— Você ainda se comporta como adolescente.
Susto.
Falávamos sobre o amor.
Nem fazia uma semana que eu havia me deparado com um pequeno grupo de fios brancos, escondidos na parte posterior da cabeça, acima da nuca.
— Adolescente?
Olhos fixos e perdidos nas pernas estendidas sobre o banquinho. Pernas tortas de menina com o peso dos anos de uma mulher.
Falávamos sobre o amor. E eu sabia que ela tinha razão.
Que, ao andar sozinha, opção inconsciente mas tão confortável, eu avançara até subterrâneos e horizontes impensados de mim mesma, do universo a meu redor. Porém, nesse contato estreito com o homem, genérico do gênero masculino, talvez houvesse mesmo parado no passo seguinte à descoberta da alteridade. Susto. Uma mínima, quase imperceptível entrega, e logo o recolhimento. Não me movo de mim. Passo películas na qual sou a protagonista, acho que me apaixono, acho que sofro, acho que partilho, que interajo, que me transformo, tudo tão intenso. Nada, contudo, se passa. Não me movo de mim. Os tumultos e as ondas se limitam à superfície, enquanto vejo tudo lá do fundo, no silêncio absoluto, na solidão impassível.
Falávamos sobre o amor.
E eu contava e recontava mentalmente aqueles fios brancos, encontrados ao acaso, tão bem instalados acima da nuca. Achava aquela minha indiferença petulante tão madura, mas ela repetia: adolescente.
Enquanto ela falava, eu recontava meus anos.
Naquele instante, lembrei-me dele. Pareceu obsceno demais para minha ingenuidade amorosa. Pareceu um velho baú enterrado no fundo do mar, bem ao lado de onde eu estava, soltando pequeninas bolhas de ar entre os cardumes enquanto esperava o barco lá de cima se afastar. O baú de tesouros atiçava a curiosidade da garota, mas a mulher de cabelos brancos já não tinha mais forças para abri-lo. Ele sempre ao meu lado, discreto, quieto. Amigo.
Talvez eu tenha nascido amorosamente velha, já cansada dos mergulhos. Fui logo para o fundo e lá me conformei.
— Uma velha com comportamento adolescente?
E por conta desse descompasso temporal que provocava um vácuo justamente no presente, pensei em subir devagarzinho à superfície, soltando o ar e as desilusões devagarzinho, a fim de evitar uma embolia no corpo e na alma. Eu sabia que o baú também se moveria, em seu ritmo, no momento em que tinha de ser. E partilharia seus tesouros.
Porque ser madura significa igualmente aprender a navegar: também posso me mover de mim, sem me perder.
2 comentários:
Belas analogias, muito intuitivas e verdadeiras!!! Me encaixei em algumas delas. "Não me movo de mim", "mínima entrega e logo o recolhimento", "tudo tão intenso, Nada contudo se passa", "solidão confortável", "fui logo para o fundo e me conformei", " o medo da embolia de corpo e alma", "aspiração por aprender a navegar".
Entendo que profundidade é sinônimo de espiritualidade e, acho que o "baú" representa mais uma dificuldade em acessar o lado Pai dos tesouros espirituais dentro de você. Mas ao mesmo tempo isso parece ter sido em parte compensado pelo desenvolvimento do lado Mãe da sua espiritualidade que você descreve como a alteridade, que em si já é uma maneira de navegar.
No meu caso não consigo parar de vasculhar o baú, ele é maravilhoso, é como navegar de submarino. Mas também sinto incompleto, talvez um "susto" desperte a energia contida nesse "vácuo".
Ir para a superfície sem perder a profundidade, é o que evita a embolia entre o corpo e a Alma!
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