quinta-feira, 12 de março de 2009

obituário

(2009)


Diziam que tinha sido jornalista, idealista, quase comunista, artista de brilho fosco, anjo da cara suja, boa amante, namorada desajeitada e fujona, ser espiritual e romântico, simpática e afável, pacífica e pavio curto, confusa e difusa, tudo ao mesmo tempo, tudo durante todo o tempo, tudo. Toda. Inteira.

Tinha sido uma mulher faceira.

Era o que diziam. Mas quem sabe? A essência, no fundo, talvez jamais seja sabida – e ninguém nunca essa certeza terá.

Foi encontrada invisivelmente estatelada no chão de todas as desesperações humanas, no duro chão de todas as agonias e de todas as dificuldades existenciais, estatelada, estatelada sem estar estraçalhada, porque se manteve inteira até esse fim.

Essa mulher teve um fim. Um fim! Uma mulher assim!

Diziam que morrera de tristeza. Que fora suicídio induzido, ou que gentes mesquinhas vinham-na matando aos pouquinhos, diziam também que poderia ter sido homicídio cometido pelo Bandido Capitalismo, esse morto-vivo gosmento, ou então um acidente terrível: ela havia desabado no abismo entre sua vida alada e o cotidiano maçante. Quem saberá? Meras especulações.

Deixara um testamento, dividindo seus sonhos, seus momentos e seus experimentos entre as pessoas que realmente partilharam partes de sua caminhada nos últimos tempos, no tempo todo, durante os temporais, nos dias de têmpora franzida ou esgarçada.

Diziam muito, mas pouco falavam de fato: essa mulher não foi um mero acidente histórico. Veio, viu, vomitou, viajou, vacilou, venceu, viveu e voou.

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