Ela era a mulher da saia rodada e florida, do sorriso no rosto, do belo buquê de gérberas cor de rosa nas mãos em pleno lusco-fusco. Era ela.
segunda-feira, 9 de março de 2009
fora
Tudo fora do lugar. Ela. Seus sentimentos. Sua presença. Sua ausência. Suas vontades. Suas desvontades. Seus sapatos. Suas malas. Suas asas. Fora de lugar. O que devia estar aqui estava lá. E o que talvez fluísse melhor ali estava acolá ou aqui.
Tinha de ser assim, talvez, quem saberia? Mas é que doía. Doía e cansava. Cansava e irritava. Irritava e secava. E, seco assim, não respirava com prazer. Respirava com um certo ar de enfado e ansiedade misturados à poluição e às lágrimas evaporadas, dela e de outros. Sua vida enrijecia devagarzinho, com câimbras e enxaquecas. Não, isso não!
Um, doze, mil e sete... Porque deu, então, para contar as lágrimas quando a obviedade diária a entediava, obrigando-a a ser cotidiana também. Ela não era cotidiana – e nem por rebeldia ou precaução. Simplesmente não era, e isso igualmente doía muito. Abstraía, contava as lágrimas, lembrando-se até daquelas que rolaram em 1987 ou 2003. Então, vinha um sorriso, assim, desprevenido e inteligente. Ela caía em si, seus sentimentos, sua presença, sua ausência, vontades e desvontades, sapatos, malas... tudo no lugar, mas. As asas. As asas não mexiam de todo, porque ainda não era hora de novo.
Ah, janela. Nuvem. Cortina. Céu. Oceano, oceano. Momento de atravessar o muro, de arrumar a cama bagunçada, bagunçadíssima, pela lembrança dos amores todos. De frente para a vida, tinha o braço direito esticado para a Espanha e o pé esquerdo puxado pelo Chile. Mas essas eram meras abstrações de um passado que ia passando devagarzinho enquanto bem-quereres se acumulavam nas gavetas e em pontos epidérmicos estratégicos.
Assumia-se, portanto, uma pilha desorganizada e quase deliciosamente desequilibrada de vontades, interesses, sonhos, digestões, fotos, suspiros, calcinhas, vestidos, dicionários, e-mails, amigos, emoções, vazios, cheios, quilos a mais, saudades e dores. Três mil, cento e catorze, um milhão, quinhentos e dois... Ah, as lágrimas. Pois é.
Numa madrugada qualquer, sem saber se vinha ensolarado ou aguado aquele próximo dia, um silêncio acolhedor e um friozinho erótico, ela sentou-se sonhada e sonâmbula na beira da cama, como que se estivesse preparada para partir. A seu lado, a bagagem leve cheia de perguntas e frases ainda por começar.
E as asas bateram, ritmadas como no sexo, elevadas como na meditação, embriagadas como num brinde, brisas como no amor. Ela, então, voou. Para fora daquele lugar.
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