Agora que você me fez parar.
Agora que você me tirou da pista de alta velocidade.
Agora que você me ensinou, a contragosto dos dois, a frear.
Agora.
Agora você é responsável.
Eu dirigia meu querer acima dos limites permitidos. Rápido, rápido, rápido. Curva. Curva. Curva. Retas longas e largas. Retas, retas tortas. Ultrapassava quem quisesse, disputava partidas, parava nos posto de gasolina e me abastecia de motores alheios, de estofados de bancos de carros que eu mal conhecia, de cafés aguados e tortas sem sabor. E corria, e corria, e corria.
E subitamente um quase acidente.
A ultrapassagem imperfeita, o desvio, minha distração. Batida. A raiva, o susto, o encanto, a vontade, a fuga, o medo, e todos os impropérios de que nenhum seguro, de nenhum dos dois, iria pagar os danos desse encontro imperfeito e borrado. Você ocultou as evidências do dano, virou a cara, empurrou-se para túneis insones e insossos. Desapareceu da pista. Desestacionou-se.
Agora que.
Agora que nem sei mais correr.
Agora que nem sei.
Não gostei propriamente da experiência. Não gosto propriamente de você e sei que você não gosta apropriadamente de mim. Não nos apropriamos – nem nos apropriaremos. Falei demais – sempre falo. Despejei meus combustíveis queimados em cima de seus pneus murchos e já sem ganas. Nos despistamos. Nos despeitamos. Perdemos o respeito sem perder a compostura, a postura altiva de dois maus condutores.
Cansado, o sol desapareceu antes da hora.
Quando veio a lua, com um certo atraso, envergonhada, as pistas de asfalto já haviam se transformado em rotas de areia à beira-mar.
Eu escutava as ondas.
Agora que eu escutava as ondas, e chorava estupefações, agora que eu tinha meus pés livres de quaisquer saltos, agora que, agora eu preferia andar, andar devagarzinho, escorregar-me. Engatinhar.
Pela madrugava, afogava-me.
Você não era responsável. Você tinha seus pés de galinha ao redor dos olhos, sua idade multiplicada por dez e as calças arregaçadas acima dos tornozelos. Você não havia deixado pegadas. Enquanto eu me afogava – um jeito inconsciente de flutuar, um jeito pesado de flutuar, enquanto não sabíamos.
Agora que.
Bem devagar.
(trilha sonora: "Sol de Primavera", de Beto Guedes)
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