sábado, 15 de setembro de 2007

...então, como eu...

Além de tudo, prolixa.
Como se não bastasse.
E o que dizer dessa saia de retalhos?
Mas é que os coelhinhos saltitam aqui dentro e eu os vomito. Um por um, às vezes quinze ao mesmo tempo. Formando montes difusos que preciso costurar, assim, assado.
Um bolo formigueiro! Está no freezer.
O alento da louça da semana finalmente e completamente lavada e equilibrando-se no canto da pia. O chá de flores, petulante e sedutor em seu sabor, pelo amor de Deus, criando uma primavera no meu céu da boca: hibisco, rosa rubra, jasmim, crisântemo, cardamomo e canela, um jardim no meu paladar. As notícias que chegam dos amigos são as melhores possíveis. A brisa noturna e a lua em forma de sorriso. Gato de Alice, foi o que me lembrou.

Agora tudo me parece coincidência, confirmação, epifania. A pessoa que, o filme ao qual, a música no, o e-mail enviado por, aquele, aquela, ah, puxa. A lua formando sorriso para mim. Houve a senhora no ônibus na terça-feira, me contando a história do sobrinho obstinado que foi morar na Austrália há sete anos, com a cara e a coragem, e hoje está muito bem empregado em Londres. Ela me disse: você é bonita, simpática e inteligente. Confie nisso e afaste a nuvem preta que está por aí. Minha mãe me perguntou que nuvem era essa. Medo, ué. A inadequação tem seu preço. E eu, como filha de Deus, por mais valente que seja, também tenho medo. Tenho preguiça. E gula. “Eu tenho um pouco de medo, medo ainda de me entregar, pois o próximo instante é desconhecido”, nas palavras de Clarice Lispector ditas com vigor por Maria Bethânia numa das faixas de “Drama 3º. Ato”, o CD de tantos significados (ele é par do livro de Clarice, do meu, de Lóri; aliás, ‘minhas’ faixas nesse CD da Bethânia são a terceira – Texto de Antonio Bivar/ Estrela do Mar/ Meu Primeiro Amor – e a sexta – Texto de Isabel Câmara/ Como Vai Você?/ Quatro Paredes).
“Enquanto me permite o destino
Eu vou sendo os personagens
Que eu criei...”
Ah.

Medo de me entregar plenamente. “Não deixe tanta vida para depois...”
Assisti hoje ao mais recente Winterbottom, “O Preço da Coragem”, que vai estrear em breve. Trata da angústia da jornalista Mariane Pearl, esposa do também jornalista Daniel Pearl, do “The Wall Street Journal”, seqüestrado e morto no Paquistão, em 2002. Acompanhamos o drama e a tensão dela e de amigos e figuras do governo norte-americano do momento em que se confirmou o desaparecimento de Pearl até o trágico desfecho e os passos seguintes de Mariane. Gosto do diretor inglês, gosto de suas cenas superdecupadas, cruas e tão bem lapidadas, das escolhas subjetivas e ideológicas que faz na movimentação de câmera, nos enquadramentos e na inserção de imagens documentais. Há quem o acuse de manipulação, acho que ele até certo ponto manipula, sim, mas não esconde isso do público. Estão lá seus artifícios para criar um longa catártico, comover aqui, revoltar ali. Mas funciona, caramba! Essa história de autor neutro e puro e inocente quanto à própria obra não cola, não. Gosto de Winterbottom porque tem personalidade, não é um marionete de estúdio ou um morno qualquer que faz filmes quaisquer. Quando crescer, quero ser assim com a câmera.
Ah, sim. Está na listinha.
Pastéis, canto, literatura, câmera...
O filme me devolveu um pouco desse meu tesão pelo jornalismo que os anos foram diminuindo até chegar nessa quase apatia em que me encontro hoje. Está difícil buscar trabalho menos pela falta de contatos ou de oportunidades e mais pela falta de interesse de minha parte. Olho para as publicações e já não acredito mais em nada. Fico até meio enjoadinha, tenho preguiça de ler qualquer coisa. Sinto que a vida pede outras atitudes, que se trata de pura reciclagem, e a tchurma continua insistindo em fazer “produto novo” para “cliente novo”. Afe. Quem lê tanta notícia?

Casualidade ou coincidência foi ter me deparado com o filósofo, cineasta e ativista Guy Debord, que vai ganhar mostra em sua homenagem no CCBB também em outubro. Assistir ao “La Societé du Spectacle” (1973), longa-ensaio baseado em seu livro homônimo de 67, é toda uma experiência. Um dos principais pensadores da Internacional Situacionista, com novas e radicais propostas para a arte do século 20 – uma arte comprometida, revolucionária e participativa – e uma feroz crítica à sociedade do espetáculo, do consumo e do fetichismo da mercadoria. Ele monta seu filme com imagens de arquivo, de noticiários e de documentários, mas também “rouba” ou “expropria” cenas de clássicos do cinema, como “Rio Bravo” e “Por Quem os Sinos Dobram” – les films volés. A discussão é bem mais profunda do que escrevo aqui (alguém me lê? alguém chegou até aqui?). Fiquei intrigada com o que vi. Parece que faz um clique na cabeça da gente: caíram as vendas dos olhos. Eu não quero ser bolinho de massa feito em massa para ser consumido pela massa. Debord explica NA PRÁTICA o que sua teoria questiona. Ou seja, ele subverte elementos culturais e imagens já existentes, reorganizando-as com um sentido específico e determinado (ideologicamente determinado). Assim, o espectador recebe uma visão de mundo que pode crer ser “a” visão de mundo. Debord diz que o espetáculo é uma relação social entre as pessoas mediada por imagens. A sociedade do consumo e do espetáculo precisa de alguns que escolham as imagens, recortem-nas, concedam-lhe sentidos e as devolvam ao mundo como se fossem, de fato, imagens fiéis a esse mundo que retratam. Os que vêem sentem-se saciados por terem contato com o mundo que conhecem por meio de imagens. E tudo é consumo, porque há que consumir de algum jeito o que se vê. Alguém lhe conta o mundo por meio das celebridades, dos noticiários com cara de novela (realidade mostrada como ficção), com as novelas que “retratam a realidade” (ficção da vida real), dos fragmentos espetaculosos da esfera política, dos eventos bombásticos mundo afora, de corpos impossíveis e de produtos para todos os minutos do dia, etc. Você adquire esse mundo e, ao voltar para o comezinho de sua vida cotidiana e sem-graça, ufa, acha que teve emoção suficiente para aquelas 24 horas. E o espetáculo torna-se viciante, uma relação de dependência. (Voltando rapidamente a Winterbottom: ele sabe como lidar com o espetáculo e criar um elo com seu espectador por meio do uso que faz das imagens. Isso não é nem bom nem mau. Acho que a questão está mais no receptor que no emissor.)
Eu quero tocar o mundo. O mundo tem, por ora, as dimensões de minhas andanças e do meu abraço. Ponto e vírgula.

E, para terminar e eu me livrar dessa leva de coelhinhos, sigo acompanhando as desventuras de Florence e Edward em “Na Praia”. Quanto pudor, meu Deus do céu, e quantas travas. Preciso apresentar Florence à Menina Má e vice-versa. Quem sabe se ajudem. Vejamos o que pensam ou dizem:

Florence:
“Mas o que a atormentava era inexprimível, ela mal conseguia defini-lo para si mesma. (...) Num manual moderno e antecipatório, ela deparou com frases ou palavras que por pouco não lhe deram ânsia de vômito: membrana mucosa, e a sinistra e cintilante glande. (...) Quase tão freqüente era uma palavra que não lhe sugeria nada além de dor, de carne cortada por faca: penetração. (...) Sem dúvida, a imagem dos testículos de Edward, pendentes sob o pênis ingurgitado – outro termo horripilante –, era capaz de contrair seu lábio superior, e a idéia de ser tocada “lá embaixo” por alguém, mesmo por alguém que ela amasse, era tão repugnante quanto, digamos, um procedimento cirúrgico nos olhos.”

Niña Mala:
“--- Mentira, tú no quieres matarte ni matarme. Sino cacharme. No es verdad? Yo también quiero que me caches. O, si esa lisura te molesta, que me hagas el amor. (...) Se había arrancado el vestido de bailarina y tendida sobre mí me secaba moviéndose sobre mi cuerpo –, metiéndome la lengua en la boca, haciéndome tragar su saliva, atrapando mi sexo, acariciándolo con las dos manos, y, por fin, encogiéndose como una anguila sobre sí misma, llevándoselo a la boca.”

Ulalá. Que dupla.
E são dois homens, os dois escritores, descrevendo. Dois narradores masculinos – um onisciente, outro não.

Ver um homem pelado é toda uma experiência. Dependendo do estado de espírito, do homem, da ocasião e dos etecéteras, ora pende-se para a “função Florence”, ora para a “função Niña Mala”... Embora curta ser menina má quando convém, eu prefiro o jeito Lóri: “Foi então deitados no chão que se amaram tão profundamente que tiveram medo da própria grandeza deles. (...) No começo ele a tratara com delicadeza e um senso de espera como se ela fosse virgem. Mas em breve a fome de Lóri fez com que Ulisses se esquecesse de todo a gentileza, e foi com voracidade sem alegria que se amaram pela segunda vez. E como já não bastava, já que tinham esperado tanto tempo, quase em seguida eles se possuíram de novo, dessa vez com a alegria austera e silenciosa.”
Isso rende outro post, mas em outro momento. Há as cenas de sexo do cinema... Coelhinhos saciados, me voy.

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