – ou a busca
daquela primeira satisfação
jamais repetida”
Tenho uma demanda, sim:
Você, aqui, agora, dentro e fora de mim
Tenho, sim, um vazio:
No meu corpo, no meu coração, na minha boca
Que só você pode preencher
E quero repetir, sim, aquela satisfação
Daquela primeira vez
Em que nós dois fomos apenas os dois
Juntos
Para mim desejo é na prática
Tem suor, tem cheiro, gosto e volume
É tão cheio e tão prazeroso
Que faz da teoria um obstáculo
a entupir de culpas e medos
Um corpo de demandas e vazios,
Insatisfeito
De-se-je-me-já
Te-de-se-jo-cá
Não me venha teorizar sobre o desejo
“Algo que vá além da necessidade e
expresse uma demanda que preencha
o vazio – ou a busca
daquela primeira satisfação
jamais repetida”
Tenho uma demanda, sim:
Você, aqui, agora, dentro e fora de mim
Tenho, sim, um vazio:
No meu corpo, no meu coração, na minha boca
Que só você pode preencher
E quero repetir, sim, aquela satisfação
Daquela primeira vez
Em que nós dois fomos apenas os dois
Juntos
Para mim desejo é na prática
Tem suor, tem cheiro, gosto e volume
É tão cheio e tão prazeroso
Que faz da teoria um obstáculo
a entupir de culpas e medos
Um corpo de demandas e vazios,
Insatisfeito
De-se-je-me-já
Te-de-se-jo-cá
FOME
Meus dentes reclamam
o verso um tanto ébrio
desmedido em melodias
cheias de suculentas sensações
ah, aquela gordurinha cúmplice
de uma rima mal-feita
mas repleta de boas intenções
e de desejos os mais reprimidos
a estalar de prazer nos vazios
e cheios decassílabos
Ah, como eu quis sugar
as sílabas mais íntimas
os sons os sonhos os sins
mais belos seus
a ternura mais úmida
daquele desrimar de beijo
Meus dentes reclamam
a mordida não concretizada
na infinitude do não-palpável
na inconcretude do finito
na imensidão
daquele verso, incerto.
>> esse é dos antiguinhos...
o verso um tanto ébrio
desmedido em melodias
cheias de suculentas sensações
ah, aquela gordurinha cúmplice
de uma rima mal-feita
mas repleta de boas intenções
e de desejos os mais reprimidos
a estalar de prazer nos vazios
e cheios decassílabos
Ah, como eu quis sugar
as sílabas mais íntimas
os sons os sonhos os sins
mais belos seus
a ternura mais úmida
daquele desrimar de beijo
Meus dentes reclamam
a mordida não concretizada
na infinitude do não-palpável
na inconcretude do finito
na imensidão
daquele verso, incerto.
>> esse é dos antiguinhos...
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
Noites cariocas
Iria trabalhar comigo, me disseram. Ótimo, pensei, preciso de ajuda. Uma certa curiosidade libidinosa de minha parte, eu que tenho esses descompassos hormonais de tempos em tempos e considero todos possíveis até que se prove o contrário. Acredito, portanto, no infinito de possibilidades. Curiosa, sabia que ele já estava na empresa, trabalhando em outro local. Chamei amiga que o conhecia: me conte quem ele é. Uma semana antes, então, eu estava de azul. Sempre acho que fico bem de azul. Ele? Não me lembro. Mas me lembro de quando eu o vi. Bonito, hein? Olhos claros. Cabelos negros. E o sotaque. Shhhhhhh.
Você vai trabalhar comigo! Ah, é? Prepare-se, hein? O lacônico diálogo não caiu bem. Sem problemas. A gente compensa na próxima oportunidade.
O início foi suave, com simpatia de ambas as partes. A proximidade estabelecida pelo trabalho, o encanto do sotaque, a beleza dos olhos e o charme criaram um ambiente intenso e divertido. Gostava de estar com ele, e ele me ajudava muito. Quebrava galho. Varava noite. Dava opinião. Contava histórias. Descobrimos muitos pontos em comum – ambos perdemos o pai. Ambos gostávamos muito de escrever. Ambos devorávamos livros. Ambos éramos o que éramos. Ponto em descomum: ele tinha namorada. Claro. Eu, não. Na época, estava quase visitando o poço de mim mesma. São momentos distintos: um é o do poço, outro é o da sombra. Pode acontecer de o poço estar na sombra. O meu estava na beira, por isso me salvei. Mas, antes, caí. E essa queda lenta rumo ao fundo me continha em vários aspectos. Ok, existia uma outra garota. Ok, eu consigo gostar dele como amigo. Ah, sim, e como meu assistente.
Um dia, telefonei de manhã cedo para checar uma dúvida e a namorada atendeu.
Um dia, num evento, conheci pessoalmente a namorada. Não me comoveu. Nós duas éramos atletas de modalidades distintas. Não fiquei deprimida ou esnobe, não iríamos competir por nada. Eu ainda estava caindo no poço.
Terminamos o trabalho. Tirei férias, ele me encomendou um livro em alemão. Na volta, novidades. Antes de ele contá-las, alguém já me havia adiantado: você não sabe com quem ele ficou. Com uma amiga minha, amiga querida, dessas que a gente respeita pra caramba. Parece que ensaiaram um namoro. Eu dei o livro, com carinho. Boa sorte, desejei. Ele pareceu sem-graça.
Passou algum tempo, um ano, talvez. O contato arrefeceu, embora tenhamos tido alguns bons papos no meio do caminho. Não me lembro bem de como aconteceu. Era uma festa, num bar, e sobramos os dois e mais alguns três ou quatro quase bêbados. Ele me beijou. Eu o beijei. Nos beijamos. Surpresa.
O inesperado é doce e suspirento, porque abre uma janela e escancara as cortinas. Porque me lembra do infinito de possibilidades. Porque me pega desprevenida e me faz mais bonita.
Outra vez, semanas depois, meu aniversário, outro bar. Amigos na mesa, cerveja e espetinhos, ele aparece com um buquê de flores na mão. Amigos acham lindo, eu acho maravilhoso. Passamos a noite juntos, fomos ao cinema no dia seguinte. Ensaiamos um namoro. Era gostoso e terno. Porém, morno. Arrefeceu.
Hoje me resta um carinho e uma saudade. Não sei mais quase nada, minhas mensagens já não o alcançam e não tenho idéia de onde anda. As últimas notícias davam conta de que tinha uma namorada, de que escrevia um livro, de que estava bem. Minhas últimas notícias soaram déjà vu: estou indo viajar.
Às vezes, quando me lembro do mar em todos os seus figurinos – de Fernando de Noronha ao Caribe, do Pacífico ao Mediterrâneo –, às vezes me lembro também de seus olhos. E do barulho das ondas: shhhhhhh.
Você vai trabalhar comigo! Ah, é? Prepare-se, hein? O lacônico diálogo não caiu bem. Sem problemas. A gente compensa na próxima oportunidade.
O início foi suave, com simpatia de ambas as partes. A proximidade estabelecida pelo trabalho, o encanto do sotaque, a beleza dos olhos e o charme criaram um ambiente intenso e divertido. Gostava de estar com ele, e ele me ajudava muito. Quebrava galho. Varava noite. Dava opinião. Contava histórias. Descobrimos muitos pontos em comum – ambos perdemos o pai. Ambos gostávamos muito de escrever. Ambos devorávamos livros. Ambos éramos o que éramos. Ponto em descomum: ele tinha namorada. Claro. Eu, não. Na época, estava quase visitando o poço de mim mesma. São momentos distintos: um é o do poço, outro é o da sombra. Pode acontecer de o poço estar na sombra. O meu estava na beira, por isso me salvei. Mas, antes, caí. E essa queda lenta rumo ao fundo me continha em vários aspectos. Ok, existia uma outra garota. Ok, eu consigo gostar dele como amigo. Ah, sim, e como meu assistente.
Um dia, telefonei de manhã cedo para checar uma dúvida e a namorada atendeu.
Um dia, num evento, conheci pessoalmente a namorada. Não me comoveu. Nós duas éramos atletas de modalidades distintas. Não fiquei deprimida ou esnobe, não iríamos competir por nada. Eu ainda estava caindo no poço.
Terminamos o trabalho. Tirei férias, ele me encomendou um livro em alemão. Na volta, novidades. Antes de ele contá-las, alguém já me havia adiantado: você não sabe com quem ele ficou. Com uma amiga minha, amiga querida, dessas que a gente respeita pra caramba. Parece que ensaiaram um namoro. Eu dei o livro, com carinho. Boa sorte, desejei. Ele pareceu sem-graça.
Passou algum tempo, um ano, talvez. O contato arrefeceu, embora tenhamos tido alguns bons papos no meio do caminho. Não me lembro bem de como aconteceu. Era uma festa, num bar, e sobramos os dois e mais alguns três ou quatro quase bêbados. Ele me beijou. Eu o beijei. Nos beijamos. Surpresa.
O inesperado é doce e suspirento, porque abre uma janela e escancara as cortinas. Porque me lembra do infinito de possibilidades. Porque me pega desprevenida e me faz mais bonita.
Outra vez, semanas depois, meu aniversário, outro bar. Amigos na mesa, cerveja e espetinhos, ele aparece com um buquê de flores na mão. Amigos acham lindo, eu acho maravilhoso. Passamos a noite juntos, fomos ao cinema no dia seguinte. Ensaiamos um namoro. Era gostoso e terno. Porém, morno. Arrefeceu.
Hoje me resta um carinho e uma saudade. Não sei mais quase nada, minhas mensagens já não o alcançam e não tenho idéia de onde anda. As últimas notícias davam conta de que tinha uma namorada, de que escrevia um livro, de que estava bem. Minhas últimas notícias soaram déjà vu: estou indo viajar.
Às vezes, quando me lembro do mar em todos os seus figurinos – de Fernando de Noronha ao Caribe, do Pacífico ao Mediterrâneo –, às vezes me lembro também de seus olhos. E do barulho das ondas: shhhhhhh.
domingo, 13 de janeiro de 2008
Vôo JJ3054
Manifesto aqui minha solidariedade com os parentes das vítimas do vôo TAM JJ3054 que aguardam abertura de inquérito para apontar os responsáveis pelo trágico acidente.
Eles, como eu, esperam que a digníssima senhora Denise Abreu, diretora da Agência Nacional de Aviação Civil na época, não se furte à responsabilidade de prestar depoimento sobre a tragédia. Dona Denise, todos a esperam no 27o Distrito Policial. Não vá fugir, hein?
Os demais patetas da Anac deveriam também ser intimados, incluindo um pateta que não era da incompetente agência mencionada acima: o senhor Marco Aurélio Garcia, assessor da presidência, que gargalhou porque ignora o significado da palavra solidariedade. Deixe estar, senhor, um dia vai querer nossa ajuda e... será que estaremos disponíveis ou iremos gargalhar de seu infortúnio?
É impressionante como os governos, em todas as esferas, dão de ombros para as tragédias miúdas ou imensas que atingem os cidadãos brasileiros diariamente. Estão mais preocupados com suas riquezas e luxos, com sua ignorância e com o poder e o status que pensam deter. Tenho pena deles. Perdidos em labirintos -- e o monstro que os espera é pior que o Minotauro.
Estamos no país das decadências. Conformados e mimados pelas abundâncias naturais, comandados e humilhados por bundonas e bundões. Tristes de nós, povo alegre.
Familiares das vítimas, coragem e fé.
Eles, como eu, esperam que a digníssima senhora Denise Abreu, diretora da Agência Nacional de Aviação Civil na época, não se furte à responsabilidade de prestar depoimento sobre a tragédia. Dona Denise, todos a esperam no 27o Distrito Policial. Não vá fugir, hein?
Os demais patetas da Anac deveriam também ser intimados, incluindo um pateta que não era da incompetente agência mencionada acima: o senhor Marco Aurélio Garcia, assessor da presidência, que gargalhou porque ignora o significado da palavra solidariedade. Deixe estar, senhor, um dia vai querer nossa ajuda e... será que estaremos disponíveis ou iremos gargalhar de seu infortúnio?
É impressionante como os governos, em todas as esferas, dão de ombros para as tragédias miúdas ou imensas que atingem os cidadãos brasileiros diariamente. Estão mais preocupados com suas riquezas e luxos, com sua ignorância e com o poder e o status que pensam deter. Tenho pena deles. Perdidos em labirintos -- e o monstro que os espera é pior que o Minotauro.
Estamos no país das decadências. Conformados e mimados pelas abundâncias naturais, comandados e humilhados por bundonas e bundões. Tristes de nós, povo alegre.
Familiares das vítimas, coragem e fé.
sábado, 12 de janeiro de 2008
HISTÓRIAS PARA CRIANÇAS
Era uma vez um camelo
Era uma mulher meio moça meio matusalém
O comandante, então, disse ao mar:
Fogo e água resolveram imitar um ao outro.
E vivia no deserto de Jericó
Era uma mulher que sentia todas as coisas que estavam no dicionário – inclusive algumas que o idioma ainda não contemplava
Agora já é hora de nós partimos. Vamos.
O fogo tinha um pouco de inveja da água. A água já tinha pensado em ser fogo um dia.
Um dia ele se apaixonou por uma oliveira
Era uma mulher que enxergava além do mundo, além do muro, além do duro, além do escuro, além da escada, além da espada, além da própria espalda
O mar surpreendeu-se. Gostou da notícia. Agitou-se.
O fogo, então, molhou. A água queimou.
Que ele via ao longe, como se fosse miragem
Era uma mulher que comia comida e ar e vento e mar e impressões e digitais e contornos e preenchimentos e cores e formas e texturas
Calma, voltou a falar o comandante. A serenidade é a melhor das qualidades.
O fogo ficou transparente. A água ganhou todas as tonalidades de vermelho e amarelo e lilás que nem imaginava ser possíveis.
Era miragem?
Era uma mulher que escutava o barulhinho das nuvens branquinhas o ruidinho da espuminha do mar quando fazia espuminha e principalmente o tilintar do raiozinho do sol em contato com as coisas e os seres
O mar tentou ficar sereno. Sentiu os peixinhos. Uma gaivota lhe fez cócegas.
O fogo evaporou. Assustou-se. A água sumiu, mas, em vez de ressuscitar, na forma de vapor ou gelo, virou outra coisa. Cinzas. O fogo, depois, endureceu. Ficou chocado.
Ele ficava impressionado com a lombada cheia e delicada da oliveira Com a lombada cor verde queimado Com a delicadeza das finas pernas marrom acinzentadas da oliveira Com essas cores tão peculiares Com essa musa...
Era uma mulher que andava pouco mas se movimentava muito que voava que nadava que navegava que mergulhava que saltava que piruetava. Piruetava?
O comandante começou a ir. O mar também. Apenas os dois.
Fogo e água resolveram ser eles mesmos. Não gostaram da experiência de ser o outro: era difícil e esquisito.
Um dia o camelo resolveu ir ao encontro de sua musa
Essa mulher tinha uma coisa muito especial, no entanto, diante dessa toda aparente e grande normalidade: seu tato era muito, muito, muito sensível.
Não havia naus. Não havia tripulantes. Não havia bandeiras. Não havia slogans ou brasões.
Mas um continuava a admirar-se com o outro. E a admirar o outro.
Conforme caminhava, sob o forte sol de Jericó,
Ela nem precisava tocar concretamente e já encostava abstratamente
Apenas o comandante e o mar. Que não era seu. Não era “seu” comandante. Não era “seu” mar. Eram, apenas, comandante e mar.
Assim, o fogo decidiu ser mais fogo. Desenvolver-se como fogo.
A visão ia ficando cada vez mais nítida:
Como se fosse um poderoso ultra-som, seu tato tateava sem incomodar
Iam juntos e em silêncio. Mas podíamos ver o sorriso em ambos os rostos.
A água, por sua vez, revelou todos os seus encantos de água. Mesmo aqueles dos quais ela mesma duvidava.
Naquele vale de areias furta-cor, areias quase brancas
areias muito amarelas areias quase douradas havia apenas
E acariciava muitas vezes de longe, muito longe,
Havia uma prontidão, uma disponibilidade. Havia companheirismo.
Os dois viram que isso era bom. E, pasme!, apaixonaram-se.
Uma árvore. Uma oliveira muito velha e muito calma.
As peles. As faces. Os corpos. As costas. Os genitais. Os pés. As mãos.
Encontraram o horizonte no meio do caminho. É hora de partir, disse o comandante ao horizonte. Vamos.
Tiveram uma filhinha: a água-viva.
O camelo, a princípio, ficou bem desapontado. Depois, olhando ao redor, constatando toda a caminhada, descobriu-se num novo deserto de Jericó
Dela mesma e de todas as gentes
O horizonte espreguiçou-se. Num momento, brasileiros e australianos tiveram a impressão de receberem a mesma quantidade de luz. Vamos, então.
Água-viva tinha o jeitão da mãe, mas puxou o jeitinho de ser do pai.
Jericó havia mudado ou ele, camelo, havia mudado?
Isso era um dom ou uma provocação?
E foram os três. O comandante, o mar e o horizonte. Eram tão belos juntos que eu os chamei de “mundo”.
Na escolinha onde os pais a puseram, água-viva ficou bem amiguinha da estrela-do-mar. Foram felizes para sempre, embora de vez em quando chorassem, brigassem ou espirrassem. ;)
Era uma mulher meio moça meio matusalém
O comandante, então, disse ao mar:
Fogo e água resolveram imitar um ao outro.
E vivia no deserto de Jericó
Era uma mulher que sentia todas as coisas que estavam no dicionário – inclusive algumas que o idioma ainda não contemplava
Agora já é hora de nós partimos. Vamos.
O fogo tinha um pouco de inveja da água. A água já tinha pensado em ser fogo um dia.
Um dia ele se apaixonou por uma oliveira
Era uma mulher que enxergava além do mundo, além do muro, além do duro, além do escuro, além da escada, além da espada, além da própria espalda
O mar surpreendeu-se. Gostou da notícia. Agitou-se.
O fogo, então, molhou. A água queimou.
Que ele via ao longe, como se fosse miragem
Era uma mulher que comia comida e ar e vento e mar e impressões e digitais e contornos e preenchimentos e cores e formas e texturas
Calma, voltou a falar o comandante. A serenidade é a melhor das qualidades.
O fogo ficou transparente. A água ganhou todas as tonalidades de vermelho e amarelo e lilás que nem imaginava ser possíveis.
Era miragem?
Era uma mulher que escutava o barulhinho das nuvens branquinhas o ruidinho da espuminha do mar quando fazia espuminha e principalmente o tilintar do raiozinho do sol em contato com as coisas e os seres
O mar tentou ficar sereno. Sentiu os peixinhos. Uma gaivota lhe fez cócegas.
O fogo evaporou. Assustou-se. A água sumiu, mas, em vez de ressuscitar, na forma de vapor ou gelo, virou outra coisa. Cinzas. O fogo, depois, endureceu. Ficou chocado.
Ele ficava impressionado com a lombada cheia e delicada da oliveira Com a lombada cor verde queimado Com a delicadeza das finas pernas marrom acinzentadas da oliveira Com essas cores tão peculiares Com essa musa...
Era uma mulher que andava pouco mas se movimentava muito que voava que nadava que navegava que mergulhava que saltava que piruetava. Piruetava?
O comandante começou a ir. O mar também. Apenas os dois.
Fogo e água resolveram ser eles mesmos. Não gostaram da experiência de ser o outro: era difícil e esquisito.
Um dia o camelo resolveu ir ao encontro de sua musa
Essa mulher tinha uma coisa muito especial, no entanto, diante dessa toda aparente e grande normalidade: seu tato era muito, muito, muito sensível.
Não havia naus. Não havia tripulantes. Não havia bandeiras. Não havia slogans ou brasões.
Mas um continuava a admirar-se com o outro. E a admirar o outro.
Conforme caminhava, sob o forte sol de Jericó,
Ela nem precisava tocar concretamente e já encostava abstratamente
Apenas o comandante e o mar. Que não era seu. Não era “seu” comandante. Não era “seu” mar. Eram, apenas, comandante e mar.
Assim, o fogo decidiu ser mais fogo. Desenvolver-se como fogo.
A visão ia ficando cada vez mais nítida:
Como se fosse um poderoso ultra-som, seu tato tateava sem incomodar
Iam juntos e em silêncio. Mas podíamos ver o sorriso em ambos os rostos.
A água, por sua vez, revelou todos os seus encantos de água. Mesmo aqueles dos quais ela mesma duvidava.
Naquele vale de areias furta-cor, areias quase brancas
areias muito amarelas areias quase douradas havia apenas
E acariciava muitas vezes de longe, muito longe,
Havia uma prontidão, uma disponibilidade. Havia companheirismo.
Os dois viram que isso era bom. E, pasme!, apaixonaram-se.
Uma árvore. Uma oliveira muito velha e muito calma.
As peles. As faces. Os corpos. As costas. Os genitais. Os pés. As mãos.
Encontraram o horizonte no meio do caminho. É hora de partir, disse o comandante ao horizonte. Vamos.
Tiveram uma filhinha: a água-viva.
O camelo, a princípio, ficou bem desapontado. Depois, olhando ao redor, constatando toda a caminhada, descobriu-se num novo deserto de Jericó
Dela mesma e de todas as gentes
O horizonte espreguiçou-se. Num momento, brasileiros e australianos tiveram a impressão de receberem a mesma quantidade de luz. Vamos, então.
Água-viva tinha o jeitão da mãe, mas puxou o jeitinho de ser do pai.
Jericó havia mudado ou ele, camelo, havia mudado?
Isso era um dom ou uma provocação?
E foram os três. O comandante, o mar e o horizonte. Eram tão belos juntos que eu os chamei de “mundo”.
Na escolinha onde os pais a puseram, água-viva ficou bem amiguinha da estrela-do-mar. Foram felizes para sempre, embora de vez em quando chorassem, brigassem ou espirrassem. ;)
sexta-feira, 11 de janeiro de 2008
simples existência
O rato roeu a roupa do rei de Roma
O sapo suspirou na sacada do solário
O caracol caramelou o colchonete da carcaça.
Mas a malvadeza das mentes mesmíticas me matou
Eu sei que travei tua língua. Mas você entortou meu pescoço.
E eu não entrei para os anais nem para as gramáticas
Muito menos para as revistinhas de passatempo.
O sapo suspirou na sacada do solário
O caracol caramelou o colchonete da carcaça.
Mas a malvadeza das mentes mesmíticas me matou
Eu sei que travei tua língua. Mas você entortou meu pescoço.
E eu não entrei para os anais nem para as gramáticas
Muito menos para as revistinhas de passatempo.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
CV
Então eu prometi mudar o disco. De agora em diante, só CDs regraváveis.
Prometi não chorar mais com música do rádio. Quem é que chora com música de rádio hoje em dia, meu Deus? Prometi também evitar lágrimas furtivas em momentos furtivos.
Prometi não me encantar mais com rapazes encantadores. De parar de olhar para a beleza não óbvia e me encantar com ela. De achar deserto bonito, tão bonito quanto o mar, justamente o mar que é um querido, meu querido. Prometi não querer mais o mar. Desistir dos peixes e dos corais.
Prometi parar de salivar por pão de queijo e broa de fubá, podem ter gordura trans, de sonhar com a torta de ricota de mamãe, engorda na certa, de parar de empilhar livros e papéis no chão, isso provoca mais bagunça, de lavar a louça assim que terminasse de comer, pois aí evito o problema de não ter mais garfos limpos.
Prometi pôr cola na cadeira e não me deixar voar. Da minha janela venta muito – e a saia de joaninhas continua firme, mas prometi doá-la. Prometi fazer ginástica metódica todos os dias, senão serei a única pessoa com barriga no mundo. Ou gordura localizada, ou celulite, porque a mulher brasileira não tem mais disso. Prometi fazer um monte de promessas.
Prometi voltar a trabalhar doze horas por dia e almejar o sucesso. Prometi competir com idiotas e inteligentes pela melhor vaga. Afinal, está meio difícil lidar com esses adjetivos que andam atribuindo a mim por aí – louca, alternativa, exótica, palhaça. Prometi não querer mais ser palhaça, então. Ou logo alguém me põe no zoológico. E parar de falar com a Márcia, com a Débora, com o Jeff, com a Ana, com o Fernando, com a Wal, com a Sonia, com o Alysson, com o Guilherme, com o Lucas, entre outros, com todas essas más companhias.
Prometi não escrever mais – só assim saio de meu autismo voluntário, socialmente perigoso, intelectualmente indelével. Prometi usar sapato sempre, quiçá de salto, para poupar as solas do pé. Prometi, portanto, me privar do prazer do pé no chão porque acham que não tenho os pés no chão. E prometi não ter mais a cabeça na lua, como aquela mesma gente do zoo exótico acha que tenho. Não olho mais para a lua cheia, então. Prometo.
Prometi gostar de cinema em shopping e de filme blockbuster porque ninguém entende meu gosto por “Still Life”, “O Sabor da Melancia”, “O Labirinto do Fauno”, “Usak”, “XXY”. Prometi parar de ler Clarice Lispector e escutar Maria Bethania, gente muito subversiva. Prometi voltar a ler a instrutiva revista semanal e achar que Deus é um delírio tal e qual o Richard Dawkins afirma apenas para meus colegas, antigos colegas, me acharem pop de novo. Porque me importo pouco em ser pop e isso parece não ser conveniente.
Prometi ler mais literatura espírita e de auto-ajuda, senão não me ajudo a socializar. Quem já leu “O Que Eu Amava”, por exemplo? Ou “Mania de Explicação”? Prometi acabar com esse blog que ninguém lê, pois (1) não tenho page views ou patrocínio e (2) ninguém deixa recados. Decidi prometer não pintar mais telas porque, pelo amor de Deus, bom senso é bom e muita gente pode acabar gostando. Prometi não chamar mais a Palestina de Palestina e voltar a me referir à região como Cisjordânia só porque vários colegas jornalistas me acham ignorante e desatualizada. Prometi também dizer que prefiro morar nos Estados Unidos a viver no México ou na Turquia, pois já estavam querendo me riscar para fora do mapa. Prometi ignorar os mapas.
Prometi ignorar também meus Ts, nos sentidos metafórico e literal.
Prometi achar que sei tudo sobre tudo e que sei o bastante, então.
Prometi voltar àquele comportamento agressivo e espinhoso da adolescência hormonal e insegura para defender as minhas idéias. Ninguém entende de paz mesmo, me falaram. E os adultos são um bando de adolescentes mantidos ilesos a fórceps e a faca cirúrgica.
Prometi xingar Carlos Drummond de Andrade pelo desserviço à sensibilidade alheia.
Prometi limar meu primeiro nome, pois há quem o ache brega. O segundo lembra nome de presidente, também acham brega, mas se eu limá-lo vou me chamar o quê? Essa promessa ainda é dúvida.
Prometi ser egoísta, pois ouvi dizer que não está com nada ser solidária.
Prometi não comer mais mamão diariamente e deixar tudo travar nos intestinos. Porque, é estranho, quanta gente prefere o apego, a retenção, o acúmulo, a prisão de ventre metafórica – talvez eu precise ser igual.
E na hora de apertar a tecla ENTER não reconheci esse ser humano prometido. Decidi mandar o senso comum à merda e teclei DELETE. Dei descarga e, ralo abaixo, desceram essas promessas tolas que quiseram me vender por módicos 50 centavos cada uma. Com a grana que poupei, comprei uma passagem aérea.
E depois ficam me perguntando sobre minha fonte de renda.
Prometi não chorar mais com música do rádio. Quem é que chora com música de rádio hoje em dia, meu Deus? Prometi também evitar lágrimas furtivas em momentos furtivos.
Prometi não me encantar mais com rapazes encantadores. De parar de olhar para a beleza não óbvia e me encantar com ela. De achar deserto bonito, tão bonito quanto o mar, justamente o mar que é um querido, meu querido. Prometi não querer mais o mar. Desistir dos peixes e dos corais.
Prometi parar de salivar por pão de queijo e broa de fubá, podem ter gordura trans, de sonhar com a torta de ricota de mamãe, engorda na certa, de parar de empilhar livros e papéis no chão, isso provoca mais bagunça, de lavar a louça assim que terminasse de comer, pois aí evito o problema de não ter mais garfos limpos.
Prometi pôr cola na cadeira e não me deixar voar. Da minha janela venta muito – e a saia de joaninhas continua firme, mas prometi doá-la. Prometi fazer ginástica metódica todos os dias, senão serei a única pessoa com barriga no mundo. Ou gordura localizada, ou celulite, porque a mulher brasileira não tem mais disso. Prometi fazer um monte de promessas.
Prometi voltar a trabalhar doze horas por dia e almejar o sucesso. Prometi competir com idiotas e inteligentes pela melhor vaga. Afinal, está meio difícil lidar com esses adjetivos que andam atribuindo a mim por aí – louca, alternativa, exótica, palhaça. Prometi não querer mais ser palhaça, então. Ou logo alguém me põe no zoológico. E parar de falar com a Márcia, com a Débora, com o Jeff, com a Ana, com o Fernando, com a Wal, com a Sonia, com o Alysson, com o Guilherme, com o Lucas, entre outros, com todas essas más companhias.
Prometi não escrever mais – só assim saio de meu autismo voluntário, socialmente perigoso, intelectualmente indelével. Prometi usar sapato sempre, quiçá de salto, para poupar as solas do pé. Prometi, portanto, me privar do prazer do pé no chão porque acham que não tenho os pés no chão. E prometi não ter mais a cabeça na lua, como aquela mesma gente do zoo exótico acha que tenho. Não olho mais para a lua cheia, então. Prometo.
Prometi gostar de cinema em shopping e de filme blockbuster porque ninguém entende meu gosto por “Still Life”, “O Sabor da Melancia”, “O Labirinto do Fauno”, “Usak”, “XXY”. Prometi parar de ler Clarice Lispector e escutar Maria Bethania, gente muito subversiva. Prometi voltar a ler a instrutiva revista semanal e achar que Deus é um delírio tal e qual o Richard Dawkins afirma apenas para meus colegas, antigos colegas, me acharem pop de novo. Porque me importo pouco em ser pop e isso parece não ser conveniente.
Prometi ler mais literatura espírita e de auto-ajuda, senão não me ajudo a socializar. Quem já leu “O Que Eu Amava”, por exemplo? Ou “Mania de Explicação”? Prometi acabar com esse blog que ninguém lê, pois (1) não tenho page views ou patrocínio e (2) ninguém deixa recados. Decidi prometer não pintar mais telas porque, pelo amor de Deus, bom senso é bom e muita gente pode acabar gostando. Prometi não chamar mais a Palestina de Palestina e voltar a me referir à região como Cisjordânia só porque vários colegas jornalistas me acham ignorante e desatualizada. Prometi também dizer que prefiro morar nos Estados Unidos a viver no México ou na Turquia, pois já estavam querendo me riscar para fora do mapa. Prometi ignorar os mapas.
Prometi ignorar também meus Ts, nos sentidos metafórico e literal.
Prometi achar que sei tudo sobre tudo e que sei o bastante, então.
Prometi voltar àquele comportamento agressivo e espinhoso da adolescência hormonal e insegura para defender as minhas idéias. Ninguém entende de paz mesmo, me falaram. E os adultos são um bando de adolescentes mantidos ilesos a fórceps e a faca cirúrgica.
Prometi xingar Carlos Drummond de Andrade pelo desserviço à sensibilidade alheia.
Prometi limar meu primeiro nome, pois há quem o ache brega. O segundo lembra nome de presidente, também acham brega, mas se eu limá-lo vou me chamar o quê? Essa promessa ainda é dúvida.
Prometi ser egoísta, pois ouvi dizer que não está com nada ser solidária.
Prometi não comer mais mamão diariamente e deixar tudo travar nos intestinos. Porque, é estranho, quanta gente prefere o apego, a retenção, o acúmulo, a prisão de ventre metafórica – talvez eu precise ser igual.
E na hora de apertar a tecla ENTER não reconheci esse ser humano prometido. Decidi mandar o senso comum à merda e teclei DELETE. Dei descarga e, ralo abaixo, desceram essas promessas tolas que quiseram me vender por módicos 50 centavos cada uma. Com a grana que poupei, comprei uma passagem aérea.
E depois ficam me perguntando sobre minha fonte de renda.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
fluxo
e eu aqui nos suspiros mais profundos alguns deles meio imundos porque ainda não tirei o pó acumulado ventava mas lá tudo é meio seco até as oliveiras parecem ressecadas o coração dele me dá a impressão de também estar árido embora eu saiba que ele não é dado a rompantes mas como todo e qualquer ser humano apaixona-se talvez já o tenha visto apaixonado só que não se apaixonou por mim nem eu queria exatamente que se apaixonasse porque eu mesma não me sinto apaixonada porém o fato é que ele me encanta e eu gostaria ao menos que retribuísse meu encanto com um encanto só dele sem aridez sem poeira sem deixar-me na secura de qualquer sinal de afeto eu ainda guardo a recordação do brilho dos olhos da voz rouca das costas largas mulheres prestam atenção no tórax pois parece que há outras que o encantam outras que também não estão integradas à paisagem da qual ele faz parte outras que insistem
e eu aqui com o toque ainda presente daquelas mãos quentes e o sorriso puro nos olhos que se apequenam quando se agrandam ele é leve leve e suave mas sabe ser forte e selvagem e ser garoto e ser homem só que há uma vida pela frente e me incomodo com o que nem sei o que me incomoda exatamente talvez eu quisesse mais atenção mas já tenho atenção dadas as condições talvez eu tenha saudade mas já confessei a saudade talvez um monte de coisas eu esteja satisfeita e insatisfeita ao mesmo tempo é que aquelas mãos fortes e firmes daquele corpo leve leve me fazem falta e me trazem lembranças e sensações e sentimentos que não identifico ao certo porém tem a distância e tem o montão de possibilidades lá e cá e pessoas a apequenar seus olhos e a agrandá-los arrancando-lhe sorrisos lindos e
e eu aqui com um carinho grande já transformado porque passou aquele período do fogo o fogo arde sem ver e dói ferida que se sente sim concordo contentamento descontente contudo se revela depois carinho afeto ternura outra coisa e mesmo assim lateja e me preocupo e queria falar todos os dias e queria estar todos os dias e não dá não está está ocupado está agotado está preocupado não está disponível quer voltar à Argentina ou talvez seguir até a Tailândia às vezes torna-se peso pesado de mais nuvem carregada me lembrei agora do filme do Tsai Ming-liang do clima do filme da essência não que ele me recorde algum dos personagens especificamente embora ele goste do tema desse tema dos corpos extravasando limites ou talvez ele simplesmente não goste muito de mim e não quis ainda admitir que
e eu aqui às voltas com páginas antigas mas são páginas vividas e tão bonitas e me emociono talvez mais com a lembrança é que foi tão bonito tudo e demorou cinco anos para se concretizar e tinha a cor azul e tinha tudo muito azul os olhos dele eram azuis são espero que sejam não sei mais onde está pode estar no mesmo lugar ou em outro movimenta-se muito também e foge dos compromissos segundo minha amiga de Jerusalém que além de ativista é psicóloga então mas ele me acolheu bem e falávamos em três línguas o espanhol era para as latências o inglês para a razão e o francês para os caprichos o espanhol também para os espaços ele me mostrou poemas e eu lhe enviei os meus só que então faz tempo ele não escreve nem dá notícias penso até
eu agarro tudo isso porque são fragmentos do meu instante que não passa ou que volta já não sei bem identificar na verdade parece sempre que quero tudo de todas as maneiras tampouco sei talvez eu não suporte na verdade ser esquecida aqui não falo de relacionamentos ou traição nem de compromissos tudo é mais profundo é leve envolve além-limites dos corpos poemas azuis envolve tanta coisa se os sentimentos brotam dos neurônios e não do coração devo ter uma quantidade de neurônios a mais faço parte daqueles que têm partes a mais e a menos meia glândula um baço a mais mais neurônios talvez então porque não pára de ter sentimento aqui e lembranças e lembranças acho que queria ser várias para estar com vários e ao mesmo tempo poder estar estou no tempo presente mas nunca estou ninguém filosoficamente em sã consciência explicou isso e sinto assim sou portanto
e Deus criou a mulher num dia fora do calendário semanal.
e o homem viu que era bom.
mas não confessou.
e eu aqui com o toque ainda presente daquelas mãos quentes e o sorriso puro nos olhos que se apequenam quando se agrandam ele é leve leve e suave mas sabe ser forte e selvagem e ser garoto e ser homem só que há uma vida pela frente e me incomodo com o que nem sei o que me incomoda exatamente talvez eu quisesse mais atenção mas já tenho atenção dadas as condições talvez eu tenha saudade mas já confessei a saudade talvez um monte de coisas eu esteja satisfeita e insatisfeita ao mesmo tempo é que aquelas mãos fortes e firmes daquele corpo leve leve me fazem falta e me trazem lembranças e sensações e sentimentos que não identifico ao certo porém tem a distância e tem o montão de possibilidades lá e cá e pessoas a apequenar seus olhos e a agrandá-los arrancando-lhe sorrisos lindos e
e eu aqui com um carinho grande já transformado porque passou aquele período do fogo o fogo arde sem ver e dói ferida que se sente sim concordo contentamento descontente contudo se revela depois carinho afeto ternura outra coisa e mesmo assim lateja e me preocupo e queria falar todos os dias e queria estar todos os dias e não dá não está está ocupado está agotado está preocupado não está disponível quer voltar à Argentina ou talvez seguir até a Tailândia às vezes torna-se peso pesado de mais nuvem carregada me lembrei agora do filme do Tsai Ming-liang do clima do filme da essência não que ele me recorde algum dos personagens especificamente embora ele goste do tema desse tema dos corpos extravasando limites ou talvez ele simplesmente não goste muito de mim e não quis ainda admitir que
e eu aqui às voltas com páginas antigas mas são páginas vividas e tão bonitas e me emociono talvez mais com a lembrança é que foi tão bonito tudo e demorou cinco anos para se concretizar e tinha a cor azul e tinha tudo muito azul os olhos dele eram azuis são espero que sejam não sei mais onde está pode estar no mesmo lugar ou em outro movimenta-se muito também e foge dos compromissos segundo minha amiga de Jerusalém que além de ativista é psicóloga então mas ele me acolheu bem e falávamos em três línguas o espanhol era para as latências o inglês para a razão e o francês para os caprichos o espanhol também para os espaços ele me mostrou poemas e eu lhe enviei os meus só que então faz tempo ele não escreve nem dá notícias penso até
eu agarro tudo isso porque são fragmentos do meu instante que não passa ou que volta já não sei bem identificar na verdade parece sempre que quero tudo de todas as maneiras tampouco sei talvez eu não suporte na verdade ser esquecida aqui não falo de relacionamentos ou traição nem de compromissos tudo é mais profundo é leve envolve além-limites dos corpos poemas azuis envolve tanta coisa se os sentimentos brotam dos neurônios e não do coração devo ter uma quantidade de neurônios a mais faço parte daqueles que têm partes a mais e a menos meia glândula um baço a mais mais neurônios talvez então porque não pára de ter sentimento aqui e lembranças e lembranças acho que queria ser várias para estar com vários e ao mesmo tempo poder estar estou no tempo presente mas nunca estou ninguém filosoficamente em sã consciência explicou isso e sinto assim sou portanto
e Deus criou a mulher num dia fora do calendário semanal.
e o homem viu que era bom.
mas não confessou.
muchedumbres
Aqui, de cá dentro, não dá para saber se a Terra é azul. Porque se trata de outro universo. Aqui, de cá dentro, de onde agora falo, não dá para saber se o punhadinho de vasos sangüíneos sobre o fígado vai crescer, um dia, e chamar minha atenção. Se o coração é vermelho, se as fezes começam a existir do jeito que a gente as conhece a partir desse ponto, etc. De novo: trata-se de outro universo.
Não há um vazio. Muita gente diz: sinto o vazio bem aqui. Aqui, cá dentro, está cheio. Preenchido. Cheio demais, talvez. Há lugar ainda, mas são muchedumbres. Sei, sei. Prefiro a palavra em espanhol, pois abarca mais o significado: muchedumbres. Cá dentro é o lugar das muchedumbres. De muitas ordens: pessoas, sentimentos, sensações, imaginações, fantasias, desejos, ordens diversas, desordens diversas. No aqui de muchedumbres, cercada de gentes por todos os lados, me sinto em plena Ilha Desconhecida, no comando de Ilha Desconhecida, a nau saramaguiana indo e vindo ao encontro de mim mesma. Eu, aqui, cá dentro. E sabe, me senti só. Agorinha ainda me sinto só, embora não tenha abandonado as muchedumbres. São duras, parecem mucho duras, mas de dureza que não retorna reflexo, resposta, revide, realce, remendo, o que for. Talvez, talvez-talvez, sinta um medinho ainda não definido de que as figuras de minhas multidões internas sejam apenas sombras geradas por minha memória. E que a distância já as tenha dissipado no cá fora. No agora. No lá.
Triste é viver entre as multidões e não achar ninguém. E ninguém achar você. E as multidões people people people nos lembrando ininterruptamente que é impossível não ser pessoa, mas que é francamente cabível perder-se. E, então, estar só. O princípio de uma muchedumbre é, justamente, fazer caber todos num espaço em que cada um talvez pouco se encontre. Assim encontrar ao acaso torna-se mais fácil que a procura. Possivelmente porque são apenas sombras e não presenças. Daí meu receio de abrir de fato o armário, as caixas do armário, as gavetas do armário, os sacos que estão nas caixas e nas gavetas. Não sei se estou preparada para as vagas limitadas, para o número contado, para o acesso restrito. Para as ausências.
Pensava que deixava algo de mim, mas está tudo tão preenchido que não sei se faltam pedaços ou se há sinais de presente, de presentes. Não confesso, mas sinto falta de postais, cartões de aniversário, abraços virtuais em programinhas virulentos ou mensagens me causem comoção, que me peguem de surpresa enquanto pico a cebola. Já não recebo mais flores. Perdi as audições para estar em sonhos alheios, e é por isso que a Ilha Desconhecida está sempre partindo sem tripulação. Quando chega, vem carregada de novos imigrantes. Eles passam a integrar as muchedumbres. Mas, então, eu me vejo só e os constato sombras, sem certezas.
Cá dentro é bonito e morno. Chove às vezes, à tardinha ou à noitinha, e raros sãos os dias nublados e frios. Existem mar, dunas e corais. Há igrejas e mesquitas, um castiçal de nove velas, livros e filmes. Padarias e guarda-sóis. As muchedumbres gostam de passear na pracinha, de ouvir música, de bebericar vinho tinto no jantar. Quando, às vezes, desce noite grossa e densa, parece que somem e que não há alma viva. Quando a nau parte, fingem que nem se importam. Mas já flagrei gente chorando quando, a bordo de Ilha Desconhecida, resolvi olhar para trás.
Um dia não estarei mais cá dentro. Talvez esteja no universo da Terra azul, talvez me perca no emaranhado de vasos do fígado ou do coração e não volte, talvez nada disso mas não mais cá. Então.
Seria lindo criar uma ponte entre cá dentro, aqui, e o lá fora, ali. Seria lindo se eu deixasse as muchedumbres se dissiparem em partidas, em sombras e em cinzas. Livres elas e eu, desprendida. Nau Ilha Desconhecida sempre pronta a partir e a voltar. Se em vez de hotéis cá dentro, eu construísse para uma pequena muchedumbre algumas casinhas de sapé, algumas fazendas ou sítios, algumas cabanas com rede e vista para o mar. Se eu preparasse mais pão-de-queijo e bolinho de chuva e deixasse minhas tintas livres, minhas canetas, meus papéis. E, se eu tirar as paredes, apenas quem não faz sombra se animaria a vir e a ficar. Se morarmos todos em Ilha Desconhecida, eu e quienes. E eu não me sentiria assim tão só, assombrada, cercada de gentes por todos os lados.
Não há um vazio. Muita gente diz: sinto o vazio bem aqui. Aqui, cá dentro, está cheio. Preenchido. Cheio demais, talvez. Há lugar ainda, mas são muchedumbres. Sei, sei. Prefiro a palavra em espanhol, pois abarca mais o significado: muchedumbres. Cá dentro é o lugar das muchedumbres. De muitas ordens: pessoas, sentimentos, sensações, imaginações, fantasias, desejos, ordens diversas, desordens diversas. No aqui de muchedumbres, cercada de gentes por todos os lados, me sinto em plena Ilha Desconhecida, no comando de Ilha Desconhecida, a nau saramaguiana indo e vindo ao encontro de mim mesma. Eu, aqui, cá dentro. E sabe, me senti só. Agorinha ainda me sinto só, embora não tenha abandonado as muchedumbres. São duras, parecem mucho duras, mas de dureza que não retorna reflexo, resposta, revide, realce, remendo, o que for. Talvez, talvez-talvez, sinta um medinho ainda não definido de que as figuras de minhas multidões internas sejam apenas sombras geradas por minha memória. E que a distância já as tenha dissipado no cá fora. No agora. No lá.
Triste é viver entre as multidões e não achar ninguém. E ninguém achar você. E as multidões people people people nos lembrando ininterruptamente que é impossível não ser pessoa, mas que é francamente cabível perder-se. E, então, estar só. O princípio de uma muchedumbre é, justamente, fazer caber todos num espaço em que cada um talvez pouco se encontre. Assim encontrar ao acaso torna-se mais fácil que a procura. Possivelmente porque são apenas sombras e não presenças. Daí meu receio de abrir de fato o armário, as caixas do armário, as gavetas do armário, os sacos que estão nas caixas e nas gavetas. Não sei se estou preparada para as vagas limitadas, para o número contado, para o acesso restrito. Para as ausências.
Pensava que deixava algo de mim, mas está tudo tão preenchido que não sei se faltam pedaços ou se há sinais de presente, de presentes. Não confesso, mas sinto falta de postais, cartões de aniversário, abraços virtuais em programinhas virulentos ou mensagens me causem comoção, que me peguem de surpresa enquanto pico a cebola. Já não recebo mais flores. Perdi as audições para estar em sonhos alheios, e é por isso que a Ilha Desconhecida está sempre partindo sem tripulação. Quando chega, vem carregada de novos imigrantes. Eles passam a integrar as muchedumbres. Mas, então, eu me vejo só e os constato sombras, sem certezas.
Cá dentro é bonito e morno. Chove às vezes, à tardinha ou à noitinha, e raros sãos os dias nublados e frios. Existem mar, dunas e corais. Há igrejas e mesquitas, um castiçal de nove velas, livros e filmes. Padarias e guarda-sóis. As muchedumbres gostam de passear na pracinha, de ouvir música, de bebericar vinho tinto no jantar. Quando, às vezes, desce noite grossa e densa, parece que somem e que não há alma viva. Quando a nau parte, fingem que nem se importam. Mas já flagrei gente chorando quando, a bordo de Ilha Desconhecida, resolvi olhar para trás.
Um dia não estarei mais cá dentro. Talvez esteja no universo da Terra azul, talvez me perca no emaranhado de vasos do fígado ou do coração e não volte, talvez nada disso mas não mais cá. Então.
Seria lindo criar uma ponte entre cá dentro, aqui, e o lá fora, ali. Seria lindo se eu deixasse as muchedumbres se dissiparem em partidas, em sombras e em cinzas. Livres elas e eu, desprendida. Nau Ilha Desconhecida sempre pronta a partir e a voltar. Se em vez de hotéis cá dentro, eu construísse para uma pequena muchedumbre algumas casinhas de sapé, algumas fazendas ou sítios, algumas cabanas com rede e vista para o mar. Se eu preparasse mais pão-de-queijo e bolinho de chuva e deixasse minhas tintas livres, minhas canetas, meus papéis. E, se eu tirar as paredes, apenas quem não faz sombra se animaria a vir e a ficar. Se morarmos todos em Ilha Desconhecida, eu e quienes. E eu não me sentiria assim tão só, assombrada, cercada de gentes por todos os lados.
segunda-feira, 7 de janeiro de 2008
Amendoins
A festa até que estava legal
Vinho, cerveja, vodca,
Música, almofadas pela sala,
Papo banal, discussões sobre cinema,
Putz, alguém falou em eleições –
política numa hora dessas, não! –
Risadas, uma ou outra bocejada serena,
Parte da turma sentada no chão,
Deixaram a luz da cozinha acesa, mas peraí
Que eu vou buscar amendoim – quem quer?
Eles já se conheciam,
Trocavam cumprimentos, uma ou outra idéia,
Ela o achava bem sexy,
Ele tentava não sentir tesão por ela.
Ele tinha uma namorada, ao que parece,
Ela? Não se sabia, mas não importava.
E foi depois da meia-noite
Que os dois, meio grogues,
Se tropeçaram na cozinha onde estiveram para,
Hmmm, buscar amendoim.
Você está bonita hoje,
Você está bonito sempre.
Não se sabe como o amendoim chegou à sala,
Mas chegou,
Pois não houve pausa, pelo contrário.
Área de serviço, aqui tem um quartinho,
A blusa dela já era, o zíper dele também.
Meu Deus, ela suspirou.
Meu Deus, ele gemeu.
Entregaram-se delirantes, quase febris,
A uma leva de sensações inexploradas
Que durou... três minutos, ou talvez, cinco?
E, logo, logo, ele já estava apertando o cinto.
A música seguiu rolando até o amanhecer,
Ninguém tirou as almofadas do chão.
Ele ia oferecer carona para ela, cheio de desejo,
Mas ela, precavida, preferiu um táxi.
Eles continuaram se encontrando aqui e ali,
Cumprimentos, algumas idéias, nada de mais.
Daquela noite apenas a certeza
Que o pratinho de amendoim
Ficou praticamente intacto.
Vinho, cerveja, vodca,
Música, almofadas pela sala,
Papo banal, discussões sobre cinema,
Putz, alguém falou em eleições –
política numa hora dessas, não! –
Risadas, uma ou outra bocejada serena,
Parte da turma sentada no chão,
Deixaram a luz da cozinha acesa, mas peraí
Que eu vou buscar amendoim – quem quer?
Eles já se conheciam,
Trocavam cumprimentos, uma ou outra idéia,
Ela o achava bem sexy,
Ele tentava não sentir tesão por ela.
Ele tinha uma namorada, ao que parece,
Ela? Não se sabia, mas não importava.
E foi depois da meia-noite
Que os dois, meio grogues,
Se tropeçaram na cozinha onde estiveram para,
Hmmm, buscar amendoim.
Você está bonita hoje,
Você está bonito sempre.
Não se sabe como o amendoim chegou à sala,
Mas chegou,
Pois não houve pausa, pelo contrário.
Área de serviço, aqui tem um quartinho,
A blusa dela já era, o zíper dele também.
Meu Deus, ela suspirou.
Meu Deus, ele gemeu.
Entregaram-se delirantes, quase febris,
A uma leva de sensações inexploradas
Que durou... três minutos, ou talvez, cinco?
E, logo, logo, ele já estava apertando o cinto.
A música seguiu rolando até o amanhecer,
Ninguém tirou as almofadas do chão.
Ele ia oferecer carona para ela, cheio de desejo,
Mas ela, precavida, preferiu um táxi.
Eles continuaram se encontrando aqui e ali,
Cumprimentos, algumas idéias, nada de mais.
Daquela noite apenas a certeza
Que o pratinho de amendoim
Ficou praticamente intacto.
domingo, 6 de janeiro de 2008
SAUDADE (no mundo onírico de Meryem)
CIRANDA
Se minha vida
Se minha vida, minha vida fosse minha
Só minha
Eu a enchia, a enchia de abraços os mais brilhantes
Com minhas lágrimas
Com meu sangue e meus fluidos secreções suores sabores cílios
Para fazer
Para fazer com que todos que nela passassem
Que nela entrassem
Deixassem rastro, rastro visível e perscrutável
Quando fosse, quando fosse
Quando fosse o momento de –
Quando fossem.
Aprendizado dilacerador de órgãos
Esponjosos cartilaginosos musculosos
– ah, porque sempre somos tão sempre musculosos
Para as sentimentalidades todas dessa vida tão provocadora –
Dói imundo porque dói fundo!
Dói por quê?
Par.
Ti, ti, ti, sempre tu, em mim.
Da. Dar. Dor.
Não, não vá.
Não vão.
Suspiro. Em vão.
Sei que vamos todos, também eu.
Queria sempre dizer: bem-vindo.
Mas-estou-sempre-indo.
E nem é da morte que falo! Nem é! Nem é!
Embora meu abraço ainda caiba você e seu mundo e os galhos todos de seu crescimento substantivo e amadurecimento adjetivo e vivências adverbiais e léxico sintático nexo sintético de todas as minhas
Sentimentalidades oceânicas sem porto, sem ilhas, só fluxo.
E-tu-do-pre-ci-sa-fluir-ir-ir-ir-ir.
O que é o amor senão um esponjar-se cartilaginoso nesse lugar o menos musculoso de todos que carregamos aqui dentro e que dói fisicamente embora neguem qualquer origem ou originalidade dessa força toda nele?
Sau. Sal. Oceano, mares – e então a areia disse que era hora de o mar parar de chegar-se assim, como se fosse, porque já era.
Da. Daí a ressaca e aquela onda enorme.
De. De memórias físicas, onda enorme de preenchimentos diversos.
Sinto o seu, os seus, agora, são todos.
Tudo o que é vivo – e mar é vivo, e nuvem é viva, e os barrancos são vivos,
Ressentem esse momento de.
Par. Parar?
Ti. Tirar?
Tu. Ou você.
Ra – raptura, ruptura. Daí todas as fenomenologias ditas atmosféricas ou geológicas, mas são todas humanas, muito humanas.
Re. Os radicais. Os flexíveis. Viva a liberdade. Gramaticalmente significa de novo? Novamente? Nova chance?
Tor. Dor? De novo? Dor.
No. Não? Sim, por favor. Choro porque dá saudade e sou sentimental e é como se fosse ficar sempre sozinha sem ver de novo ou sem sentir de novo. Re-tor. Torto.
Nem!!!
Vem!
Vêm!
Vêem!
Se essa vida, se essa minha vida fosse
Fosse apenas minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Ladrilhar os recantos mais aquecidos
Com a intensidade e a voracidade e a plenitude mais doces, de doçuras ternas e tenras e cheias de terra e folhas e mar e barrancos e nuvens e areia
Só para ver, só para sentir, só para você ficar.
>>> Dedicado a J, HH, D, F. Saudade.
Queria poder ter continuação de algum jeito. Mas a vida é dinâmica que só. E o vento que me chama, nos dias radiosos, e os chama também. Chamas tais e quais chamas.
Se minha vida, minha vida fosse minha
Só minha
Eu a enchia, a enchia de abraços os mais brilhantes
Com minhas lágrimas
Com meu sangue e meus fluidos secreções suores sabores cílios
Para fazer
Para fazer com que todos que nela passassem
Que nela entrassem
Deixassem rastro, rastro visível e perscrutável
Quando fosse, quando fosse
Quando fosse o momento de –
Quando fossem.
Aprendizado dilacerador de órgãos
Esponjosos cartilaginosos musculosos
– ah, porque sempre somos tão sempre musculosos
Para as sentimentalidades todas dessa vida tão provocadora –
Dói imundo porque dói fundo!
Dói por quê?
Par.
Ti, ti, ti, sempre tu, em mim.
Da. Dar. Dor.
Não, não vá.
Não vão.
Suspiro. Em vão.
Sei que vamos todos, também eu.
Queria sempre dizer: bem-vindo.
Mas-estou-sempre-indo.
E nem é da morte que falo! Nem é! Nem é!
Embora meu abraço ainda caiba você e seu mundo e os galhos todos de seu crescimento substantivo e amadurecimento adjetivo e vivências adverbiais e léxico sintático nexo sintético de todas as minhas
Sentimentalidades oceânicas sem porto, sem ilhas, só fluxo.
E-tu-do-pre-ci-sa-fluir-ir-ir-ir-ir.
O que é o amor senão um esponjar-se cartilaginoso nesse lugar o menos musculoso de todos que carregamos aqui dentro e que dói fisicamente embora neguem qualquer origem ou originalidade dessa força toda nele?
Sau. Sal. Oceano, mares – e então a areia disse que era hora de o mar parar de chegar-se assim, como se fosse, porque já era.
Da. Daí a ressaca e aquela onda enorme.
De. De memórias físicas, onda enorme de preenchimentos diversos.
Sinto o seu, os seus, agora, são todos.
Tudo o que é vivo – e mar é vivo, e nuvem é viva, e os barrancos são vivos,
Ressentem esse momento de.
Par. Parar?
Ti. Tirar?
Tu. Ou você.
Ra – raptura, ruptura. Daí todas as fenomenologias ditas atmosféricas ou geológicas, mas são todas humanas, muito humanas.
Re. Os radicais. Os flexíveis. Viva a liberdade. Gramaticalmente significa de novo? Novamente? Nova chance?
Tor. Dor? De novo? Dor.
No. Não? Sim, por favor. Choro porque dá saudade e sou sentimental e é como se fosse ficar sempre sozinha sem ver de novo ou sem sentir de novo. Re-tor. Torto.
Nem!!!
Vem!
Vêm!
Vêem!
Se essa vida, se essa minha vida fosse
Fosse apenas minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Ladrilhar os recantos mais aquecidos
Com a intensidade e a voracidade e a plenitude mais doces, de doçuras ternas e tenras e cheias de terra e folhas e mar e barrancos e nuvens e areia
Só para ver, só para sentir, só para você ficar.
>>> Dedicado a J, HH, D, F. Saudade.
Queria poder ter continuação de algum jeito. Mas a vida é dinâmica que só. E o vento que me chama, nos dias radiosos, e os chama também. Chamas tais e quais chamas.
...
Aumentei eu ou o mundo encolheu
Mas já não caibo mais nele
Fiquei grande demais para esse globo apertado
E pesado, como um armário pouco usado no decorrer de anos,
Com suas manchas ressecadas, os buracos abertos
E a fechadura esperando um conserto de tempos
Tudo pequeno demais para mim
Como uma teimosa Alice que provou do biscoito
Meu pensamento chegava à estratosfera
E meus sentimentos vazavam intermitentes em tsunamis
Que aperto, que sufoco,
Mundo tudo tão maluco ficou louco
E eu tão grande, tão imensa
Tanta coisa presa...
A Terra é azul.
Uma bandeira ainda tremula na Lua
Consegui ver Deus, triste mas Deus
Não me apequeno mais: solidão é universo
E eu entro nele só.
(meados de 2006; ainda atual...)
Mas já não caibo mais nele
Fiquei grande demais para esse globo apertado
E pesado, como um armário pouco usado no decorrer de anos,
Com suas manchas ressecadas, os buracos abertos
E a fechadura esperando um conserto de tempos
Tudo pequeno demais para mim
Como uma teimosa Alice que provou do biscoito
Meu pensamento chegava à estratosfera
E meus sentimentos vazavam intermitentes em tsunamis
Que aperto, que sufoco,
Mundo tudo tão maluco ficou louco
E eu tão grande, tão imensa
Tanta coisa presa...
A Terra é azul.
Uma bandeira ainda tremula na Lua
Consegui ver Deus, triste mas Deus
Não me apequeno mais: solidão é universo
E eu entro nele só.
(meados de 2006; ainda atual...)
Paleta
Hoje o tempo amanheceu minha alma
De um jeito frio e chuvoso
Não seria novidade – há anos
O tempo, o dia, o fim do outono, a solidão,
A decepção
Um sonho calado, um acerto desajeitado
Amanhecem minha alma assim.
Depois tudo entardece – ou anoitece
Acalento
A manhã retoca a maquiagem,
Retoma os sabores, caramelo ou pimenta,
Ou depois vem o sol, o vento forte, a chuva forte
E a alma agradece,
Ajeita-se.
Mas hoje, hoje especificamente,
Minha alma chuvosa e esfriada: triste
Olhou a janela
Céu cinza, cores misturadas com preto, cores
Nítidas, mas mais escuras, puxando para o cinzento,
– é, o tempo não queria fazer concessões
Minha alma buscou o mundo
Janela, espelho,
Livros, palavras, quantas delas,
Sons – no rádio, aquelas canções
No guia de cinema não havia respostas
Não.
A alma ficara exigente e madura, como o
Tempo, que surpresa, o tempo amadurecer também
– você diz esse tempo aí, o tempo das coisas?
O tempo do clima? O tempo das temperaturas?
Sim, esse tempo que significa todo esse tempo,
Um tempo vivido, um tempo que organiza na agenda
Se vem sol ou se vem vento, chuva com sol, ou vento com chuva,
Um pouco mais de alegria ou de frio
E então:
O mundo...
O mundo...
O mundo...Vasto mundo, vasto, vasto, vasto
Mais vasto é meu coração?
Minha alma triste, puxando para o cinzento
– porque foi hoje o tempo que a pintou, não tem dia certo,
domingo ou terça-feira;
Deus, o tempo, a vida, o Outro, eles se falam continuamente
E decidem quem é que vai dar as cartas hoje ou amanhã e depois
– minha alma triste sonhou o mundo,
Buscou além
Quis não pertencer a nada, quis ser todas as pessoas
O mendigo, o ricaço, a atriz, o pintor, o professor
Quis ser o viajante, um caixeiro viajante,
Uma palavra viajante:
Sim, uma palavra viajante.
Quis ser cor.
Quis pintar o céu de outubro,
A grande barreira de corais,
Os tons do Xingu,
O dourado das estupas,
O branco cheio de tons dos sorrisos.
Tenho de agradecer ao tempo que amanhece as almas
E que às vezes, ou muitas vezes, ou só de vez em quando,
As esfria:
Só assim, encolhidinha, a alma recebe sua vocação:
Ser o que quiser,
mas diferente do cinza.
(meados de 2005)
De um jeito frio e chuvoso
Não seria novidade – há anos
O tempo, o dia, o fim do outono, a solidão,
A decepção
Um sonho calado, um acerto desajeitado
Amanhecem minha alma assim.
Depois tudo entardece – ou anoitece
Acalento
A manhã retoca a maquiagem,
Retoma os sabores, caramelo ou pimenta,
Ou depois vem o sol, o vento forte, a chuva forte
E a alma agradece,
Ajeita-se.
Mas hoje, hoje especificamente,
Minha alma chuvosa e esfriada: triste
Olhou a janela
Céu cinza, cores misturadas com preto, cores
Nítidas, mas mais escuras, puxando para o cinzento,
– é, o tempo não queria fazer concessões
Minha alma buscou o mundo
Janela, espelho,
Livros, palavras, quantas delas,
Sons – no rádio, aquelas canções
No guia de cinema não havia respostas
Não.
A alma ficara exigente e madura, como o
Tempo, que surpresa, o tempo amadurecer também
– você diz esse tempo aí, o tempo das coisas?
O tempo do clima? O tempo das temperaturas?
Sim, esse tempo que significa todo esse tempo,
Um tempo vivido, um tempo que organiza na agenda
Se vem sol ou se vem vento, chuva com sol, ou vento com chuva,
Um pouco mais de alegria ou de frio
E então:
O mundo...
O mundo...
O mundo...Vasto mundo, vasto, vasto, vasto
Mais vasto é meu coração?
Minha alma triste, puxando para o cinzento
– porque foi hoje o tempo que a pintou, não tem dia certo,
domingo ou terça-feira;
Deus, o tempo, a vida, o Outro, eles se falam continuamente
E decidem quem é que vai dar as cartas hoje ou amanhã e depois
– minha alma triste sonhou o mundo,
Buscou além
Quis não pertencer a nada, quis ser todas as pessoas
O mendigo, o ricaço, a atriz, o pintor, o professor
Quis ser o viajante, um caixeiro viajante,
Uma palavra viajante:
Sim, uma palavra viajante.
Quis ser cor.
Quis pintar o céu de outubro,
A grande barreira de corais,
Os tons do Xingu,
O dourado das estupas,
O branco cheio de tons dos sorrisos.
Tenho de agradecer ao tempo que amanhece as almas
E que às vezes, ou muitas vezes, ou só de vez em quando,
As esfria:
Só assim, encolhidinha, a alma recebe sua vocação:
Ser o que quiser,
mas diferente do cinza.
(meados de 2005)
Atrás do sobrolho
O homem atrás do sobrolho
Só veste preto e empreteja tudo
Porque nunca conseguiu explicar
Seus próprios desejos
(tem medo do que eles possam
vir a revelar, tsc, tsc)
O homem atrás do sobrolho
Também fica atrás da cortina
Querendo espiar o sol
Justamente o sol?
Que tanto o incomoda em sua sombra
sobrancelha
O homem atrás do sobrolho
Toca guitarra e ouve incansavelmente
Um certo blues
Mas pouco ouve aquilo que mais quer
Escutar
(ele quer o azul buscando o preto...
*suspiros*)
O homem sério e irônico atrás do sobrolho
Atira pedras em tudo aquilo que não gosta
Por isso, tem um arsenal delas nos rins
− mas, um dia, me disse que sentia dor
quanta dor
O homem atrás do sobrolho
Fingiu que não me viu
Seguiu em seu disfarce de onda
Ansiando coincidências perfeitas
Porque ele mata a própria vontade
Sem, para isso, usar os desejos
Apesar de tudo,
É esse o homem que eu amo.
Quando amor é substantivo masculino indefinido do caso oblíquo.
((Poemeto antiguinho, recém-saído do armário onde ficou por tanto tempo quanto o muso inspirador. Nesse tempo de mudança, de deixar ir, esses escritos também precisam sair. Foi um Ulisses. Saudade dele. Quando eu ainda misturava carência com bem-querer, mesmo querendo só querer bem, bem, bem.))
Só veste preto e empreteja tudo
Porque nunca conseguiu explicar
Seus próprios desejos
(tem medo do que eles possam
vir a revelar, tsc, tsc)
O homem atrás do sobrolho
Também fica atrás da cortina
Querendo espiar o sol
Justamente o sol?
Que tanto o incomoda em sua sombra
sobrancelha
O homem atrás do sobrolho
Toca guitarra e ouve incansavelmente
Um certo blues
Mas pouco ouve aquilo que mais quer
Escutar
(ele quer o azul buscando o preto...
*suspiros*)
O homem sério e irônico atrás do sobrolho
Atira pedras em tudo aquilo que não gosta
Por isso, tem um arsenal delas nos rins
− mas, um dia, me disse que sentia dor
quanta dor
O homem atrás do sobrolho
Fingiu que não me viu
Seguiu em seu disfarce de onda
Ansiando coincidências perfeitas
Porque ele mata a própria vontade
Sem, para isso, usar os desejos
Apesar de tudo,
É esse o homem que eu amo.
Quando amor é substantivo masculino indefinido do caso oblíquo.
((Poemeto antiguinho, recém-saído do armário onde ficou por tanto tempo quanto o muso inspirador. Nesse tempo de mudança, de deixar ir, esses escritos também precisam sair. Foi um Ulisses. Saudade dele. Quando eu ainda misturava carência com bem-querer, mesmo querendo só querer bem, bem, bem.))
sexta-feira, 4 de janeiro de 2008
mundo dos cains
(a mais bela das definições, de autoria de Cormac McCarthy em "A Estrada":)
"Noites escuras para além da escuridão e cada um dos dias mais cinzento do que o anterior. Como o início de um glaucoma frio que apagava progressivamente o mundo."
"Havemos de amanhecer", responde Drummond. "E o sangue que escorre é doce, de tão necessário, pra colorir tuas pálidas faces, aurora."
Um 2008 de amanheceres. Com auroras rosadas.
"Noites escuras para além da escuridão e cada um dos dias mais cinzento do que o anterior. Como o início de um glaucoma frio que apagava progressivamente o mundo."
"Havemos de amanhecer", responde Drummond. "E o sangue que escorre é doce, de tão necessário, pra colorir tuas pálidas faces, aurora."
Um 2008 de amanheceres. Com auroras rosadas.
quarta-feira, 2 de janeiro de 2008
Segundo dia do ano
O bar da esquina fechado por luto
Bem ao lado da banca de manchetes tristes:
Ele, ela, eles, elas, quantos abéis
Atingidos pelas pontiagudices metálicas e más
Concretas e gélidas, agudíssimas
Dos animais cains vorazes cruéis
Que se proliferam mais que as baratas e os ratos.
Os lampejos da vida roubada
Reluzem em corpos alheios –
Bonito isso,
Mas é uma rima, não uma solução.
E era só o segundo dia de um novo ano.
E se fosse um novo dia de um ano segundo,
Não primeiro,
Em que os humanos reprovados fariam nova prova
Para galgar nova fase, nova face?
Faltariam zeros no estoque
Não haveria mais negativos
Sem zeros sem negativos o mundo até pareceria bom.
Pura enganação:
Os impostos sobre os sorrisos vão aumentar
Como compensação.
E então chovem cerros franzidos
Sob os olhos molhados
Sob as artérias já tão molhadas
E caudalosos rios de tantas esperanças implodidas
Chovem gritos e rouquidões
Chovem mais ratos e baratas.
Lampejos! Lampejos!
O caos esgotado dos esgotos
Mistura larvas de borboletas e de taturanas.
Segundo dia do ano
Mesmo que datas não importem
Ao tempo que temporiza tempestades
E tempera têmperas
Segundo dia do ano
E já parece que envelhecemos tanto, tanto, tanto.
Bem ao lado da banca de manchetes tristes:
Ele, ela, eles, elas, quantos abéis
Atingidos pelas pontiagudices metálicas e más
Concretas e gélidas, agudíssimas
Dos animais cains vorazes cruéis
Que se proliferam mais que as baratas e os ratos.
Os lampejos da vida roubada
Reluzem em corpos alheios –
Bonito isso,
Mas é uma rima, não uma solução.
E era só o segundo dia de um novo ano.
E se fosse um novo dia de um ano segundo,
Não primeiro,
Em que os humanos reprovados fariam nova prova
Para galgar nova fase, nova face?
Faltariam zeros no estoque
Não haveria mais negativos
Sem zeros sem negativos o mundo até pareceria bom.
Pura enganação:
Os impostos sobre os sorrisos vão aumentar
Como compensação.
E então chovem cerros franzidos
Sob os olhos molhados
Sob as artérias já tão molhadas
E caudalosos rios de tantas esperanças implodidas
Chovem gritos e rouquidões
Chovem mais ratos e baratas.
Lampejos! Lampejos!
O caos esgotado dos esgotos
Mistura larvas de borboletas e de taturanas.
Segundo dia do ano
Mesmo que datas não importem
Ao tempo que temporiza tempestades
E tempera têmperas
Segundo dia do ano
E já parece que envelhecemos tanto, tanto, tanto.
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