sábado, 3 de março de 2012

distopia

não acendeu a luz quando entrou na sala escura, não acendeu a veia quando passou o estilete frio, não acendeu o mundo quando tudo ruiu ao redor.

um tijolinho,
dois tijolinhos...

não acendeu a vela quando o barco virou no mar, não acendeu seu próprio corpo quando parecia murchar, não acendeu os sonhos quando o colar de contas espalhou-se pela ruela.

uma pérola,
duas pérolas...

não acendeu a voz quando foi calada, não acendeu os joelhos quando equilibrava fardos, não acendeu o amor quando lhe ofereceram rancor.

disque outra vez, esse número não existe, mas use os mesmos algarismos.

não se acendeu quando não foi olhada.
não se acendeu quando foi esquecida num banco de concreto numa cidade às moscas, trocada por uma imagem de álbum de figurinhas sob a turgidez de certezas inócuas.

cuidado: frágil.

não acendeu suspiros quando o ar se tornou espesso, não acendeu maçãs quando teve fome, não acendeu lágrimas quando pecou.

por volta das quatro da manhã, a chuva explodiu quente e ríspida sobre os incautos perdidos deslocados maravilhados estúpidos bêbados e românticos. pés afogados, amizades imberbes atropeladas na faixa de pedestres por uma humanidade muito machucada.

não acendeu a mulher. não acendeu o homem.
e aquele palco ficou em branco, passou em branco, sem cortinas e sem história.
ridiculamente aceso.

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