sábado, 14 de março de 2009

bem-me-quer, mal-me-quer

(2009)

Deitado eternamente em seu berço esplêndido, vendo ser dilapidadas suas riquezas naturais e massacrados seus recursos humanos, o país que me pariu dá de ombros à minha grandeza e aponta o sol da liberdade: "se quer ir, vai. somos 190 milhões, quem fará falta?"

Não fujo à luta, pátria, respondo, rebelde e indignada, mortificada pelo desdém, e por isso vou embora. Para lutar diferente, para buscar um futuro em que o colosso de minha dignidade possa se espelhar. E partilhar tal conquista com os demais.

O pais que me pariu, rodeado de cupinchas, uns velhos, outros plastificados, um com siglas de duas maiúsculas, outros com partidos de nomes pomposos, o país que me pariu, aconselhado por gente rica de toga e arrogância e preguiça e egoísmo, o país que me pariu segue com seus discursos antiquados e obsoletos: "Nossos bosques têm mais vida! Vamos exauri-los, então!" "Nossos rios têm mais força! Acabemos com eles, instalemos inúmeras usinas insensatas!" "Nossos campos têm mais flores! Esmaguemo-las e plantemos soja, e coloquemos gado, e exploremos inconseqüentemente os minérios abaixo do solo!" "Nossa vida, no meu seio, tem mais amores! Então, esqueçamos essa gente nojenta... esses ribeirinhos, esses indígenas, esses cidadãos honestos, os pobres, os miseráveis, os favelados, a classe média, os trabalhadores, os aposentados, as crianças, os jovens! Que vão viver seus amores à base da droga que alimenta o tráfico, que vivam inseguros, que não tenham perspectivas, que se danem!"

Não, isso não é ser uma mãe gentil.
O país que me pariu já nem me ouve, fascinado com a própria foto na coluna das estrelas em ascensão: "Sou o florão da América!"

Até o Cruzeiro do Sul balança a cauda, envergonhado, o Ipiranga não existe faz tempo.
E eu, dona de um sonho intenso e de raios vívidos, ainda arrisco uma nova oportunidade. Mas... mal-me-quer. Então, vou a quem me queira. E que me respeite de verdade, como ser humana.

Um comentário:

NelsonMP disse...

O Ipiranga existe sim! Suas águas não andam bem desde que o D.Pedro fez necessidades nela, mas o foguinho da liberdade ainda está lá, e é verdade que ele nunca se apaga. É um portal.
É assim mesmo, santo de casa não faz colosso. Primeiro achamos que a casa é a família, depois que é o bairro, a nação e por último é o mundo que fala: vai, somos 7 bilhões, quem fará falta. E o ressentimento só piora as coisas...
Assim é preciso encontrar o lugar dentro de si mesmo, e perceber que a humanidade inteira é um único ser tentando fazer o seu melhor.