Assim pedi em minha oração mais íntima.
Clarice o chamou de Ulisses e o apresentou a Loreley.
Eu o chamo de Y. Por enquanto, sou apenas X.
Voaremos juntos, flamingo.
Ela era a mulher da saia rodada e florida, do sorriso no rosto, do belo buquê de gérberas cor de rosa nas mãos em pleno lusco-fusco. Era ela.
Estaba todo bien hasta que cogieras mis manos de aquel modo. En aquel momento, en aquel sitio, dónde cualquier acto más allá de la simple conexión rutinera sería considerado mera fantasía de mi parte. Ves demasiado, chica. Ves demasiado. Sientes demasiado. Quieres demasiado. Eres voraz. Pensaste, pero no me dijiste. Me lo dijo otro en vez de ti. Porque a ti te gusta que sea así. Aunque no puedas, aunque nos repitas, a mí, a ti y a nosotros:
No puedo.
Te arrepentirás.
Yo lo sé.
Tampoco yo puedo. No puedo dejar que mis manos sufran por hallazgos que las tuyas no podrán cumplir. No puedo aceptar el mensaje que viene por tus dedos, por tu piel, por tu sangre mientras tú me lo repites: no puedo. Entonces, no podemos. Sin embargo, no podemos. Pero no podemos. Así no podemos.
No debías haber cogido mis manos de aquel modo. Debería ser prohibido a un hombre avanzar sin avanzar, protegido por las reglas, las buenas costumbres, los roles y las prohibiciones todas (no sudes; no palpites; no te sobrepases; no cruces los límites de la cintura o del cuello). Pero ahí estabas, pidiéndome que te acogieras en mi abrazo, en mis cariños, sin que pudiéramos.
Y entonces me miraste en los ojos: oye, espera, no te vas, termines lo que empiezas, ¿qué quieres?
Un-segundo-que-parece-haber-tardado-toda-una-eternidade-y-eso-no-es-un-cliché.
— Ojos color de miel, este color es mío también, mi barquito está listo para partir, Isla Desconocida, ¿Saramago?, pues sí, te he descubierto unas canas, pues sí, son mis compromisos ya sin sentidos, pues sí, te he descubierto tan llena de secretos como tu piel es cubierta de manchitas, pues sí, son herencias de mis otras vidas, pues sí, te he descubierto mujer, te he descubierto hombre,
No puedo.
¿No puedes o no quieres?
El otro me lo dijo claramente: no quiero. No quería y no era. No cogió mis manos, no me miró en los ojos, no me hizo preguntas, solamente me dio la espalda y desapareció entre los grises y las dudas. No lloré, no me entristecí, no lo extrañé. No podía, de hecho, no podía. Fue un paréntesis, una disculpa, una copa de cava ya sin burbujas. Pero tú,
¿No puedes o no quieres?
Empiezo hoy a usar guantes.
Mañana, tal vez, lentes de sol.
No quisiera irme, pero tu permitirás que vaya. Porque no puedes, sigues diciendo, aunque creas que puedas y que eso te genere tanto miedo, tanto miedo.
(Con tu miedo yo no puedo.)
"... porque se seu mundo não fosse humano ela seria um bicho." (Clarice Lispector)
O dia em que você viu meus excrementos quase chorei. Corri para dentro do sótão de mim mesma e lá fiquei por horas, evitando comer, evitando abrir as janelas, evitando dissolver-me. Tentei purificar-me desesperadamente, sorvendo os tímidos e aquosos raios lunares que teimavam em invadir minha momentânea escuridão. Os dias seguintes foram densos de vergonhas e suores. Cavei caminhos subterrâneos apertados para me movimentar pela vida e evitar olhar nos meus próprios olhos e nos olhos alheios. Dormi mal, não suportei sentir os ruídos que vinham de minhas entranhas. Pois, diante de você, expus espontaneamente minhas mais íntimas fragilidades, restos daquilo que fui e não consegui digerir apropriadamente. Evacuei discursos, gritos, galhos, gomas, temores e sofrimentos perdidos, passados, confundidos, apodrecidos. Você viu meu avesso – e o avesso de meu avesso: meu recomeço. Se minha nudez havia deixado de ser pudica há muito tempo – as ranhuras do desejo que tiram os poros do lugar, você me dizia –, eu deixei de ser pura no momento em que excretei. Pequei e confessei, ainda que tenha me custado reconhecer minha sujeira, minha humanidade pastosa, os joelhos escuros, as unhas manchadas. Se houvesse vomitado, se houvesse regurgitado... teria sido mais higiênico e aceitável, mas não verdadeiro e inteiro. Chorei de verdade quando me senti no deserto, sedenta e faminta, em jejum completo, lambendo a areia das pedras, mendigando minha própria saliva e dor, sozinha e desamparada. Fugida das constatações de mim mesma, de minha imagem refletida em vidros, lagos e vidas. Mas o desamparo foi passageiro, porque você não foi uma miragem: a firmeza e doçura de suas palavras me abraçaram longa e ternamente por minutos plenos de planos. Vem, você falou, vem para a varanda. Vem, você repetiu, acolhe seu adubo, meu adubo, nossas fraquezas e as raízes de nossa perseverança. Fui broto abrindo os braços dentro da semente de casca fina naquele instante: toquei os grãos de terra, toquei a seiva do amor. Ressuscitei gente.
Hoje produzo leite, leite e fervor, fervor e calor. Nutro os frutos nossos – sem mais receios de excretar o que é excesso, quando é preciso.
Agora que você me fez parar.
Agora que você me tirou da pista de alta velocidade.
Agora que você me ensinou, a contragosto dos dois, a frear.
Agora.
Agora você é responsável.
Eu dirigia meu querer acima dos limites permitidos. Rápido, rápido, rápido. Curva. Curva. Curva. Retas longas e largas. Retas, retas tortas. Ultrapassava quem quisesse, disputava partidas, parava nos posto de gasolina e me abastecia de motores alheios, de estofados de bancos de carros que eu mal conhecia, de cafés aguados e tortas sem sabor. E corria, e corria, e corria.
E subitamente um quase acidente.
A ultrapassagem imperfeita, o desvio, minha distração. Batida. A raiva, o susto, o encanto, a vontade, a fuga, o medo, e todos os impropérios de que nenhum seguro, de nenhum dos dois, iria pagar os danos desse encontro imperfeito e borrado. Você ocultou as evidências do dano, virou a cara, empurrou-se para túneis insones e insossos. Desapareceu da pista. Desestacionou-se.
Agora que.
Agora que nem sei mais correr.
Agora que nem sei.
Não gostei propriamente da experiência. Não gosto propriamente de você e sei que você não gosta apropriadamente de mim. Não nos apropriamos – nem nos apropriaremos. Falei demais – sempre falo. Despejei meus combustíveis queimados em cima de seus pneus murchos e já sem ganas. Nos despistamos. Nos despeitamos. Perdemos o respeito sem perder a compostura, a postura altiva de dois maus condutores.
Cansado, o sol desapareceu antes da hora.
Quando veio a lua, com um certo atraso, envergonhada, as pistas de asfalto já haviam se transformado em rotas de areia à beira-mar.
Eu escutava as ondas.
Agora que eu escutava as ondas, e chorava estupefações, agora que eu tinha meus pés livres de quaisquer saltos, agora que, agora eu preferia andar, andar devagarzinho, escorregar-me. Engatinhar.
Pela madrugava, afogava-me.
Você não era responsável. Você tinha seus pés de galinha ao redor dos olhos, sua idade multiplicada por dez e as calças arregaçadas acima dos tornozelos. Você não havia deixado pegadas. Enquanto eu me afogava – um jeito inconsciente de flutuar, um jeito pesado de flutuar, enquanto não sabíamos.
Agora que.
Bem devagar.
(trilha sonora: "Sol de Primavera", de Beto Guedes)