Na página 145 do manual, canto inferior, havia a regra importante: não veja, não escute. Homem e mulher entraram no ringue. Esbofetearam-se. Ela sangrou no lábio, ele sofreu um golpe baixo, baixíssimo. Ela perdeu dois dentes, ele quebrou um dedo. Ela cometeu uma infração: gritou. Ele cometeu uma infração: arrancou-lhe um chumaço de cabelos. Soou a campainha. Ela teceu um monólogo. Ele teceu um monólogo. Novo round. Esbofetearam-se. Lembrem-se da regra da página 145 do manual, canto inferior: não veja, não escute. Ela ficou sufocada. Ele ficou indignado. Ela desequilibrou-se. Ele retraiu-se. Ela começou a chorar, ele descobriu-se sangrando também. Ela sentia dor, ele sentia desprezo. Regra do manual... Ele era mudo? Na página 145... Ela era invisível? No canto inferior...
Semanas depois, Joroastro Joroôntico escreveu um artigo obscuro e apagado para um desses jornais biodegradáveis afirmando que as expectativas são as maiores inimigas de um encontro. Ninguém leu. Meses depois, ouviu-se dizer numa rádio tímida de um interior quente e nada chuvoso que ele nunca soube quem de fato foi aquela mulher que ficou horas falando, um tanto bêbada, um tanto alegre e ingênua, e que logo se perdeu na poeira da noite fresca depois de ter suas duas pequenas asas translúcidas trucidadas por um descompasso de ritmos. E, anos depois, alguma revista ignóbil afirmou que o manual há tempos estava na lista dos mais vendidos, justamente por causa da regra da página 145, canto inferior: se você quer destruir qualquer possibilidade de um laço com o outro, não veja, não escute.
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