Ela era a mulher da saia rodada e florida, do sorriso no rosto, do belo buquê de gérberas cor de rosa nas mãos em pleno lusco-fusco. Era ela.
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
IRREMEDIÁVEL
Eu ficava encontrando novos modos de me despedir de você, embora não os buscasse. Como se todas essas palavras ou esses tons de voz já estivessem cá dentro, querendo urgentemente sair.
Não me importava não nos reconhecer de pronto. A mim, a você. Sou adicta da mudança, do movimento, creio no leva-e-traz das ondas da vida. Seu sorriso, seu afeto. Você me preparou uma redoma linda e terna, aconchegante e arejada: mas redoma.
Eu ficava me deparando com posturas minhas em desuso, como se os pacotes de roupas velhas e apertadas voltassem inesperadamente aos meus armários. Você os jogava aqui dentro, de novo. Você queria me reconhecer de todos os jeitos, me devolver os fios de cabelo já perdidos, queria recuperar uma face minha que antes lhe era tão familiar. Nos doíamos, então, pelo improvável da situação. Eu me sentia mutilada. Você... lhe dilacerava o abandono.
Quem somos hoje?
Você me cercava de todos os jeitos – absorvendo meus amigos, os mais próximos, os menos próximos, como se sugasse deles o sangue que queria ter de mim. Você tentava reaproximar-se com pequenos caramelos displicentemente postos num caminho, no seu caminho, nos ladrilhos que me levariam a você. Quando virei para outro lado, o susto, a incompreensão, a mortificação.
Hoje, não sei, não tenho respostas.
Você está onde esteve sempre e nesse lugar não estou eu – já faz tempo.
Eu ando em dimensões impalpáveis de mim mesma e, mesmo que você não tivesse tanto apego, talvez não conseguisse me alcançar por lá. Porque esse espaço é muito íntimo e muito particular, uma necessidade muito minha, que quase você não entendia.
Eu ficava desenhando maneiras de lhe dizer tudo isso com a melhor voz e o jeito mais doce, porém as mensagens ganham vida à nossa revelia. E então, e então.
(Desculpe, sujei de barro a beiradinha da calçada.)
terça-feira, 29 de setembro de 2009
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Cuentico de un comienzo
Para que no me quedara sola en esa ciudad de no sé cuantos millones de personas, paré en un quiosco de flores y me compré un ramo. A ese sentimiento le llamé pertenencia. Por las calles no estuve olvidada -- tenía mi ramo, que me acompañaba, tenía a la gente, que reflejaba humanidad. Y desde entonces a los días que me sorprenden por el acogimiento y la belleza les doy el tierno significado de primavera. Y así me siento feliz.
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
correio elegante
-- Eita, filha, tá precisando de uns beijinhos, hein?
Nem tenho como discordar da observação.
terça-feira, 8 de setembro de 2009
FIM
“Aos sete de setembro de 2009, às 23h17, constatou-se que o relacionamento da srta. X e da cidade de São Paulo estava definitivamente terminado. Ambas, diante dos presentes, confirmaram a disposição para estabelecer uma relação mútua de amizade, respeito e desapego. As duas disseram que o estranhamento inicial, espinhoso e dolorido, ocorrido no início deste ano, não voltou a acontecer. E que nos últimos dias comprovou-se a possibilidade de uma coexistência pacífica entre elas, situação que São Paulo afirmou garantir até a srta. X encontrar um novo lugar para se estabelecer. São Paulo se revelou acolhedora e a srta. X, compreensiva. A principal causa da separação, alegaram, foi a constatação de que as duas já não coincidiam mais em propostas de vida, possibilidades de atuação, buscas espirituais e premissas ideológicas. São Paulo alega não poder oferecer à Srta. X mais do que já lhe proporciona. Infelizmente, ressalta, não pode arejar-se mais, preservar-se mais, possibilitar mais fluxo físico ou humano. E a srta. X diz sentir-se oprimida pelo excessivo concreto das construções, das almas e das circunstâncias. Acolhidos os argumentos, reconhecido o afeto ainda existente entre as duas e a ausência de agressão de qualquer uma das partes, ciente de minha atribuição, declaro findo o relacionamento. A srta. X está livre para envolver-se com qualquer outra cidade ou lugar a partir deste instante.”
domingo, 6 de setembro de 2009
(time after time 2)
A que quando pertencia?, era a pergunta que mais lhe fazia companhia quando abria os olhos de manhã, ainda atordoada pelo último sonho, nem sempre estacionado na última estação. Quando exatamente vivia? Porque, vez ou outra, tinha a impressão de que não existia, embora estivesse viva, corada e suada. Seu agora era povoado de novidades e antiguidades, emoções diversas, sensações e indagações. Mas provava em lampejos o sempre e, como que descompassada, se perdia em lapsos e labirintos invisíveis, pequeninos, indimensionáveis (se é que a palavra se pode). Por isso, sentia-se perdida. Mas também bem encontrada.
"Só há texto e só há existência no 'agora'. O 'antes' e o 'depois' inexistem para o 'agora'. (...) Só no sempre todos os 'antes' e todos os 'depois' são alcançáveis, porque não há 'agora'. O sonho de retornar ao passado ou ao futuro só seria possível abrindo mão do 'agora', ou seja, deixando de existir."
Nilton Bonder, Sobre Deus e o Sempre
(time after time 1)
Acordara há pouco, ainda misturando bocejos e areia, e atordoada notou que o sol iluminava todas as pegadas que deixara ao redor. Havia caminhado muito, não podia negar, mas as rotas estavam demasiado confusas. Parecia que ela tinha milhares de pés desarticulados, movendo-se em difusas direções. Continuava a haver areia em seus bocejos. E suas pegadas tinham formas de mundos, muitos mundos. Profundos.
Havia um lapso de desejo desinstalado em seu peito. Havia, na verdade, um buraco no coração pelo qual escapavam seus enamoramentos e os dos outros em relação a ela. Parecia não sentir nada. Dessentia, então, insensações.
Passou a tomar menos café e a evitar sobremesas. Respirava mais intensamente e exercitava-se pela manhã. Assim, prolongou sua esperança e constatou que era preciso mesmo fazer opções, ter mais focos, fixar-se em algo ou alguém ou com agulhas.
Confusa e adorável equilibrista...
Desenhou uma janelinha na parede do quarto escuros sem janelas e sem maçanetas. Com o vento, ouviu “Aquarela” e experimentou a passagem do tempo ao revés. Estranhou: havia setas apontando para lados diferentes. Por que assim? E duas metades suas já não encaixavam. Com o tempo não se brinca!
O mundo a imagina, mas ela existe de fato. Só não tem certeza se de fato existe na própria certeza. Quem? Ela ou o mundo? E são essas as perguntas que sempre traz... (Suspiros. Suspira!) Na filosofia do céu azul, existe o momento em que nuvens cinzas se misturam às luminosas e claras e resultam todas num permeável pode ser. Pois aí ela se encontra -- nos dois sentidos.
sábado, 5 de setembro de 2009
flow
Today, every time I look accurately into my inner universe, I can see him flying around in a pure flow of life. So I become sure I also belong to this huge blue whose name is freedom and I understand we are already changing the world somehow.
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Querência: Baklava
Lágrimas acumulam-se nos olhos fechados. As papilas gustativas em trabalho de parto geram sensações inesperadas. Istiklal Caddesi reaparece em minha memória: quase enxergo as vitrines das lojas de doces exibindo baklavas de vários tamanhos. Enquanto isso, as delicadas camadas de massa folhada recheadas com a mistura de nozes, amêndoas e pistache moídos, cobertas por uma calda de açúcar diluído, se desfazem na minha boca e tocam meu coração: eu me emociono com esse momento lindo, com o perdão do clichê. Imediatamente a turca que habita minha alma desfruta os gostos de Istambul, os bazares, os cheiros, o Bósforo, a ponte Gálata, as pequenas e grandes mesquitas, a cisterna, a mesinha no café perto da estação Çemberlitaş: eu adoro aquela cidade, adoro aquele país. O duro simbolismo da bandeira – lembrança do sangue derramado em nome de um território, de uma religião – não reflete a suave do sabor de minhas vivências, quiçá reflita a lua e a estrela, meu sol ou meu mar. Meu pé ainda pisa Pamukkale, ainda me lembro do baklava saboreado na única doceria de Göreme, na Capadócia, e os caminhos de Éfeso surgem tão vívidos quanto os rumos em Kars e seus arco-íris. Olhos já abertos, mais um baklava, outro delírio e as lágrimas já escorrem o açúcar dos meus suspiros. Quero sempre voltar para esse meu lugar...
Na desculpa desfeita
E na surpresa de reencontrar
Alguém já tão sabido
Mas completamente desconhecido
Em suas novidades de barquinho entregue ao mar.
Tem essa beleza, essa vida cor turquesa
No jeito quase escondido, sorrateiro
Em largar os sapatos no canto da sala
E esvaziar, sem pudor, sem temor, a mala
De diálogos já cansados, de adjetivos estragados.
Ah, é por isso que me faz tão bem
suas perguntas generosas sem vírgula ou porém
Essa bagunça curiosa no meu criado-mudo
E em meus alto-falantes às vezes carrancudos
Essa verdade nesse nosso caminhar despreparado
Em rumo não-planejado, hoje verde, amanhã desalinhado
Muito, muito bonito
Quase frescor de um novo rito:
Um beijo, uma novidade,
Pão-de-queijo, intensa, sempre intensa, brevidade.