Me despedi de Vargas Llosa ontem à noite, entre choros e risos, um aperto no coração e uma saudade antecipada da Niña Mala, essa mulher tão autêntica tanto mais falsa, e do Ricardito, esse louco apaixonado, de sonhos medíocres e devoção desmedida, que enchia a menina má de huachaferías. Saudade das aventuras malditas da Ninã Mala pelo mundo, porque assim Llosa nos levava – a mim e a Ricardito – a passear por países e épocas e situações muito ardentes e eletrizantes. Saudade da saudade de Ricardito, em sua añoranza doentia pela menina má. Saudade da satisfação do niño bueno ao fazer amor com sua amada malvada, em sorvê-la com gosto e penetrá-la com alguma dificuldade. Saudade da boa prosa – li em espanhol – de Llosa. Namorava o livro há tempos quando ele gritou por mim em pleno aeroporto internacional da Cidade do México. Não pude me conter y me lo compré. Foi comigo a Puerto Escondido, esteve na casa do homem que não quis mais ser herói (ai, que fofo esse homem!) e agora aterrissou na bagunça desse apartamento numa São Paulo mais terna que de costume, mais limpa também, apê em que recuerdos de viagens antigas se misturam com guias das viagens futuras, roupas e meias e sacos plásticos e caixas de CDs escutados à exaustão.
Ei, toca o telefone!
Será a Niña Mala querendo falar com o Ricardo?
Será Ricardito na linha com mais uma huachafería?
Enquanto isso, sabores se misturam por aqui e por ali. Tortillas na geladeira e agora tchai té no armário! Saudade de tudo. Saudade do país da serpente emplumada, dos toritos em Veracruz, da tlacuya em Puerto Escondido, daquela piña colada bebida no restaurante mais pop de El Pachán, em Palenque, sob o céu estrelado de Chiapas, padrisimo todo, saudade da copa de viño com Paul e María mirando el lago de Michoacán e sob o céu estrelado de Pátzcuaro, saudade do telão a céu aberto em San Miguel Allende com as aventuras de Pedro Infante e curtas tão interessantes. Saudade do homem que não quis mais ser herói! Saudade daquele dia na Cineteca, vendo “Play”, sentindo “Play” (chileno, mas cabia na ocasião), saudade de outras viagens, saudade de Istambul, caramba, saudade da sensação daquela noite na Tunísia, saudade do primeiro dia – o primeiríssimo – em Roma no ano 2000, saudade de Paris no verão, saudade daquele dia em que vi “Antes do Pôr-do-Sol” no cinema pertinho do Opera House e de Circular Quay numa Sydney estrelada e morna, ui, saudade da Praia do Leão em Fernando de Noronha, saudade daquele moço no albergue do Uruguai e da gente na rambla sob mais um céu estrelado e depois laralalá, saudade da lua cheia naquela prainha minúscula e linda de Itacaré, saudade da noite dos fogos em Genebra, à beira do lago, e o fofo Ekrem de Kosovo gritando 'mamma mia', saudade de quem sente saudade de mim neste exato momento, saudade do meu Ricardito chileno de Viña del Mar (tive o meu, em dose miúda)! Cadê você, Ricardito?
Estoy volviendo una huachafita!
O “El Pasado” continua esperando que a leitura siga, Sofía e Rímini deram lugar a la niña mala y al niño bueno, mas quem me chamou foi Ian McEwan com seu “Na Praia”. Comprei de supetão hoje, apesar do flerte de meses. Essa frase me cativou: “Eram jovens, educados e ambos virgens nessa noite.” Virgens somos todos na primeira noite, na primeira vez. Também comprei de supetão “Jerusalém”, do português Gonçalo M. Tavares. Tinha lido no blog do vintanne guapito que respeito muito (leu Proust no verão e Mann no inverno... ou terá sido o contrário?), um comentário bem favorável. E aí, na Livraria Cultura, topei por acaso com um outro amigo que respeito muito e ele me disse algo como: minha obsessão no momento são os livros do português Gonçalo Tavares. “Jerusalém” é sensacional (ou algum adjetivo nesse nível). Também estou louca para conhecer a Jerusalém de verdade, a Jerusalém das três religiões, a Jerusalém da fé, da história e das histórias. Achei tudo meio coincidência, um excesso de sinais do universo para já. Voilá: então, fazendo companhia ao meu novo guia de viagem, porque la nave va de novo em breve, temos McEwan e Tavares (na contracapa, comentário de Saramago: “Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!”).
Saudade do primeiro retorno. E da primeira partida.
P.S.: E se eu contar que tive uma sessão Roberto-Carlos-Detalhes ninguém vai acreditar... Pois é, pois é. Pues sí, pues sí.
P.S. 2: SALVE TRICOLOR PAULISTA DO MEU CORAÇÃO! São Januário, excuse-moi, mas hoje foi dia de São Paulo.
Bem, bem, agora só está faltando conseguir escutar novamente “Aranjuez, mon amour”, saboreá-la como se fosse uma huachafería criada especialmente para mim por meu Ricardito imaginário (bem, ao contrário da niña mala, pues soy una niña buenísima onda, prefiro um Ricardito menos burocrático e mais ambicioso). Ouvi a interpretação de Miles Davis para “Aranjuez”. Me deixou sem fôlego de tão boa. O que essa música veio fazer na minha vida? Distraidamente, eu ali, blusinha branca, sainha marrom, chinelinho-sandália Ipanema, escutando a orquestra alemã de metais num dos recantos culturais de Querétaro, e pimba. Cooptada e captada e raptada por “Aranjuez, mon amour”. Agora estou apaixonada. Mi amor, amor mío.
Niña mala, o que você faria se estivesse no meu lugar? (Ricardito, preste atenção na resposta... pode ser uma dica ótima para você).
“Me equivocaba. Ahora sé que tu eres para mí la felicidad.”
Um comentário:
Quietinho, mas lendo tudo.
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